domingo, 15 de maio de 2022

 


     Cine Clube de São Paulo (1925) foto da revista Cinearte

 

Arqueologia cineclubista: o Paredão, o Cinema Club e outras pistas na busca pelos ossos dos primeiros cineclubes brasileiros.

Mais ou menos recentemente publiquei no meu blogue um artigo escrito há um ano debatendo as origens do termo cineclube e o reconhecimento ou a adoção de um “primeiro cineclube” por diferentes organizações cineclubistas[1] internacionais. Neste texto pretendo examinar mais de perto os estudos existentes sobre os primórdios da palavra e das práticas cineclubistas no Brasil.

Reproduzindo – a meu ver, de forma colonizada e acrítica[2] – as referências predominantes na literatura internacional sobre essa questão, no Brasil a maioria dos textos adota como nosso primeiro cineclube o Chaplin Club, que funcionou na capital federal, Rio de Janeiro, de 1928 a 1930. O Chaplin Club teve indiscutivelmente uma enorme importância na trajetória do cineclubismo, e do cinema, em nossas terras. Trouxe para o País as grandes discussões de cinema que se davam na Europa, assim como uma variada filmografia, desconhecida por aqui até então. O clube lançou a revista O Fã, com nove números – digitalizados e disponíveis na internet -, que terá sido uma primeira publicação mais teórica sobre cinema no Brasil[3].

Os artigos e autores mais conhecidos nos meios cineclubistas, e mesmo além destes, mencionam também o grupo do Paredão – alguns até chamam de Cineclube Paredão – que teria existido na mesma cidade do Rio de Janeiro em 1917. Menos comuns ou conhecidas são as referências ao cineclube de Jayme Redondo, em São Paulo, em 1925. E para por aí, até o Clube de Cinema de São Paulo, de 1940.

Minhas pesquisas, mesmo sendo bastante incompletas quanto ao caso brasileiro[4], e minha convicção de que o cineclubismo é contemporâneo do cinema e se constitui institucionalmente ao final da primeira década do século 20, me levaram a várias informações que discutirei aqui. Vou tomar o caso do Paredão como ponto de partida, não porque ache que tenha alguma precedência na história do cineclubismo, mas sim por ter feito ou revisto algumas pesquisas, recentemente, sobre o caso. Ele servirá de mote para discutirmos um pouco a epistemologia da história do cineclubismo brasileiro.

O causo do Paredão

Pode-se reconhecer uma certa linearidade nas referências ao grupo do Paredão nos textos que falam, em maior ou menor grau, da história do cineclubismo. A menção mais antiga que encontrei é a de Carlos Vieira[5], no número 13 da revista portuguesa Celulóide, de 1959[6].

“Os autores que se voltam para o passado cinematográfico brasileiro descobrem, no ano de 1917, no Rio de Janeiro, o primeiro grupo de aficionados realizando exibições com projetor movido a mão e discutindo os filmes apresentados nos cinemas da cidade. Era o ‘Nacional Infante Filme’, fundado pelos jovens cinemaníacos Pedro Lima, Paulo Vanderley, Adhemar Gonzaga e Álvaro Rocha, que não só faziam sessões com pedaços de fitas conseguidos nas distribuidoras, como tentavam a filmagem de cenas breves em que todos intervinham como atores.”

Em que pese a importância de Carlos Vieira na trajetória do cineclubismo brasileiro, falta um pouco de rigor e sobram afirmações desprovidas de base, provavelmente transmitidas várias décadas depois por um dos membros do grupo que viria a constituir a maior parte da redação da revista Cinearte [7].

Pouco tempo depois do artigo de Vieira foi a vez de Rudá Andrade escrever, na Cronologia da Cultura Cinematográfica no Brasil [8], publicada em 1962:

Adhemar Gonzaga, Alvaro Rocha, Paulo Wanderley, Luís Aranha, Hercolino Cascardo e Pedro Lima, do Colégio Pio-americano, formam um grupo de interessados em cinema, frequentando os cinemas Íris e Pátria e discutindo sobre os filmes. Conforme Pery Ribas, reúnem-se na casa de Álvaro Rocha, que colecionava filmes, e lá assistiam sessões como um pequeno clube de cinema.

Rudá já coloca claramente sua fonte, embora hoje pouca gente saiba quem foi Pery Ribas, o que o autor também não explica. Ribas foi ator e produtor, participando de Homens do Sul, realizado em Pelotas em 1927, e também um dos redatores principais de Cinearte.

Creio que as duas referências, e as respectivas publicações, foram pouco conhecidas no Brasil e/ou rapidamente esquecidas. Assim, tendo trabalhado alguns anos na Cinemateca e convivido um pouco com o Rudá, assim como partilhei alguns anos de cineclubismo com Carlos Vieira, talvez tenha sido eu o próximo nessa linhagem a publicar, em um livrinho ainda mais desconhecido (MACEDO, 1982), uma citação praticamente literal desse último texto.

Seguindo essa trajetória, André Gatti (2000), importante cineclubista e professor de cinema que conhecia tanto meu texto quanto o do Rudá, assinou o verbete Cineclube, da Enciclopédia do Cinema Brasileiro. Publicação academicamente “legítima”, mais recente e que obteve algum sucesso editorial, é sobre o texto do André, provavelmente, que se baseou a grande maioria das citações posteriores do Paredão. Gatti também é o primeiro a chamar o grupo de Cineclube Paredão, mesmo alertando para o fato de que ele jamais se constituiu formalmente e mesmo que não há evidência conclusiva da sua existência.

Estas notas não têm a pretensão de esgotar o assunto, mas como estou pesquisando constantemente, creio que é possível afirmar que a maioria dos textos que mencionam o grupo do Paredão repetem as informações do verbete de Gatti. Taís Campelo Lucas, no entanto, em sua dissertação de 2005, Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942), traz outras informações importantes, baseadas em depoimentos de Adhemar Gonzaga ao Museu da Imagem e do Som do Rio (1974), e de Pedro Lima a Vera Brandão de Oliveira: “Uma odisseia no tempo: Pedro Lima em flashback”, na revista Filme Cultura, nº 26, de setembro de 1974[9]. Lucas cita os cinco integrantes principais do Clube do Paredão: Adhemar Gonzaga, Pedro Lima, Paulo Wanderley, Álvaro Rocha e Carlos Leal; só este último deixaria o campo do cinema, fazendo carreira como dentista. Esses seriam os Big Five, como os denomina Pedro Lima; mas também participavam dos encontros Luís Aranha, Hercolino Cascardo, Gilberto Souto e L. S. Marinho. Desses todos, Paulo Wanderley, Álvaro Rocha, Gilberto Souto e L.S. Marinho, além de Pedro Lima e Adhemar Gonzaga, foram redatores de Cinearte – e vale lembrar Pery Ribas, citado por Rudá, mas que não era do colégio do grupo.

