Nova Cronologia do Cineclubismo Brasileiro
Em 2005 organizei uma Cronologia do Movimento Cineclubista Brasileiro, publicada no
primeiro saite que mantive, concebido e gerenciado por Zezé Pina e depois
abandonado (mas que ainda pode ser acessado em http://cineclube.utopia.com.br/). Como eu dizia numa espécie de introdução, o texto
era muito baseado na minha memória pessoal – e um pequeno acervo de textos
próprios – e, portanto, sujeito a reparos de todo tipo. Também lembrava que até
então só existiam dois textos sobre a história do cineclubismo no Brasil: um
meu, Movimento Cineclubista Brasileiro,
um livreto publicado em 1982 pelo Cineclube da Fatec (SP), e o verbete de André
Gatti na Enciclopédia do Cinema
Brasileiro, de F. Ramos e L. F. Miranda, lançado no ano 2000 e várias vezes
reproduzido. De lá para cá é possível acrescentar algumas resenhas bem curtas,
como Cineclubismo no Brasil, visões de
uma história, de Débora Butruce e o artigo Cineclubes Brasileiros, em
Rápida Panorâmica, de Diogo
Gomes dos Santos, de 2017 (http://diogo-dossantos.blogspot.com/). Além desses, um bom número de textos históricos sobre períodos,
regiões ou cineclubes determinados, que tentei reunir numa Bibliografia Cineclubista Brasileira, esta de textos acadêmicos,
disponível em http://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2017/10/reuni-aqui-os-principais-textos.html. Ainda falta, contudo, uma história do cineclubismo
com mais empenho e fôlego, e baseada numa séria pesquisa histórica.
De 2005 para cá, minha compreensão do cineclubismo,
sob todos os aspectos, mudou muito. Pesquisas que venho realizando há 10 anos
me levaram à descoberta de dados e fatos históricos que modificam profundamente
uma visão “tradicional”, elitista e colonizada, e no entanto ainda
preponderante, do cineclubismo. Estes estudos, porém, são apenas iniciais e,
com relação ao Brasil, absolutamente insuficientes. Além das dificuldades
inerentes às pesquisas sobre cineclubismo - isto é, seu caráter associativo frequentemente
anônimo, marginal, de memória oral, entre outras características -, a
preservação das fontes é muito precária em nosso País e a pesquisa existente
poucas vezes vai além da experiência histórica diretamente accessível.
Esta nova Cronologia, mais uma vez, não será exatamente uma exceção nessa situação. As primeiras três décadas do cineclubismo, que revejo em profundidade com relação ao texto de 2005 – e em contraste com quase todos os outros escritos sobre o tema – no caso do Brasil, especialmente, estão cheias de lacunas, interrogações, pistas que ainda não permitem um quadro mais preciso da trajetória do cineclubismo ancorada em sua relação com a sociedade brasileira. Espero que, mesmo assim, estas notas indicativas possam ser úteis, motivadoras também para outros pesquisadores. Há um outro fosso de ignorância ideológica entre o Chaplin Club (1928) e o Clube de Cinema de São Paulo (1940). Depois disso essa história está mais e melhor documentada, mas este meu novo texto também não reflete uma nova pesquisa, apenas a reprodução dos dados de que já dispunha, ainda que – como é apanágio do historiador – reveja essas fontes sob uma nova luz. Dos anos finais da ditadura militar (a partir de 1971) até a atualidade me baseio em meus proprios arquivos e minha memória pessoal para a interpretação da experiência histórica. Isso, claro, tem vários e claros riscos. Porém, como fui parte integral dessa experiência, não poderia escapar de forma nenhuma desses perigos – que procuro minimizar com a bagagem acadêmica com que tenho viajado nestes últimos anos. É complicado. De todos modos, esta Cronologia não pretende constituir mais que notas introdutórias, um breve resumo para interessados e um estímulo para os estudiosos.
Esta nova Cronologia, mais uma vez, não será exatamente uma exceção nessa situação. As primeiras três décadas do cineclubismo, que revejo em profundidade com relação ao texto de 2005 – e em contraste com quase todos os outros escritos sobre o tema – no caso do Brasil, especialmente, estão cheias de lacunas, interrogações, pistas que ainda não permitem um quadro mais preciso da trajetória do cineclubismo ancorada em sua relação com a sociedade brasileira. Espero que, mesmo assim, estas notas indicativas possam ser úteis, motivadoras também para outros pesquisadores. Há um outro fosso de ignorância ideológica entre o Chaplin Club (1928) e o Clube de Cinema de São Paulo (1940). Depois disso essa história está mais e melhor documentada, mas este meu novo texto também não reflete uma nova pesquisa, apenas a reprodução dos dados de que já dispunha, ainda que – como é apanágio do historiador – reveja essas fontes sob uma nova luz. Dos anos finais da ditadura militar (a partir de 1971) até a atualidade me baseio em meus proprios arquivos e minha memória pessoal para a interpretação da experiência histórica. Isso, claro, tem vários e claros riscos. Porém, como fui parte integral dessa experiência, não poderia escapar de forma nenhuma desses perigos – que procuro minimizar com a bagagem acadêmica com que tenho viajado nestes últimos anos. É complicado. De todos modos, esta Cronologia não pretende constituir mais que notas introdutórias, um breve resumo para interessados e um estímulo para os estudiosos.
Há duas razões maiores que justificam, creio, a
oportunidade desta Nova Cronologia. Em 2005 estávamos no meio do
que seria um novo período na história do cineclubismo brasileiro, que penso
ter-se encerrado em 2013 – o que permite uma melhor visão deste mais recente
episódio. É importante a revisão desse que constitui o mais recente período da história do cineclubismo em
nosso País. Outro motivo relevante é que este resumo histórico corrige, de
certa maneira, e amplia até o presente a trajetória histórica e social do
cineclubismo no Brasil. Trata-se, como já disse, de um guia sintético e simplificado – mas espero que essencialmente
correto - para se iniciar no conhecimento da história do cineclubismo no Brasil
e, sobretudo, para não esquecer do que acontece. Não recheei o texto com as
referências de fontes – que, no entanto, possuo - porque ele é uma espécie de introdução,
voltada para o público geral interessado ou participante de cineclubes
Também cabe lembrar que todo exercício intelectual é
ideológico, expressa interesses mais ou menos claros, mais ou menos conscientes.
Tratando-se de uma atividade em que sempre estive profundamente implicado, mais
ainda, provavelmente. Mas considero que quanto mais clara for a exposição do
ponto de vista adotado pelo historiador, tanto mais transparente será a interpretação
da história e maior a autonomia da leitura – igualmente ideológica – que pode
ser feita. O texto que segue procura ser coerente com essa convicção.
Cronologia do Cineclubismo
Durante muitas décadas o cineclubismo foi ignorado
pela historiografia do cinema – e de qualquer outro objeto de estudo. Embora
onipresentes em toda a história do cinema e na origem de grande parte de suas instituições
– como as cinematecas, os festivais de cinema, a crítica, o cinema amador e
documentário, os estudos universitários, etc. – os cineclubes eram, no máximo,
citados marginalmente, como reuniões de apaixonados pelo cinema (uma noção
imprecisa e altamente discutível) ou lembrados para falar da adolescência dos
sacrossantos autores. Apenas na última
década do século passado começou-se a falar mais frequentemente em cinefilia, trazendo mais ou menos os
cineclubes – “templos da cinefilia” – para o nível de objeto legítimo de
estudo. Junto com os cineclubes, neste mesmo período, vieram à luz da
legitimidade acadêmica vários outros objetos esquecidos ideologicamente pela
historiografia: o cinema amador, os arquivos, os festivais, as mulheres... e,
portanto, o público. Que, como os cineclubes, ainda está em processo de
assimilação pela Teoria do cinema e de integração em sua História.
Nos anos 70, Philippo de Sanctis e Fabio Masala, dois
cineclubistas e pesquisadores italianos, trabalhavam com a idéia de que o
público era sujeito – e não objeto passivo, consumidor inerme - da recepção
cinematográfica. O associativismo é
para eles a grande característica e o principal instrumento de emancipação do novo público que se identifica com uma
forma contemporânea do conceito de proletariado da tradição marxiana. No
Brasil, na mesma época, mas na situação de resistência à ditadura militar,
Felipe Macedo escrevia sobre o cineclube como organização do público voltada para a criação de um novo cinema,
veículo de expressão da emancipação desse público. É notável a convergência de
ideias desses pesquisadores, que não se conheceram antes do desaparecimento dos
dois cineclubistas italianos.
Ora, o público moderno se constrói juntamente com o
desenvolvimento do cinema. Os dois conceitos são interdependentes. O cinema se
consolida como elemento essencial da modernidade a partir do estabelecimento de
um novo público – que, pela primeira vez, trazia para os espaços públicos as
mulheres, as crianças, juntamente com toda a população. E o público,
igualmente, só atinge sua configuração definitiva com a chamada institucionalização do cinema, isto é,
do dispositivo tecnológico, estético, econômico do cinema, suas formas
permanentes (até a recente revolução digital) de produção, distribuição e
recepção. As duas primeiras décadas da história do cinema marcam um período de
transformações que culminam no estabelecimento de um modelo dominante. Os
cineclubes, que constituem a instituição por excelência criada pela resistência
do público em formação, estão presentes em todo esse período. Tal como o cinema
em transformação, diferentes tradições e novas práticas populares culminam na
instituição do cineclube como forma paradigmática de organização do público.
As primeiras origens desse processo, uma protohistória do cineclubismo, pode ser
encontrada nas exibições de vistas de lanternas mágicas – que os jesuitas já
usavam no século XVIII para maravilhar os indígenas das Missões sul-americanas
– frequentemente usadas para ilustrar conferências, estimular discussões. No
século XIX, evoluindo junto com outras formas de organização popular, os clubes
operários constituiram-se como locais de reunião, aprendizado e organização
política, através de representações, conferências, debates. Desde o surgimento
da exibição cinematográfica, esses grupos adotaram a nova tecnologia. Com o
desenvolvimento do cinema, a consolidação de sua linguagem e a domesticação de um público passivo, espectador, o cineclube se consolidou
como forma de resistência à alienação e como base de criação de um cinema
alternativo àquele que servia principalmente para a sua sujeição e exploração.
A história do cineclubismo é concomitante e parte integrante da história do
cinema. A instituição cineclube se consolida – e é marginalizada - com a institucionalização do
cinema.
Uma concepção elitista, que ignora a ligação do
cineclube com o público, criou uma versão daquele como expressão do interesse
de conhecedores especializados – os cinéfilos
– que teria surgido a partir dos anos 20 graças às premières de divulgação do jornal Ciné Club, de Louis Delluc, e aos banquetes promovidos por
Ricciotto Canudo para discutir a sétima arte (expressão criada por ele) com a
elite de Paris. Esses dois intelectuais fazem sem dúvida parte da história do
cineclubismo e tiveram um papel importante na valorização institucional e
artística do cinema, mas estão bem longe de terem dado origem aos cineclubes.
Mesmo a palavra cineclube, que alguns querem atribuir a Delluc, já existia pelo
menos desde 1907 e foi usada em vários contextos diferentes; houve até mesmo um
Clube de Cinema e um jornal homônimo em Sobral (CE), em 1912.
No Brasil
Até 1914 – Não existem pesquisas publicadas sobre esse período.