“A rotina do grupo, que não chegou a se organizar legalmente, consistia em encontrar-se todos os sábados no Cine Íris, ir ao Café Rio Branco e continuar as discussões dos filmes que assistiam junto ao paredão de pedra que separava a Baía de Guanabara da avenida Beira-Mar, segundo Gonzaga, ‘para não tomar balde d’água na cabeça’” (Gonzaga, citado por LUCAS, op. cit.)

Cesar Augusto de Carvalho, em um capítulo intitulado “Constelações cinematográficas: cineclube, cultura brasileira e cinema nos anos 50” (2008) retoma o tema do Paredão e comenta um aspecto importante:

“... uma experiência cineclubista que não chegou a ser institucionalizada, mas foi bastante interessante. Talvez este fato incomode um ou outro historiador acostumado a considerar a História apenas quando existem registros documentais. Todavia, hoje, a moderna historiografia não deixa de reconhecer que os depoimentos orais são, também, registros. Este é o caso do Cineclube do Paredão”

Carvalho, em grande parte, cita Lucas, mas acrescenta outro ponto importante (sem usar a palavra): a cinefilia precoce dos membros do Clube do Paredão. Ele calcula uma “idade média de 18 anos”. Um pouco mais exatamente: Adhemar Gonzaga nasceu em 1901; Pedro Lima é de 1902; Paulo Wanderley, de 1903. Os outros colegas de colégio certamente estariam na mesma faixa etária: entre 14 e 17 anos. Em seus depoimentos – tomados 55 anos depois -, tanto Gonzaga quanto Pedro Lima ressaltam essa precocidade: Gonzaga conta que escrevia sobre cinema, em um jornal manuscrito e ilustrado por ele mesmo, desde os 11 anos de idade; Pedro Lima, também começou mais ou menos com a mesma idade, e na época do Paredão já fazia bicos como figurante em alguns filmes, “para aprender sobre cinema”.

Retomando as considerações de Carvalho, eu diria que a historiografia oral tem fraquezas evidentes, sobretudo a falta de isenção dos depoentes e falhas ou falsas memórias, eventualmente juntas. Mas tem também a riqueza inigualável de quem viveu os processos em questão. Completada por uma pesquisa em outras fontes possíveis, localizando o contexto que envolveu os depoentes, a oralidade constitui uma fonte importante. Da mesma forma, as fontes primárias tradicionais são eivadas de erros, contaminadas pelos redatores – pessoas ou instituições. Também são fontes importantes, mas com limites, que pedem uma pesquisa histórica em outros sentidos. Finalmente, nesta breve abordagem epistemológica, “fazer história”, no sentido de interpretar os dados adquiridos, é uma visão contemporânea sobre o observado. A reconstituição da história é sempre uma interpretação dos tempos correntes sobre o que, com essa perspectiva, logramos ver no passado, sejam quais forem as fontes. A história é uma produção ou representação do presente.

Assim, minha interpretação é que o Paredão é uma lembrança forte de seus principais mentores, muito provavelmente ampliada em sua importância nos depoimentos tomados várias décadas depois. Tem muito de verdade: seus membros provavelmente tinham uma forte atração pelo cinema, que era um entretenimento preferido entre os jovens e crianças, uma invenção extraordinária que provocava surpresas e emoções. Provavelmente essa cinefilia juvenil não era a mesma que os mesmos personagens teriam apenas alguns anos depois, como críticos, cineastas e técnicos. Na minha geração, nos anos 60, por exemplo, existiam muitos grupos de adolescentes que iam juntos – eram da mesma “turma” – ao cinema e depois iam conversar sobre o filme em um barzinho ou em um outro local habitual qualquer. Associar isso a uma ou mais biografias e, por isso, chamar essa prática, um tanto singela, de cineclube, constitui um certo exagero e um deslize teleológico. O empréstimo de categorias posteriores a situações do passado é um dos equívocos mais frequentes em diversas reconstituições históricas, e particularmente no cinema. Desde o século 19 a palavra clube era frequente na linguagem corrente, e aplicada em vários contextos; já cineclube provavelmente não fazia parte do léxico carioca daquela época: só teria se vulgarizado, de certa forma, na segunda metade da década seguinte, justamente por influência da cinefilia parisiense.

Em resumo, o Paredão merece a citação como curiosidade, não como fato na história do cineclubismo. Reduzir a história do cineclubismo a esse caso, pulando em seguida para o Chaplin Club (1928) e depois, num salto ainda mais longo, para o Clube de Cinema de São Paulo (1940), me parece evidentemente uma história mal contada. A falta de uma conceituação mais clara do próprio conceito de cineclube permite produzir essas “aproximações” meio voluntariosas. Acho mesmo que neste momento mesmo estamos produzindo equívocos da mesma natureza aos borbotões, quando chamamos de cineclube iniciativas pessoais, eventuais e até empresariais.

O Cinema Club de Sobral - 1912

A Biblioteca Nacional tem em seus arquivos um jornalzinho, em grande parte ilegível, chamado Cinema Club – Órgão do Cinema do Club dos Democratas. Do que pude ler na reprodução disponível no saite da Biblioteca, o Club dos Democratas seria uma associação de caráter “social”, que promovia festas, bailes, concursos com as jovens da sociedade, e exibição de filmes. O jornal fala de algumas programações de filmes, assim como dos concursos.

Foi em dois artigos e na dissertação de mestrado de Edilberto Florêncio dos Santos (SANTOS, 2018) que encontrei mais e melhores informações a respeito da “entidade mãe” – o Club dos Democratas – e sobre o contexto social e cultural de Sobral à época. Através desses trabalhos se compreende que Sobral passava por um processo de modernização e civilização: depois do domínio dos grandes proprietários rurais, uma nova geração de comerciantes e profissionais liberais – originários daqueles mesmos meios sociais – procurava valorizar a cidade e a vida urbana. Através dos negócios, claro, mas também da cultura.

As elites sobralenses do início do século XX pretendiam-se civilizadas. [...] Daí a presença do teatro, do gabinete de leitura e, sobretudo das festas, onde o refinamento era indispensável. Nesse contexto, as regras de civilidade constituíam o coroamento do projeto das elites, visando a aprendizagem de modos sofisticados observados nas altas esferas das sociedades europeias.” (DA COSTA, 2011, apud SANTOS,Todos ao Theatro”: Vida Teatral e Sociabilidade em Sobral-CE (1867-1927)

Os trabalhos de Florêncio dos Santos se baseiam em três teatros – São João, Apollo e o dos Democratas - que encarnam exemplarmente esse processo. E localizam, na mesma época, a importância e o uso do cinema nesses lugares.

Destas transformações os espaços teatrais foram partícipes, desempenhando papel de relevância nas novas formas de viver a cidade e seus espaços constitutivos. Abertos, permanentemente, às trocas e manifestações da coletividade, ao lazer (e aqui incluo o lazer instrutivo), à criação e difusão artístico-cultural, à representação social, à informação e formação... eles adquiriram grande importância nas dimensões da vida social e cultural da cidade, constituindo-se em sinônimos de urbanidade e modernidade. Ícones dos prazeres de uma cidade. (BITTENCOURT, 1999, apud SANTOS, ibidem)

Santos proporciona uma visão bem mais próxima dessas práticas culturais, altamente segmentadas. Isso nos dá uma imagem viva do público, ou dos públicos segregados que compunham uma parte significativa da sociedade sobralense:

“Nos theatros dos centros adeantados, a platéa é destinada a gemma d’ouro da sociedade, é mesmo o local mais caro do theatro; mas o que queres? Cada terra com o seu uso, aqui quando se vê uma pessoa na platéa, começa-se a por em duvida a sua situação social e financeira; o chick e a moda é alli na segunda galeria, onde uns varõezinhos de emburana, atravessados de dois em dois metros, tomam o pomposo titulo de camarotes. [...]Olha alli a primeira galeria, o único local onde há assentos, pois bem aquelle que nos grandes theatros está classificado em segundo lugar, aqui figura o “paraizo” e é destinado ao Zé povinho. (A Lucta de 21 de julho de 1915, ibidem)

E ainda:

Na divulgação de “programa” organizado pelo Club dos Democratas em sua sede, em comemoração à eleição de Justiniano de Serpa a presidência do Ceará no ano de 1920, o jornal admoesta os leitores: “seguir-se-a no theatro um grande baile, no qual poderão tomar parte todas as pessoas decentemente trajadas, servindo as divisões do theatro para separar a devida distância das classes sociaes” (A Lucta, 26 de junho de 1920, ibidem).

“... as anunciações encontradas na imprensa, das áreas de ingresso mais barato nas casas de espetáculos como “poleiro” e “galinheiro”, de onde comumente se atribui os maus comportamento e desvios das normas. (ibidem)

A arquitetura dos teatros reflete a evolução da composição e da situação – no sentido de situar as pessoas no espaço da casa de espetáculos – dos públicos, iniciada com o teatro elizabetano: progressão cada vez mais definida da separação por classes sociais e do isolamento entre elas[10]. Processo que se repetirá, de maneira própria, com os cinemas. Em outras palavras, o Club dos Democratas – também um partido político, segundo Santos – representa um segmento da classe dominante local que empreende essa campanha civilizatória que, evidentemente, corresponde a seus interesses e preconceitos.

Sua relação com o cinema apresenta particularidades em relação às outras salas de espetáculos da cidade. É a menor delas e, ao contrário dos outros dois teatros do estudo, começou com cinema mesmo. Dos três teatros, o do Club dos Democratas foi o menor e, relativamente, o menos importante, ou menos lembrado, como também aponta Santos. Não fosse ele, seria muito mais difícil decifrar o documento encontrado[11] na Biblioteca Nacional:

“Em Sobral, o cinema cedo se torna uma coqueluche entre as famílias abastadas, e logo começa a ganhar espaços na cidade e competir com as atividades cênicas, ligadas a música, a dança e ao teatro. Esse fenômeno amplamente ocorrido em todo o Brasil ainda no fim do século XIX, também atinge o Theatro São João, que após receber a visita de diversos cinematógrafos em suas dependências, abriga a primeira projeção realizada na cidade no ano de 1908 com o ‘cinematográfo Pathé Frères’. O Club dos Democratas buscando atender a esse uso misto faz exatamente o caminho contrário, adaptando seu espaço de projeção para atender também aos usos de uma pequena casa de espetáculos ou ‘theatrinho’, termo usual à época. Deste feito, na edição do dia 15 de junho do ano de 1913 o periódico O Nortista em nota intitulada ‘Club dos Democratas’ indicava os preparativos para a construção de um palco a ser ‘erigido no salão de projeções do cinema’”. (Teatro, Sociabilidades e Costumes: Palco e Plateia das Casas de Espetáculos de Sobral-CE (1867-1927)

Em seu outro trabalho, Santos traz mais considerações importantes:

A adaptação das casas de espetáculos para a realização de exibições de filmes por meio do cinematógrafo e a vulgarização do acesso a este tipo de divertimento através da diminuição do custo dos ingressos, terminam por exacerbar as brechas e resistência ao discurso civilizador, mostrando os conflitos de classe dentro do espaço físico dos Cines-theatro, evidenciada pela separação do público dentro do recinto, chegando muitas vezes a confrontos físicos.