No entanto, os meios e organizações anarquistas, predominantes entre o
operariado desde a virada do século, davam uma importância central à formação e
educação, adotando as mais diversas e modernas práticas em associações, clubes,
ateneus, em que se organizavam sistematicamente festas, criavam-se grupos
teatrais, de declamação, etc. O cinema era um dos instrumentos usados nessas
atividades. Na época do fuzilamento do grande educador anarquista
Francesc Ferrer, em 1909, as escolas
modernas, de sua concepção, já existiam em grande número no Brasil e usavam
todas essas práticas. Não sabemos, até agora, muito mais sobre o uso do cinema
ou sobre a organização popular em torno do novo meio de expressão e
comunicação. Mas muitas pistas apontam para seu uso sistemático como elemento
de atração e congraçamento nas comunidades populares. Da mesma forma, a outra
vertente de uso não comercial do cinema, a Igreja, também já o usava
fortemente. A revista Vozes de Petropólis,
em 1912, já menciona várias salas de cinema da Igreja: o Centro Popular Católico (Petrópolis), o Cinema Modelo
(Belo Horizonte) e o Cinema Católico (Recife), por exemplo. Também sem maiores
informações, sabemos da existência de um Clube de Cinema, com um jornal do
mesmo nome (há uma cópia praticamente ilegível no acervo da Biblioteca
Nacional) em Sobral, no Ceará, em 1912.
1914 – Neno Vasco, importante liderança anarquista, exilado
em Portugal, escreve no jornal paulista A
Lanterna sobre a experiência do Cinema do Povo, um cineclube de anarquistas
e socialistas franceses criado no ano anterior. Em seu número de 8 de maio, o
jornal publica uma convocatória para uma reunião no dia 11 visando a formação de
“uma associação voltada para a propaganda
social (ou educação) através do
cinematógrafo” em São Paulo. A
sequência ou consequência desse convite, porém, ainda não foram documentadas.
Outras fontes mencionam o continuado uso do cinema como estímulo nas atividades
operárias, inclusive durante a grande greve geral de 1917.
1916 - Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley, Luís
Aranha, Hercolino Cascardo e Pedro Lima, formam um grupo de interessados em
cinema, frequentando os cinemas Iris e Pátria e discutindo sobre filmes. Reúnem-se
também na casa de Álvaro Rocha, colecionador de filmes, e ficaram conhecidos
como a turma do Paredão. Seus integrantes, a partir dos anos 20, fariam
individualmente parte de praticamente todas as publicações tratando de cinema,
em especial Cinearte.
1917 – 1927 - Aqui abre-se um grande hiato, sem qualquer pesquisa
ou documento conhecido. Isso pode parecer suspeito, especialmente se
considerarmos o lançamento dos filmes e aparelhos para projeção doméstica – em
9,5 mm e em 16mm – que imediatamente possibilitaram uma ampla utilização do
cinema fora dos espaços comerciais tradicionais. A revista Cinearte menciona alguns Clubes de Cinema sem maiores informações,
o que não permite realmente identificar a atividade cineclubista: como em
vários outros países, algumas vezes os chamados Clubes de Cinema reúnem apenas
realizadores amadores, ao contrário dos cineclubes, voltados para a atividade
com o públilco. Mas onde ficaria a fronteira entre os dois modelos? A revista
citada tinha uma sessão voltada especialmente para esses amadores e clubes.
1928 – 1930 - Chaplin Club – Em 13 de junho, no Rio de Janeiro, Otávio
de Faria, Plínio Sussekind Rocha, Almir Castro e Cláudio Mello fundam o Chaplin
Club. Tradicionalmente foi considerado como o primeiro cineclube brasileiro,
por ser o primeiro caso claramente documentado – e por influência da ideia
cinéfila que localisava a origem dos cineclubes nos anos 20. Hoje isso parece
muito duvidoso e uma pesquisa mais acurada pode provavelmente encontrar o (ou
mais de um) elo perdido do cineclubismo uns dez ou quinze anos antes. Mas não
há como ignorar a importância do Chaplin Club, que alcançou grande repercussão
nos meios cultos da então Capital Federal. Reunia figuras de grande prestígio
no ambiente cultural carioca, influenciando as principais polêmicas
cinematográficas da época – como a do advento do som, ou a da fotogenia - e
trazendo para o Brasil cinematografias até então aqui desconhecidas, como o
expressionismo alemão e os primeiros clássicos soviéticos. Alguns filmes
lançados no Chaplin Club marcam a história do cinema no Brasil: como Limite, de Mário Peixoto ou O Encouraçado Potenkin, de S.
Eisenstein. Ainda em agosto de 28 o cineclube criava a revista "O
Fã", seu órgão oficial, que duraria apenas dois anos, ou nove números. O
nome Chaplin era uma homenagem que também simbolizava uma tomada de posição em
defesa da pureza estética do cinema silencioso.
1931 – 1939 – Outro longo hiato. Igualmente estranho já que, por
exemplo, a geração do Chaplin Club – em especial Otávio de Faria e Plínio Sussekind
- influencia e forma novos cinéfilos, como Vinícius de Moraes, e cineclubistas
como Paulo Emílio Salles Gomes – que declarou ter sido “levado” ao cineclubismo
por Sussekind quando de seu exílio em Paris, nos final dos anos 30. Mas
igualmente estranho porque o cinema já era um fenômeno nacional, e muito
popular, à época no nascimento das chanchadas.
1940 - Fundado o
Clube de Cinema de São Paulo, por Francisco Luís de Almeida Salles e outros. O
cineclube é logo fechado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP - do
Estado Novo.
1940 – 1945 – Outro hiato sem informação e que se aceita sem muita discussão
em virtude de ser o período da ditadura do Estado Novo.
1946 - Ressurge o Clube de Cinema de São Paulo - futura Fundação
Cinemateca Brasileira (1957) - agora incorporando Paulo Emílio Salles Gomes,
grande animador da instituição e presença influente no relacionamento com um
cineclubismo internacional renovado ao fim da 2ª. Guerra Mundial (fundação da
Federação Internacional de Cineclubes – FICC - em 1947)
1948 – 1952 - Nascem cineclubes em várias cidades do País: Porto
Alegre, Fortaleza, Salvador, Florianópolis, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Marília... É a geração em que surgem importantes críticos de cinema e
animadores de cineclubes: Alex Vianny, Walter da Silveira, Moniz Viana, Cyro
Siqueira, Darcy Costa, Eusélio de Oliveira, Paulo Gastal, para lembrar uns
poucos.