Nos jornais do início do XX é convencional encontrar crônicas reclamando as transgressões ‘às leis da boa civilização’ e alertando a necessidade de extinção de ‘hábitos poucos recomendáveis numa cidade civilizada’, como os de cuspir no chão, fumar durante as sessões de cinema ou apresentações de teatro, e jogar pontas de cigarros sobre os outros níveis de assentos. Estes conflitos são característicos de tal maneira que um articulista do jornal Correio da Semana chega a sugerir a restrição de acesso ao Cine-theatro por parte da ‘caboclada maltrapilha, suja, que passa todo o tempo fumando e cuspindo, transgredindo as leis de boa civilização’. (Correio da      Semana, 11 de outubro de 1918)(“Todos ao Theatro”: Vida Teatral e Sociabilidade em Sobral-CE (1867-1927)

Ainda outra informação importante, esta recolhida da sua dissertação, é que o Teatro dos Democratas também teve um grupo amador de teatro, formado pelos “jovens democratas”. É mais um indício do funcionamento de uma atividade associativa produtiva dentro das iniciativas do Club, que mantinha também uma biblioteca. Não é possível saber, até aqui, se o Cinema Club era uma atividade mais coletiva, mas há a informação do envolvimento de associados, inclusive eleitos, em atividades do Club dos Democratas. Parece certo que o Cinema Club era parte de uma associação, que provavelmente não distribuía seus resultados financeiros aos sócios e propiciava acesso ao cinema, provavelmente dentro dos limites ideológicos do seu tempo e, principalmente, da sua classe social.

É curioso que esse cineclube, ou Cinema Club, bem burguês – ao modo brasileiro, ligado às oligarquias rurais (os Democratas são sucessores dos Liberais, como informa também a dissertação de Santos) - seja contemporâneo dos primeiros cineclubes operários surgidos na Europa e Estados Unidos (Cinema dos Trabalhadores, 1911, Los Angeles, ou o Cinema do Povo, Paris, 1913, entre outros).

“O Club dos Democratas tem sua sede inaugurada no dia 16 de junho de 1910, tendo seus quadros formados por famílias ligadas ao antigo Partido Liberal que tinha à frente desde o Império a linhagem do Senador Paula Pessoa. Assim, a sede do Club se instala na antiga Rua da Vitória, em imóvel pertencente à família do “senador dos bois”, como era conhecido o patriarca da família. Segundo Da Costa, assim como no Grêmio Recreativo, os Democratas realizavam um baile mensalmente, tendo à sua frente uma comissão organizadora composta por membros da associação eleitos especialmente para este fim. (o grifo é meu)

Ainda segundo Da Costa, entre os anos de 1912 e 1913 o Club dos Democratas cria em suas dependências um cinema, o primeiro da cidade, uma biblioteca e um pequeno jornal o “Cinema Club”, hoje inacessível, que inicialmente deveria divulgar a programação dos filmes projetados pela associação, mas termina se voltando aos relatos da “vida mundana das elites sobralenses”. (Entre Melodramas e Comédias Ligeiras: Vida Teatral, Sociabilidade e Costumes em Sobral-CE (1867-1927)

Sem conhecermos outras informações sobre o Cinema Club, parece certo, no entanto, que ele não teria sobrevivido à entidade mãe, ou mesmo à existência do local das exibições. É Santos, ainda, quem nos relata uma parte fundamental do final desta história:

O “Theatro dos Democratas” parece ter existido até 1915, ano em que o prédio que sediava o Club foi comprado pela Diocese de Sobral para abrigar o Palácio Episcopal, ocupado pelo primeiro bispo da cidade, D. José Tupinambá da Frota. No ano de 1918 ocorre a construção de uma nova sede, na qual já não se encontram referências a existência de palco ou tablado destinado às atividades teatrais. Por fim, os registros dão conta de que, em 1926 o Club Democratas é extinto definitivamente.

No estágio atual de nossos conhecimentos sobre o cineclubismo, há fortes indícios de que este Cinema Club, de exatos 110 anos atrás, possa ser considerado o primeiro cineclube brasileiro. Esse “cinema” certamente não era comercial, nem era de uma empresa particular. Não é possível comprovar totalmente seu caráter coletivo, mas a iniciativa está imersa numa instituição associativa que costumava organizar comissões eleitas de associados para cuidar de suas diversas atividades. Os dados não são completos, mas certamente são bem mais consistentes que tudo que tem sido estudado até hoje. E mais, o Cinema Club é mais uma evidência de que a ideia da invenção do termo cineclube só iria ocorrer na década seguinte é, de fato, uma grande falácia.

Florêncio dos Santos mirou no teatro, mas acertou no cineclube. Na verdade, pesquisar, interpretar, reconstituir a história do cineclubismo consiste exatamente em “ler” a história do cinema como fenômenos e processos sociais, encontrando o nexo entre os públicos e os contextos. A literatura e os autores que pesquisam o cinema, mesmo sob seus aspectos sociais, praticamente nunca tratam nem se interessam diretamente pelos cineclubes; há que “deduzi-los”. A argumentação e a bibliografia deste texto exemplificam bem isso, creio.

Escavando as origens: o público, as organizações de trabalhadores

e da Igreja Católica

 

Em 2016 saiu no Quebec um livro em grande parte baseado num “atelier” internacional sobre as relações entre oralidade e cinema[12]. A questão da oralidade é fundamental para a pesquisa da história do cineclubismo. As manifestações dos mais diversos públicos, desde o teatro grego da Antiguidade, passando pelo teatro elizabetano e pelas ruidosas salas dos nickelodeons e outros espaços dos primeiros tempos do cinema, sempre marcaram formas de participação civil e política. O debate, que se confunde ou que identifica, em boa medida, a atividade cineclubista, é um descendente direto dessas manifestações. Meu trabalho naquele encontro - e o capítulo do livro – foi Nascimento dos cineclubes no Brasil: o papel da oralidade no desenvolvimento das formas de organização do público (MACEDO, 2016). Na sequência, apelo bastante àquele meu texto[13] para indicar pistas para uma Arqueologia do Cineclubismo no Brasil, baseada na concepção de que essas entidades constituem iniciativas - que eventualmente se transformam em organizações - com origem nos públicos em que se desenvolvem. Outro elemento fundamental que se deve levar em consideração é que as primeiras iniciativas, como manifestações do público, assim como as primeiras formas de organização – que em outros textos chamei de protocineclubes – e até mesmo um ou os primeiros cineclubes que se possa eventualmente encontrar, não devem ser examinados sob uma lente de cinefilia, um fenômeno francês e que só surge nos anos 20. De fato, como veremos mais adiante, essa ótica exclui, e excluiu concretamente, alguns cineclubes da nossa “história”[14].

Existem inúmeros trabalhos, muitos livros, sobre a classe operária brasileira na virada e início do século 20. Também existe um bom número de pesquisas publicadas sobre o início do cinema no Brasil. O que é muito raro é a junção desses dois elementos. Mais ainda, até onde conheço, não há um estudo abrangente sobre o(s) público(s) dos primeiros anos do cinema. Embora o fenômeno cinematográfico, como muitos autores já destacaram, tenha uma origem mais ou menos dispersa e concomitante em vários países, e o Brasil, isto é, a capital do País e alguns centros principais, tenha conhecido muito cedo a nova invenção, não há muita informação sobre a constituição de seus primeiros públicos. Teria havido aqui o mesmo fenômeno de massas, o público de migrantes, imigrantes e trabalhadores que marcou a segunda década da “invenção” nos países centrais[15]? O cinema começou a chegar no Brasil[16] - pensando em sua exibição para um público, a primeira manifestação do fenômeno em nossa terra - poucos meses depois da famosa sessão do Grand Café de Paris. Isso também foi uns poucos anos depois da lei que “abolia” a escravidão. Quem era, então, o público brasileiro de cinema? Mesmo depois que a eletrificação das grandes cidades, a partir de 1907, permitiu a ampliação do número de salas, que também coincide mais ou menos com o estabelecimento dos primeiros cinemas em outros centros, que classes sociais tinham acesso e realmente frequentavam esses cinemas?

O Brasil não é um país central. A divisão de classes e seus papéis históricos são bastante diferentes. Isso deve ser levado em conta ao buscarmos compreender a formação do(s) público(s) em nosso País. E a apropriação que as classes sociais foram capazes de realizar, ou de propor, em relação ao cinema. Penso que os setores mais afluentes da sociedade compuseram a maior parte do público nesse período. Identificavam-se, sem maiores contradições, com os propósitos de “entretenimento” e alienação da própria indústria do cinema. Mesmo a classe operária era uma espécie de elite comparada com outros segmentos populares, majoritários e em piores condições sociais (FERNANDES, 1975a e 1975b). Também era, em sua maior parte, estrangeira: italiana, espanhola, portuguesa e japonesa, principalmente. Ao mesmo tempo, também me parece que era esse segmento o mais avançado da grande massa popular, e o único que tinha condições de reconhecer e se contrapor àquele tipo de cinema que estava se consolidando. Essa parte do povo era realmente cosmopolita e reproduzia bastante as condições da classe trabalhadora – no entanto muito maior e mais expressiva – dos países mais “adiantados”.

O caso do Cinema Club de Sobral que já vimos, mostra a ligação daquele cineclube (categoria sujeita a debate) com o processo econômico e social de afirmação de uma classe social de expressão mais ou menos local – esse processo de urbanização e modernização dos donos de terras. Creio que o próprio cinema, como fenômeno e símbolo dessa modernidade constituirá indício para a pesquisa de possíveis cineclubes nas capitais e cidades maiores de estados mais afastados dos centros econômicos do Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente. De fato, a classe operária também se concentrava bastante nesses centros – e na cidade de Santos (SP), por condições especiais. Creio que esse impulso civilizatório tenderia a se esgotar à medida que se impunha a modernidade mais concreta da produção capitalista dependente. Em outras palavras, tal como os teatros e eventualmente cinemas de ciclos econômicos regionais tenderam a desaparecer, ou a perder seu papel inovador, os segmentos sociais hegemônicos localmente que lhes deram origem foram absorvidos no grande acordo de classes agrário-industrial – como sempre sem mudanças fundamentais – que se torna dominante a partir dos anos 30.

A única classe que, mesmo quase sempre derrotada até agora, não perde nunca seu potencial papel histórico de superar o sistema, é a classe trabalhadora, cuja vanguarda, o segmento mais organizado e com maior consciência de seu lugar na sociedade e na história era, naqueles primeiros anos do cinema, a classe operária, o trabalhador fabril. Nesse ambiente surgiram – nos países centrais - os primeiros cineclubes: salas de trabalhadores, do povo, das mulheres, buscando seu protagonismo histórico na sua própria organização, educação e na proposição de um novo cinema.

Minhas pesquisas sobre cineclubes operários no início do século 20 no Brasil são raquíticas. Quando quis me ocupar disso já não conseguia condições financeiras para retornar e fazer pesquisas. Outras dificuldades estão referidas na nota 4 deste artigo. Mas mesmo os poucos elementos que levantei dão muitas pistas para outras investigações. Nos últimos anos, cresceu muito o número de trabalhos acadêmicos sobre o cineclubismo, mas eles se concentram mais nas questões do uso do cinema no ensino, no relato e avaliação de casos e, quanto à história, cuidam mais de tempos recentes, que raramente recuam além das 3 últimas décadas do século passado. Por isso, acho e espero que estas pistas possam sugerir e motivar outras pesquisas.

Se a vanguarda dos setores populares brasileiros era a classe operária, suas grandes lideranças, nos primeiros anos do cinema, eram majoritariamente anarquistas. Para estes, trabalhadores e trabalhadoras deviam formar-se como parte de uma outra sociedade, sem exploração. Essa formação, essencialmente política, não se separava, não diferia, antes era concomitante, à formação moral e cultural. Os anarquistas brasileiros se notabilizaram pelo grande número de jornais militantes que criaram, mas também por várias formas de organização educativa e cultural – muitas vezes ligadas a esses jornais – como círculos de leitura, centros de estudos, ateneus e mesmo escolas. Também há várias referências a grupos e a apresentações de teatro, mas são em menor número – embora existam – as que identificam o uso de filmes ou qualquer forma de organização mais sistemática com eles.

Penso que isso é devido ao fato já apontado de que raramente os estudos sobre os anarquistas se encontram com as pesquisas do início do cinema. Cristina Figueira (2003) talvez seja a primeira a fazer claramente essa aproximação. Como Florêncio Santos, ela não está pensando em cineclube exatamente, mas valoriza as práticas educativas e políticas com cinema e, em sua pesquisa, revelou a grande ressonância que teve o Cinema do Povo francês por aqui.