1952 - Chega ao Brasil uma missão francesa do OCIC –
Escritório Católico Internacional do Cinema, para dar cursos e seminários e
estimular a formação de cineclubes nas instituições ligadas à Igreja. Entre os
principais nomes do "cineclubismo católico", que exercerá grande
influência no movimento até os anos 60, estão os padres Guido Logger e Edeimar
Massote, o crítico Humberto Didonet e a educadora Irene Tavares de Sá.
1956 - Na sede da Fundação Cinemateca Brasileira é fundado o
Centro dos Cineclubes de São Paulo, primeira entidade representativa de
cineclubes, presidido por Carlos Vieira.
1958 - Fundada a Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro
– que vai ter entre seus presidentes Leon Hirszman, Cosme Alves Neto, entre
outros nomes importantes em diferentes ramos do cinema brasileiro.
Na Fundação Cinematrca Brasileira, sob a coordenação
de Paulo Emílio Salles Gomes e Carlos Vieira, é organizado o Curso de Formação
de Dirigentes Cineclubistas, com duração de um ano.
1959 - Realizada a Primeira Jornada dos Cineclubes
Brasileiros – congresso nacional que se tornará uma tradição e será realizado,
anual ou bianualmente, até o início desta década (com intervalos, durante
momentos de desorganização em nível nacional: entre 1969 e 1973; 1990 e 2002, e
desde 2012 – ver este ano) sempre em
diferentes cidades e regiões do País.
1960 - Surge a Federação de Cineclubes de Minas Gerais.
1961 - Criada a Federação Gaúcha. Nesse ano também foi
fundado o Conselho Nacional de Cineclubes - CNC - entidade nacional
representativa dos cineclubes. Nos anos seguintes ainda surgirão as federações
Nordeste e Centro-Oeste.
1964 – Ano do Golpe de Estado que dá origem à longa
(1964-1985) ditadura militar. Inicialmente, a repressão do regime ataca
fundamentalmente os ambientes e organizações ditas de massa, de operários,
estudantes e das bases das forçcas armadas. O movimento cineclubista estava
dividido, na época, entre entidades católicas e estudantís, mais à esquerda. Este
último segmento, apesar de atingido em parte pela perseguição ao movimento
estudantil, aos Centros Populares de Cultura da UNE – União Nacional dos
Estudantes, tende a se recuperar e a ocupar um papel predominante à medida que
a sociedade – e especialmente os estudantes – se articulam na resistência ao regime. Já
os cineclubes católicos vão paulatinamente desaparecendo a partir da
reorganização da Igreja – com a fundação da CNBB/Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, também em 1964 – que deixa de apoiar diretamente esses cineclubes.
1968 - Após a 7ª Jornada, realizada em Brasília, com o
recrudescimento da ditadura militar, os cineclubes passam a ser perseguidos
diretamente. É estabelecida na prática a censura prévia às suas atividades e
todo tipo de entraves e pressões vão desmantelando todas as entidades no País.
Calcula-se que existissem cerca de 300 cineclubes em 1968, agrupados em 6
federações regionais filiadas ao Conselho Nacional de Cineclubes. Em 1969
haveria no máximo uma dúzia de cineclubes em funcionamento e quase todas as
suas entidades representativas haviam sido destruídas. Apenas o Centro de
Cineclubes de São Paulo sobrevive, com uma atividade reduzida em torno do
idealismo de Carlos Vieira.
1972 - Reorganiza-se a Federação de Cineclubes do Rio de
Janeiro, sob a direção de Marco Aurélio Marcondes.
1973 - Ressurge a Federação Nordeste. Junto com Rio e São
Paulo, reúnem-se naquele ano no tradicional Encontro de Marília (em que o
cineclube local entregava o Prêmio Curumim) para reestruturar o CNC.
1974 - Após um hiato de quase 6 anos realiza-se a 8ª
Jornada Nacional de Cineclubes, em Curitiba. O documento final do Encontro, a
"Carta de Curitiba", lança as bases programáticas que vão nortear o movimento
cineclubista pelo menos por uma década.
1976 - Na 10ª Jornada, em Juiz de Fora, é criada a
Dinafilme – Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes, órgão do CNC, sob
a direção de Felipe Macedo. O acervo inicial é composto de clássicos em 16mm que
pertenciam ao acervo da Cinemateca, cedidos por Paulo Emílio Salles Gomes. Ao
longo dos próximos anos esse acervo vai ser enriquecido principalmente com
documentários brasileiros e produções "clandestinas" – não submetidas
à Censura – que documentam a vida e as lutas dos setores populares. No ano
seguinte, Marco Aurélio Marcondes cria na Embrafilme o "setor 16mm",
que vai abastecer durante anos o movimento cineclubista com longas metragens
brasileiros. E mais adiante, já nos anos 80, a Dinafilme vai começar também a
distribuir produções semelhantes de outros países da América Latina.
1977 - No Encontro de Figueira da Foz (Portugal), o Brasil (Felipe
Macedo) passa a fazer parte do Comitê Executivo da FICC – Federação
Internacional de Cineclubes. Em São Paulo, sede do CNC e da Dinafilme, ocorre
uma invasão pela Polícia Federal, que apreende filmes, principalmente
clássicos, documentários britânicos, desenhos de Émile Cohl, etc… Em todo o
País, durante a década de 70, sucedem-se invasões de cineclubes, detenção de
cineclubistas, apreensões de filmes.