O movimento anarquista, através de seus jornais e de uma ampla rede de colaboradores em muitos países, sempre esteve bem informado e crítico com relação ao cinema. Dava uma importância central à formação dos anarquistas, conceito que compreendia uma educação transformadora e moderna, com o uso de várias práticas e linguagens. O nível de organização das iniciativas educativas e culturais anarquistas era bastante sofisticado: foi nesse ambiente que surgiram os primeiros cineclubes (nos EUA e na Europa, junto com socialistas, feministas e outros movimentos). No Brasil teria sido diferente?

As ‘Escolas Modernas’, criadas a partir dos princípios de Francisco Ferrer Guardia (educador anarquista fuzilado em 1909, sobre o qual o cineclube Cinema do Povo teria também produzido um filme) existiram um pouco por toda parte no Brasil: Escola Eliseu Reclus, em Porto Alegre (1906), Escola Germinal, em Fortaleza, CE (1906), Escola da União Operária de Franca, SP (1906), Escola da Liga Operária de Sorocaba, SP (1906), Escola Livre da União Operária de Campinas, SP (1908), Escola Operária 1º. de Maio, Rio de Janeiro (1912), Escola Moderna de Petrópolis, RJ (1913) e as Escolas Modernas no. 1 e 2, em São Paulo (1912). Além disso, os grupos anarquistas se organizavam em clubes, ligas, ateneus, centros de estudos, geralmente ligados a jornais, onde a cultura, incluindo o cinema, eram assuntos frequentes. Há estudos preliminares sobre o uso do cinema nessas práticas políticas e educativas a partir dos jornais proletários e anarquistas” (MACEDO, 2016[17]).

Francisco Food Hardman, em seu hoje clássico Nem Pátria nem Patrão, traz indicações de atividades com cinema nos meios anarquistas (1984). Ele também menciona o uso do cinema nos preparativos da grande greve de 1917. Hardman mostra, contudo, que há muito mais dados sobre atividades teatrais, consideradas de grande importância na formação anarquista (p. 89). Minhas próprias pesquisas também deixam entrever essa relativa “desimportância” do cinema. Só pesquisas mais sistemáticas podem resolver essa questão. Zélia Gattai (1998), num registro bem mais informal, tem um capítulo muito agradável sobre o “Cinema Mudo”, em que conta um pouco as experiências com cinema numa família de anarquistas na segunda década do século 20.

Mas foi Cristina Figueira quem primeiro encontrou diversas referências ao Cinema do Povo francês em publicações anarquistas brasileiras. A mais importante, como pista especificamente cineclubista, é a nota publicada na edição de 8 de maio de 1914, no jornal A Lanterna:

Para tentar fundar uma sociedade cujo objetivo será a propaganda social por intermédio do cinema, realizar-se-á uma reunião na próxima segunda-feira, dia 11 do corrente mês, às 11hs, no salão da Lega della Democrazia, Rua Bonifácio 39, 12º. andar. Agradecemos a presença de todos os interessados.” (A Lanterna, n. 242, 8 de maio, 1914, p. 3). Infelizmente não conseguimos encontrar confirmação da realização dessa reunião nem da fundação de um Cinema do Povo brasileiro. (MACEDO, op. cit.)

E por que falo em Cinema do Povo brasileiro? É que este chamado para a criação de uma “sociedade de cinema” seguia e era provavelmente consequência de vários textos de Neno Vasco[18] publicados n’A Lanterna e outras publicações operárias no mesmo ano. Na época exilado em Lisboa, Vasco mandava regularmente contribuições para jornais anarquistas, inclusive com reflexões sobre a importância do cinema. Desde a fundação do Cinema do Povo de Paris, também transmitiu algumas notícias sobre a iniciativa. Figueira reproduz uma matéria publicada um mês depois desse chamamento que vale reproduzir, sobretudo porque mostra a importância que os jornais (Figueira diz que a nota saiu em outros periódicos) anarquistas deram ao assunto:

“Uma empresa que urge apoiar: o Cinema do Povo

Da Comissão administrativa do "Cinema du Peuple", de Paris recebemos a seguinte comunicação, que com prazer publicamos: Há alguns meses, quando o "Cinema do Povo" anunciou seu nascimento ao público, foi um só clamor: "mais uma iniciativa que nasce morta"! Os militantes estão, com efeito, fartos de ver dessas tentativas que abortam lamentavelmente. Para que a verdade secundar uma tentativa que sabemos votada ao malogro? Aqui está, porém um esforço que parece desmentir os prognósticos dos maus agoireiros. O "Cinema do Povo", fundado há uns oito meses, ainda vive! Melhor: pretende desenvolver-se!...Dado á luz a 28 de outubro de 1913, com um capital de 1.000 francos, acaba a assembléia geral de 17 de maio pp.de elevar o capital social a 30.000 francos, emitindo 600 acções de 50 francos cada uma. Sabeis o que fez o "Cinema do Povo" com esse início modesto e insignificantes recursos? Fez o seguinte: Primeiro, as Misérias das agulhas, comovente drama em que há uma mulher em luta com as dificuldades da vida e que só se salva graças a acção solidária dos trabalhadores. - Depois, A Comuna, de 18 a 28 de março de 1871, fita exibida com exito que se sabe no Palacio das Festas, em fins de março último. Por fim, o Velho trabalhador das docas e Vitima das exploradas (sic) dois dramas pungentíssimos em que se vê desfilar no pano uma página dolorosa da vida dos dois trabalhadores. O "Cinema do Povo" cinematografou os funerais de Pressensé. Nenhum só cinematografo burguez mandou um operador reproduzir o enterro dum grande socialista e homem de bem. Desde a sua fundação, editou o "Cinema do Povo" 4.895 metros de positivas. Tem correspondentes na Belgica, na Holanda, no Luxemburgo, na Itália, na América do Norte e em Havana. É uma obra que tende a tornar-se internacional. Temos scenários prontos para serem cinematografados. - Francisco Ferrer!...Este titulo fará reviver a bela vida de Ferrer e a sombria tragedia de Montjuich. O fundador da Escola Moderna de Barcelona será glorificado pela tela cinematografica, para que as gerações se lembrem do fuzilado pela intolerância religiosa. - Biribi - é o caso Aernoult-Rousset, reconstituido. Um drama comovente e verídico, projectado no écran; um drama ante o qual vibrará o povo do trabalho á vista das torturas infligidas a um homem da sua classe. A Comuna. - de 28 de março á semana sangrenta será o terceiro film que o "Cinema do Povo" tensiona editar no decorrer deste verão. Isso não se faz sem dinheiro. A assembléia geral, em sua reunião de 17 de maio, resolveu lançar "Bilhetes de empréstimos"de 5 francos, reembolsáveis por meio de sorteio a partir de julho de 1915. O Conselho administrativo, que recebeu o mandato de continuar a editar daquelas fitas, para dar ao publico no começo do outono, crê que será ouvido o seu apêlo. Os bilhetes de empréstimo vão ser bravamente expedidos aos grupos de vanguarda e a algumas personalidades que simpatizam com a obra educativa do "Cinema do Povo". O Conselho roga ás organizações e aos cidadão que façam todo o possível para adquirir a sua propria conta ou por conta de pessoas das suas relações esses bilhetes de emprestimo. E fazer boa propaganda e contribuir para que um cinematografo popular prosiga na sua obra salutar. Ajude-se o "Cinema do Povo" a ser o contraveneno dos cinematografos indecentes, que realizam por toda a parte, tanto nas cidade como nas vilas e aldeias, por meio de fitas amiude malsãs, uma propaganda de embrutecimento da classe operária e camponesa.” (A Lanterna, n.248, p.1, 20 de julho 1914 – apud FIGUEIRA, 2003).