1978 - A Dinafilme distribui uma produção alternativa
nascente, que acompanha de perto os movimentos sociais, como o chamado
"Cinema de Rua", em São Paulo, entre outros exemplos. Neste ano, que
marca a retomada dos movimentos grevistas, a distribuidora monta equipes móveis
que, com o apoio de alguns sindicatos, exibe os filmes que documentavam as
greves do ABC e ficavam prontos em tempo de serem apresentados nas grandes
assembléias sindicais que se realizavam em todo o meio operário. No final dos
anos 70, a maioria dos cineclubes – que já são 600 filiados nominalmente ao CNC
– é de bairros das periferias das grandes cidades. A atividade de distribuição
da Dinafilme atinge mais de 2.000 pontos de exibição, em associações,
sindicatos, igrejas e diversos movimentos populares. Vários cineastas, que
acompanham de perto a distribuição de seus filmes pela Dinafilme nesse circuito
popular, são influenciados por esse contato com o público e, de resto, pelo próprio
clima de resistência que já é muito nítido no Brasil; seus filmes – e até uma
certa estética – refletem o convívio com uma realidade em parte criado pelo
movimento cineclubista: O Homem que Virou
Suco, de João Batista de Andrade; Gaijin,
de Tisuka Yamasaki; Eles não Usam
Black-Tie, de Leon Hirszman – para citar apenas alguns – e toda uma
produção de curtas e documentários que a Dinafilme recolhe na Bahia,
Pernambuco, Paraíba, Brasília, Minas Gerais, Rio, São Paulo, etc. repassando-os
para todo o Brasil. A Distribuidora, contudo, não consegue remunerar o custo de
produção desses filmes – aspecto essencial apara continuidade dessa relação com
os realizadores – e é cronicamente deficitária. Começa, então, a fazer uma
série de experiências para rentabilizar suas atividades. Essas experiências
terão muito sucesso, mas não no sentido pretendido, pois sairão do controle da
distribuidora e do movimento (ver os anos 1980, 1981, e http://cineclube.utopia.com.br/ - História - Da
distribuição clandestina ao grande circuito exibidor).
1979 - Nova invasão
da Dinafilme pela Polícia Federal. Mas desta vez ela enseja uma grande vitória
dos cineclubes. Já sem censura à imprensa, a violência ganha amplo destaque e
uma mobilização solidária de todos os segmentos da sociedade, em todo o País –
articulado pelo CNC e as federações – obriga o ministro da Justiça Petrônio
Portela a se retratar publicamente e ordenar a devolução de todo o material apreendido.
O Brasil é reeleito – em Marly-le-Roi (França) – para a direção da FICC,
ocupando o Secretariado Latino-americano, na gestão de François Truffaut. Em
1981 ainda haverá a recondução ao cargo, em Havana, Cuba.
1980 - O Homem que
Virou Suco, melhor filme do Festival de Moscou desse ano, é lançado
simultaneamente no circuito comercial pela Embrafilme e nos cineclubes de
bairro pela Dinafilme. A distribuidora dos cineclubes e o Sindicato dos
Jornalistas produzem outra experiência, buscando maior rentabilidade com o
lançamento mais elaborado de programas de curtas (sobre greves, movimento
operário, índios, etc.) e longas metragens – como Braços Cruzados, Máquinas Paradas, de Sérgio Toledo e Roberto
Gervitz.
1981 - Fica cada vez mais patente a mudança do modelo de
distribuição – e conseqüentemente de exibição – no Brasil. A concentração do
mercado leva paulatinamente ao fechamento de 70% dos cinemas e a uma queda de
público equivalente. Já no final dessa crise, depois de discutida na Dinafilme
e aprovada na Jornada de Campo Grande, toma corpo a idéia de criar uma sala
mais "profissional" em 35mm, ocupando os espaços deixados livres pelo
cinema americano – assim como a enorme disponibilidade de equipamento dos
cinemas fechados. Graças ao trabalho de António Gouveia Jr, Arnaldo Vuolo,
Frank Ferreira e outros, surge o Cineclube Bixiga, que influenciará profundamente
a evolução do cineclubismo e do próprio mercado de exibição, sendo considerado
a origem e inspiração dos atuais grandes circuitos culturais de que o País
dispõe. Por outro lado, a inflação crescente, o aumento nos custos de frete e a
sensível diminuição das atividades culturais das instituições federais como a
Embrafilme dificulta muito o funcionamento dos cineclubes menos organizados. E
a progressiva democratização da vida nacional passa a atrair as lideranças dos
cineclubes para os movimentos políticos e partidários. Até o final dessa
década, a quase totalidade dos cineclubes 16mm e todas as entidades
representativas dos cineclubes irão desaparecendo. Não sem antes protagonizar
mais algumas experiências.
1984 - Em meio à sua
própria crise, o movimento cineclubista se divide profundamente. O setor que
tenta relançar o movimento em torno da atividade em 35mm como base de apoio
para os demais cineclubes é derrotado por apenas um voto nas eleições da
Jornada de Curitiba desse ano. A partir desta data, os principais
acontecimentos cineclubistas se darão de maneira mais ou menos isolada, já sem
ligação com as organizações do movimento. A gestão de Diogo Gomes dos Santos
(1984-86) é justamente marcada pelo combate, nas Jornadas, aos cineclubes 35
mm, chamados de "burgueses" – por comparação com os cineclubes de
periferia.
1985 - Surgem (ou abrem sua sala 35mm) os cineclubes
Oscarito (São Paulo), Cauim (Ribeirão Preto), Barão (Campinas), Estação
Botafogo (Rio de Janeiro) e Porta Aberta (Brasília). A tendência prossegue nos
anos seguintes, e outros tipos de salas também aparecem na esteira dessa
experiência, em Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e outras.
1986 - Na Jornada desse ano é eleito para a diretoria do
CNC – em aliança com a diretoria anterior – um grupo do Paraná, que se proclama
representante do pensamento de Muammar Gaddafi e diz-se financiado por ele. Mistura
de fascistas e fundamentalistas, andavam armados em público, combatiam os
cineclubistas judeus e desprezavam as mulheres – que “ficam doentes uma vez por
mês”, segundo o “livro verde” que distribuíam na Jornadas. Anos depois, já fora
do cineclubismo, alguns deles serão processados legalmente por racismo.
1987 – 1989 - O movimento cineclubista se desarticula, mas antes
destitui aquela diretoria, substituindo-a por um colegiado com um mandato
tampão sob responsabilidade de antigos dirigentes do movimento. Em 1988 faz-se
a 22ª Jornada em Campinas, comemorando os 60 anos do cineclubismo (aniversário
do Chaplin Club) e tentando levantar o moral do movimento. Mas já é tarde, em
1989 realiza-se uma última e melancólica Jornada em Vitória, ES, e é eleita uma
diretoria que mal chega a assumir e já não consegue reunir forças suficientes
para manter os cineclubes atuando como um movimento efetivamente nacional.
1990 - Nesse ano surge o Elétrico Cineclube, em São Paulo,
com duas salas de cinema e uma de vídeo, além de manter várias outras
atividades (teatro, música, feira de trocas, etc.). O Elétrico e o Estação, do
Rio de Janeiro, inauguram o lançamento de filmes com distribuidoras comerciais,
com grande sucesso. O extinto Banco Nacional patrocina inúmeras salas pelo País
afora (o próprio Estação Botafogo, o Savassi, em BH, o Vitória, em Campinas,
entre outras), mas exige que sejam empresas privadas, e não cineclubes. Em
Vitória, ES, surge o CC Metrópolis, na UFES. É um belo último suspiro
exclusivamente cineclubista: até meados da década esses cineclubes – e os que
os haviam antecedido – morrerão ou terão que se adaptar e adotar uma forma de
gestão e funcionamento propriamente comercial. As salas que conseguem se
adequar à nova realidade do mercado e do País obtém sucesso crescente e se
expandem pelo Brasil. Em particular o agora Grupo Estação, criado por Nélson
Krumholz (ex-presidente do CNC) e Adhemar Oliveira em 1985. A partir de 1993
Oliveira dirige seu próprio circuito, um dos mais importantes do Brasil. Uma
boa parte desse sucesso está ligada à característica marcadamente cultural e de
vanguarda (ambos os grupos fusionam com importantes mostras anuais de cinema do
Rio e de São Paulo), além da ligação com o cinema brasileiro e de várias
atividades educacionais que ambos os grupos conseguiram aliar a uma gestão
tipicamente comercial.
2003 - Depois de um hiato de 14 anos é organizada uma
Jornada de Reorganização do Movimento Cineclubista, em Brasília, que revela a
existência de um grande número de cineclubes atuando isoladamente, principalmente
nas capitais e cidades importantes de muitos Estados; em maior número no Rio
Grande do Sul e particularmente no Rio de Janeiro. Não muito bem organizada, e
já prenunciando uma fortedivisão, a principal resolução dessa Jornada é
preparar devidamente uma próxima.
2004 – Constituída, na Jornada do ano anterior, uma
Comissão de Reorganização do Movimento Cineclubista, com representantes de
várias regiões do País, tem como suas tarefas principais: 1) a organização de
uma Pré-Jornada, para preparar um congresso bem representativo, que possa
reconstituir a entidade nacional dos cineclubes e estabelecer um programa de
consolidação do movimento, e 2) organizar o referido encontro, a 25ª. Jornada
Nacional de Cineclubes. Como já havia ficado claro no ano anterior, em
Brasília, três grandes grupos se identificam durante o ano e nas atividades
organizadas pela Comissão Nacional: a) os cineclubistas mais antigos, com
muitos dos que dirigiam o movimento entre 1974 e 84 (ver esse período) e que,
na maioria dos casos, apenas começam a organizar seus cineclubes a partir deste
ano, em várias partes do País; b) os cineclubistas que gravitam em torno do
Cecisp - Centro Cineclubista de São Paulo e da liderança de Diogo Gomes dos
Santos, presidente do CNC na gestão 84/86, a que se somam novas iniciativas
impulsionadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), também em São Paulo, e
c) os cineclubistas surgidos nos últimos anos (desde o final dos anos 90),
bastante ligados à realização de filmes e a novas experiências técnicas e de
organização: destaca-se o Rio de Janeiro, com o maior número de entidades, mas
igualmente o Rio Grande do Sul e vários outros estados.
Os dois primeiros grupos logo revelam grande
dificuldade para se entenderem; os cineclubes novos perdem com isso um pouco de
motivação. Também uma certa extrapolação do seu mandato - ao passarem a
negociar com o governo federal um projeto não discutido de organização de
cineclubes em todo o País - afasta um pouco a Comissão de seus objetivos. Ainda
assim, a Pré-Jornada, em abril, é um sucesso - graças ao trabalho desenvolvido
por João Batista Pimentel, do CREC de Rio Claro (SP), que a organiza - com mais
de 100 representantes de cineclubes de grande parte do Brasil. Ao mesmo tempo, ela
deixa de aprofundar o debate sobre a organização e projetos do movimento,
falhando em transformar a grande motivação de todos em mecanismos e projetos de
trabalho comum. O temário da Jornada, as propostas para a entidade e seu
programa só vão ser divulgados para o movimento, muito precariamente, às
vésperas do Encontro.
O apoio do governo federal também começa a se mostrar
menos claro. O grupo do Cecisp (Centro Cineclubista de SP),
encarregado da realização da 25ª. Jornada na capital de São Paulo, mostra-se
incapaz de organizá-la. Menos de um mês antes do congresso, uma equipe de
representantes de vários cineclubes, sob a coordenação de Antonio Claudino de
Jesus, do ES, tem de se instalar em São Paulo para garantir a realização da
Jornada - e um I Encontro Ibero Americano de Cineclubes, realizado em Rio Claro
imediatamente antes do Encontro nacional. Também fica evidente que o Cecisp
trabalha na perspectiva de garantir o controle da futura entidade e os
pretensos recursos que se imagina virão do governo. Uma vez assegurados os
recursos e a organização da Jornada, o grupo assume novamente a administração
da Reunião.
A Jornada corre muito mal, e a maior parte do programa
não é realizada. Fica patente o golpe premeditado, uma vez que os
"cineclubes" ligados ao Cecisp e ao PCdoB, apenas na cidade de São
Paulo, apresentam-se em número igual ao da soma de todos os cineclubes do resto
do País. E notoriamente, a cidade de São Paulo não tinha quase nenhuma
atividade cineclubista. Essa atitude, porém, provoca um efeito inesperado: a
união do restante do País. Cineclubistas mais antigos e mais novos encontram
suas afinidades e organizam uma chapa com representação de dez estados –
presidida por Antonio Claudino de Jesus - e a maioria absoluta da assembléia,
além de se acertarem em torno de um programa sucinto, mal discutido, mas
unitário, preparado por Felipe Macedo. A minoria, composta por grupos da
capital de São Paulo e mais duas ou três cidades do interior, promove uma
ruidosa retirada de plenário, denunciando a arbitrariedade... do resto do País.