Infelizmente, nessa data o Cinema do Povo já havia acabado, vítima das hostilidades da Primeira Guerra Mundial. Talvez seja igualmente necessário esclarecer que o cineclube francês era organizado sob a forma de cooperativa, mas seus estatutos só permitiam o voto por associado, não importando o número de ações eventualmente subscritas por cada um (MUNDIM, 2016).

A Igreja

Do outro lado dessas iniciativas anarquistas, no Brasil, estavam as da Igreja Católica. Essa briga vem de longe, desde a Revolução Francesa, que acabou com o monopólio da Igreja sobre a educação. Desde então ela continua com suas atividades, e disputando esse espaço, nos anos em que o cinema surgia, com os trabalhadores organizados, principalmente com os anarquistas.

“Um outro ambiente onde havia essas práticas foi o das atividades empreendidas pela Igreja, na mesma lógica, mas com uma finalidade inversa: um dos traços mais constantes das práticas anarquistas é o anticlericalismo, enquanto que o anarquismo, sob todas as suas formas, é vivamente combatido pela igreja católica. De fato, a Igreja no Brasil muito cedo se interessou pelo cinema, compreendido como um campo importante que os católicos deviam esforçar-se por moralizar, em particular contra os ateus, os socialistas, os anarquistas e todos que os ajudavam. Como disse Pedro Sinzig, franciscano do Centro da Boa Imprensa (êmulo do Centre de la Bonne Presse fancês), que publica, desde 1907, a revista Vozes de Petrópolis:

        ‘Imaginem que, em tempo de greve, um cinema frequentado pelo mundo operário, apresente cenas de greve, de sabotage, de provocações, de excessos... ou que, quando tensas as relações de dois estados se mostrem filmes que deverão provocar manifestações políticas.’ (O César Moderno, Vozes de Petrópolis, julho a dezembro de 1911) (MACEDO, op. cit. apud ALMEIDA, 2011)

Além das ações para promover e aplicar uma censura inspirada pelos princípios cristãos, o esforço de moralização supunha um envolvimento com as práticas cinematográficas, sobretudo a recepção – e interpretação – das obras. Em 1912, esse mesmo padre franciscano, sob o pseudônimo de Francisco de Lins, apresentou aos leitores um Guia para Cinemas, com 72 títulos “dignos de recomendação”, para ajudar na seleção de filmes para as salas de cinema, escolas e outras instituições religiosas. Pode-se concluir, portanto, que o uso do cinema nos espaços controlados pela Igreja já era uma realidade.

Vozes de Petrópolis menciona, naquele mesmo ano, a existência de várias salas de cinema ligadas à Igreja: Centro Popular Católico (Petrópolis), Cinema Modelo (Belo Horizonte), Cinema Católico (Recife)[19]. Na metade do ano de 1918, é anunciado o início da Censura Prévia pelo Centro da Boa Imprensa[20].


O Cineclube de São Paulo - os clubes de cinema

Na historiografia do cinema – e do cineclubismo em escala ainda maior – existem hiatos, esquecimentos: figuras e elementos da história que desaparecem, ficam esquecidos às vezes por anos. Por exemplo, o bonimenteur em francês, lecturer em inglês, benshi no Japão, que sequer tem uma palavra bem estabelecida em português – explicador? – para definir a figura. Aquela pessoa – ou pessoas – que explicava, comentava, interpretava, traduzia os filmes silenciosos. Elas existiram, contudo, em praticamente todo o mundo, às vezes de formas bem particulares a um país ou cultura, outras vezes bem importante, central mesmo no período do cinema silencioso. No entanto, foram como que esquecidos praticamente até a publicação do livro de Lacasse (2000).

Na história do cineclubismo – e mais uma vez eu acho que isso se deve, ao menos em grande parte, à invenção da cinefilia culta e ao efeito ideológico do cineclube de tipo cinéfilo – diversas formas autônomas de organização do público para a apropriação do cinema se destacaram da trajetória percebida do cineclubismo, formando uma espécie de outra linhagem, ou foram mesmo esquecidas. Prevalece um tipo de senso comum simplificador: cineclube é o que tem esse nome. Às vezes nem esses são admitidos no clube da cinefilia.

O filme 35 mm usado para as projeções no início do século passado era de nitrato de celulose, altamente inflamável, o que obrigava ao trato do cinema por pessoas treinadas. Para que ele pudesse ter um uso mais seguro, o que permitiria seu uso numa escala muito maior, a doméstica, era preciso que o filme mudasse de suporte. Em 1922, a Pathé, grande empresa francesa, lançou um filme dito safety, de acetato ao invés de nitrato, um novo formato de película, e os correspondentes aparelhos de filmagem e projeção: o Pathé Baby, com 9,5 mm. No ano seguinte, a Kodak passou a comercializar o 16 mm, voltado para o mesmo mercado. Uma imensa campanha de publicidade, em todo o mundo, acompanhou esses lançamentos, procurando estabelecer seus limites dentro da esfera familiar, como analisa muito bem Wasson (2020).