A delegação da Bahia, sem contudo se retirar, manifesta seu apoio ao grupo
dissidente. Os cineclubes do PCdoB desaparecem nas semanas e meses seguintes.
2005 - Esse foi um ano de recuo, inação e perplexidade. O
Ministério da Cultura – em especial do Programa Cultura Viva, que coordena os
investimentos do governo federal na área comunitária e é controlado pelo PCdoB,
deixa completamente de apoiar o movimento cineclubista. E os cineclubes não
puderam ou não souberam encontrar alternativas de sustentação autônoma do seu
trabalho como movimento nacional integrado. A Pré-Jornada, que deveria
acontecer em abril, só foi realizada em setembro (no Cineclube Cauim, em
Ribeirão Preto, SP), com os recursos dos próprios participantes e apoio da
Secretaria de Cultura de São Paulo: não repetiu o sucesso do ano anterior. A
26ª. Jornada, prevista para dezembro, também não obtém quaisquer recursos da
área federal, o que impede a sua realização. O número de cineclubes, contudo,
parece continuar aumentando, atingindo novas regiões e criando novas formas de
atuação em âmbito local. No Espírito Santo, em especial, houve um grande
crescimento de atividade e de organização regional, mas também vale lembrar o
Ceará, Minas Gerais, a região Centro-Oeste, entre outras.
2006 – Realizada a Jornada em Santa Maria, RS, graças ao
apoio do festival de cinema local e aos esforços do CC Lanterninha Aurélio. Claudino
de Jesus é reeleito; o programa de 2004 é simplesmente reafirmado. Decide-se
tornar as Jornadas bianuais, intercaladas com as pré-jornadas. A Jornada
seguinte é marcada para o Rio de Janeiro, sob responsabilidade da vigorosa
ASCINE (a associação dos cineclubes do estado).
No final do ano é inaugurada em São Paulo a sala Maria
Antonia do projeto PopCine (financiado pelo governo do estado), que prevê a
criação de 20 salas populares de cinema em cidades ou bairros importantes sem
cinema. No início do ano seguinte, ainda em fase inicial de montagem das salas,
o projeto é cancelado pelo executivo André Sturm, do novo governo estadual.
2008 – Um ano movimentadíssimo. O quadro de isolamento do
movimento junto ao governo federal transforma-se completamente: dois projetos
originais do movimento são apropriados e modificados pelo MINC, dando origem a
1) um programa de distribuição de kits
de projeção, que adotará diferentes nomes até 2010, e a 2) uma distribuidora de
filmes (em DVD), a Programadora Brasil. Frederico Cardoso, curta-metragista do
Rio de Janeiro, é o coordenador-geral dessas duas frentes governamentais; logo em
seguida dividirá o trabalho com Rodrigo Bouillet, presidente da ASCINE. Não se
trata mais de aparelhamento pelo PCdoB, mas da hegemonia de um projeto de criação
de espaços de exibição para a produção de curtas-metragens financiados a fundo
perdido pelo Estado. A ASCINE não realiza a Jornada, prevista para julho. Ao
invés disso, com patrocínio dos novos programas federais, organiza no RJ um
encontro chamado de Circuito em Construção, com cineclubes e outros
representantes de todo o País, escolhidos pelo governo. Apesar dos
investimentos, esse projeto acabará não tendo continuidade.
O programa de kits,
sob pressão do Conselho Nacional de Cineclubes, passa a incluir a publicação de
um Manual de Formação Cineclubista, a
organização de um site do CNC, a
constituição de uma distribuidora filmes (não incluídos no projeto da
Programadora, como clássicos e filmes de outros países) e a criação de um vasto programa de oficinas
de formação cineclubista. O site e a
distribuidora, que recebe o nome de Filmoteca Carlos Vieira, devem ser
apresentados em projeto separado, como um Pontão de Cultura (nome de
instituições especiais financiadas através de outros editais do MINC) – o que
só se dará em 2012 (ver esse ano). Mas o Manual e as oficinas entraram no
projeto inicialmente chamado de Circuito Brasil, depois de Cine
Mais Cultura, que contrata o CNC para apresentar o texto do Manual e o plano
das oficinas. O CNC chama Felipe Macedo, pesquisador cineclubista reconhecido
pelo movimento, para redigir o Manual e propor a organização das oficinas. O
projeto das oficinas, uma semana de imersão total, em 8 regiões do País, para a
formação de monitores para a posterior reprodução das oficinas - que devem ser muito
numerosas: o projeto Cine+Cultura prevê criar milhares de pontos de exibição.
Essas primeiras oficinas ocorrem na mesma época – novembro e dezembro – em que
a Jornada é finalmente realizada em Belo Horizonte, organizada pelos cineclubes
do projeto independente Curta Circuito em convênio com o CNC. Desde a primeira
oficina surgem problemas. O Manual é vetado pelos coordenadores do
Cine Mais Cultura. Na Jornada, Felipe Macedo é eleito Diretor de Formação do
CNC, Claudino de Jesus é reeleito para a Presidência.
2009 – 2010 – Estes dois anos marcam essencialmente o apogeu e a
queda do movimento cineclubista de dimensão nacional no Brasil, neste século. Resumem o mais
essencial das grandes contradições de um período que podemos situar entre 2003
e 2010 ou, de forma um pouco diferente, entre 2003 e 2013.
Censurado o Manual de Formação Cineclubista e
declarado um conflito aberto com seu autor e coordenador das oficinas, os
executivos Cardoso e Bouillet finalmente exigem do CNC a destituição de Macedo.
Afastado do projeto que ajudara a criar, este último se demite da direção do
CNC em março de 2009. O Cine Mais Cultura continua, associando-se, inclusive, a
vários estados na reprodução de editais que distribuem, segundo dados incertos do
governo, mais de mil equipamentos. Durante 2009 e início do ano seguinte, as oficinas continuam
em todo o território brasileiro mas, na maioria, perdem em conteúdo,
tornando-se menos instrumentos de formação de cineclubes e mais cursos rápidos
de treinamento para a exibição de filmes da Programadora. Praticamente todas as
lideranças cineclubistas são contratadas para esse trabalho; o CNC torna-se um
executor terceirizado das políticas do MINC, voltadas essencialmente para a
criação de pontos de exibição de curtas metragens que, desta forma, têm seu
financiamento justificado pela “demanda” estimulada. O movimento cineclubista
perde toda autonomia – e os cines mais
(novo nome dos beneficiados pelo programa) abandonam as características básicas
dos cineclubes: associativismo democrático e inserção representativa nas
comunidades. Em troca, os dirigentes do CNC e, em menor grau, das regiões, são
aquinhoados por editais e programas diversos ou mesmo diretamente remunerados
pelo ministério.
Em dezembro é realizada a 28ª. Jornada, em Moreno, PE.
É o Baile da Ilha Fiscal dessa relação promíscua do CNC com o governo. Centenas
– fala-se de 500, sem documentação conhecida – de representantes de cines mais de todo o País têm viagem
aérea e despesas pagas e a maioria acaba veraneando nas praias pernambucanas
durante os dias do congresso. O CNC distribui homenagens e troféus a diferentes
políticos e personalidades, em campanha aberta pela recondução de Juca Ferreira
ao MINC - até o presidente da FICC, presente na Jornada, atrela a entidade
mundial à disputa do cargo brasileiro. Mais uma vez sem programa e em chapa
única, elege-se uma nova diretoria, presidida por Luiz Alberto Cassol, do RS.
Uma assembléia geral da Federação Internacional de
Cineclubes também acontece no mesmo local, em sequência ao fim da Jornada.
Delegados de cerca de 40 países – também financiados pelo Brasil – elegem pela
primeira vez um presidente de fora da Europa: Antonio Claudino de Jesus.
Um detalhe importante: desde o início do ano, devido às muitas
mudanças de cargos no MINC, mas também por múltiplas dificuldades
burocrático-administrativas deixadas pelos programas de Juca Ferreira, os
projetos que movimentaram o ambiente cineclubista durante pouco mais de um ano já
estavam completamente parados. E, desde então, não foram retomados.
2011 – 2012 – Como parece acontecer periodicamente com o movimento
cineclubista (entre 1990 e 2003, por exemplo), a partir de 2011 o referencial
histórico já não é mais principalmente a organização nacional, mas a atividade,
muita vez incógnita – por local – dos cineclubes isoladamente. Ou de algumas
regiões do País. A gestão desse biênio, novamente sem qualquer apoio do Estado
– e incapaz de criar alternativas próprias – não realizou muita coisa.
Conseguiu organizar uma espécie de Pré-Jornada com um ano de atraso, mas não chegou
a reunir uma Jornada legal para a transmissão da gestão.
Diferentemente da última década do século passado,
contudo, um grande número de cineclubes subsiste um pouco por toda parte no
Brasil. Os milhares – ou mais seriamente, várias centenas – de cines mais desapareceram completamente,
dada a sua dependência congênita do paternalismo estatal. Característica
curiosa dos cineclubes mais ativos, que subsistem, quase nenhum participou dos
projetos públicos dos anos anteriores. Também algumas federações, nem sempre
com esse nome, mantiveram suas atividades e até as ampliaram, exercendo um
estímulo importante para os cineclubes em seus estados: Rio de Janeiro,
Pernambuco, Espírito Santo, Ceará, e mais periodicamente na Bahia, em Santa Catarina
e no Centro-Oeste. Os primeiros são também estados – e, no caso do RJ, também a
capital - em que existem políticas mais estáveis de apoio ao cineclubismo,
ainda que sempre muito frágeis e pouco importantes na comparação com qualquer
outro setor do campo audiovisual.
Um pouco atrás (ver 2008) há a menção ao que veio a
chamar-se Pontão Cineclubista de Cultura. Apresentado pelo CNC, estranhamente o
projeto foi entregue à Associação de Cineclubes de Vila Velha (ES). Na ocasião,
final de 2011 e início de 2012, criou uma disputa virulenta, que separou velhas
lideranças das gestões anteriores do CNC: as quantias envolvidas eram bem
significativas. O projeto criou um site
de vida muito curta e a Filmoteca Carlos Vieira lançou um único programa (DVD)
antes de desaparecer. Mistério e suspeitas cercam todo esse episódio.
2013 – ? – O movimento cineclubista brasileiro não conseguiu,
depois de 2010, realizar uma Jornada - isto é, seu congresso nacional - legítima,
organizada segundo os prazos e as disposições democráticas estatututárias. Jurídica
e politicamente o Conselho Nacional de Cineclubes – cujos estatutos prevêm
eleições a cada dois anos - deixou de existir em dezembro de 2012. No entanto,
uma assembléia altamente irregular foi realizada no primeiro semestre de 2013
em Vitória, ES, pretendendo ser uma Jornada regular, contando com o apoio
formal da diretoria do CNC cujo mandato já expirara, assim como reconhecida
pelo presidente da FICC. Cerca de 30 pessoas elegeram uma diretoria com número praticamente
igual de cargos (contando suplentes), agora presidida por Jorge Conceição, da
Bahia. Dois anos e meio depois, no final de 2015, em Salvador, BA, o processo
se repetiu, agora com a eleição de Eduardo Paes Aguiar, do Centro Cineclubista
de São Paulo (ver ano 2004). Nenhuma das duas gestões apresentou qualquer
projeto ou realizou alguma coisa além da reunião que a reproduziu – exceto participações
eventuais em eventos de terceiros, “representando” o CNC. Desde 2017, a “nova”
diretoria convocou algumas vezes uma nova “Jornada”, mas nada aconteceu até o
momento (julho de 2018).