No entanto, como é óbvio, os novos formatos, mais práticos, seguros e baratos, logo foram adotados por várias organizações. Como todos sabem, o 16 mm foi por muitos anos a bitola principal dos cineclubes. Mas foi mais que isso, já que facilitava também a realização. Volto a lembrar que a entronização do cineclube cinéfilo levou a uma suposta especialização dos cineclubes exclusivamente na recepção dos filmes. Mas, assim como as propagandas da Pathé e da Kodak não funcionaram tão bem, e aliás no mesmo sentido, clubes começaram a se organizar com os pequenos formatos não apenas para ver filmes, mas também para os realizar. Nos EUA isso foi um fenômeno importantíssimo, com organizações representativas, festivais, publicações. Em alguns outros países também tiveram sua importância. No Brasil, pelo que sabemos, esses cineclubes – que muitos queriam chamar de clubes de cinema, um sinônimo, para distinguir dos “verdadeiros” cineclubes – também existiram. Na Itália aconteceu um fenômeno semelhante, só que lá cineclubes eram os que produziam, e círculos de cinema os que apenas assistiam. A revista Cinearte manteve uma seção dedicada ao cinema amador, tratado mais como um espaço de aprendizado técnico, mas com eventuais referências a associações ou clubes que também se dedicavam ao cinema amador. Há bons trabalhos a respeito, como os de FOSTER (2013, 2015).

Como já disse, penso que para procurar, interpretar e reconstituir a história do cineclubismo é preciso trabalhar com um conceito definido de cineclube. Para mim, isso se explicita como organização associativa do público, sem fins lucrativos, visando a apropriação do cinema (ou, hoje, das mídias audiovisuais). Já escrevei bastante sobre essa definição, o que não caberia neste artigo (MACEDO, 2021).

Rudá de Andrade, na já citada Cronologia da Cultura Cinematográfica, é bem conciso ao tratar do Cineclube de São Paulo, de 1925 – e um tanto opinioso: “1925 – O nome ‘Cine Club’ é utilizado por Jayme Redondo. Trata-se de um clube de jogo, com exibições cinematográficas para atrair jogadores. O resultado é a produção de dois filmes: Passei minha vida num sonho e Fogo de Palha.” (op. cit., p. 6). O mesmo ponto de vista, isto é, de que não se tratava de um cineclube por estar em ou fazer parte de um clube de jogos, é exposto de forma bem mais extensa por César Augusto de Carvalho, que também já citamos. Ele traz um resumo (p. 94-96) bastante completo e interessante da biografia de Jayme Redondo, com citações da revista Cinearte e outras fontes. O verbete do André Gatti também, na mesma linha, faz apenas uma breve menção ao caso. Jurandyr Noronha, no entanto, descreve o Cineclube de São Paulo como “um agrupamento de cinéfilos encabeçado por Jayme Redondo, os quais, com a fundação do Cineclube de São Paulo, pretendiam chegar à prática, o que efetivamente aconteceu com a realização de dois longas-metragens...” (NORONHA, 2008, p. 141-142). Vale, ainda, lembrar que o número 24 de Cinearte traz uma série de fotos da sede ocupada pelo Cine Clube de São Paulo: sala de administração, sala de leitura, duas fotos da sala de projeção e até uma do salão de chá. Depois que os cineclubes incorporaram barzinhos, ou passaram a atuar em barzinhos privados, entre outras atividades, ninguém mais se ofende com essa amálgama cultural. Nos anos de ouro da cinefilia, entretanto, quando Rudá deu o mote, cineclube tinha que ser mais puro. Na maior parte dos trabalhos que mencionam a trajetória histórica do cineclubismo, então, o Cine Clube[21] de São Paulo despareceu.

Mas uma sumária busca revela outros esquecimentos situados no grande hiato entre as icônicas datas de 1928 (Chaplin Club) e 1940/1946 (Clube de Cinema de São Paulo). A primeira delas é uma breve nota, em 1933: “Acaba de ser fundado no Rio o ‘Cine Club do Brasil’, uma nova associação que se dispõe a cumprir um lindo programa tendo como finalidade o prestígio do Cinema e como lema o estímulo e o incentivo pelo Cinema Brasileiro.” Rudá, ainda que sem indicar suas fontes, revela (1962, p. 8) que ficou claro que “a intenção do interessado inicial (?) era vender uma chácara para sede social que devia ser excelente e com piscina”. Estranha informação... De qualquer forma, parece que a coisa realmente não prosperou. Por outro lado, a referência também indica que a ideia de cineclube esteve sempre presente, assim como o termo cineclube e suas variações. Em 1939, mais uma vez em Cinearte, aparece uma matéria bem mais circunstanciada - com foto da equipe, nomes de vários associados e endereço (Rua São Francisco da Califórnia, no. 47) a contatar - do Cine-Fan Club de Porto Alegre. Além de já ter produzido um “filme amador”, o Cine-Fan pretendia desenvolver o movimento associativo de cinema amador no Brasil, “pois os clubes de amadores de cinema, nos Estados Unidos, contam-se às dezenas”. Ainda em 1939, foi fundado o Foto Clube Bandeirante[22], em São Paulo, que se distinguia pelo interesse pela fotografia, claro, mas era presidido pelo também cineasta Benedito Junqueira Duarte.

O trabalho do Rudá é uma referência inicial, mas indispensável, para a pesquisa sobre o cineclubismo. Não se pode ignorar que ele reconhece e promove o papel do cineclubismo na cultura cinematográfica brasileira, o que não é muito comum. O opúsculo, com apenas 25 páginas de texto (fora índices), cobrindo o período 1910 – 1959, cita cerca de 100 cineclubes e entidades cineclubistas, a maioria criada entre 1946 e o fim do período. Ele indica a fundação do Clube de Cinema de São Paulo[23]em agosto de 1940, terminando essa primeira fase no ano seguinte, perseguido pela polícia política. O Clube de Cinema voltaria à ativa em 1946. Mais uma vez estabelece-se o hiato: nada teria acontecido nesses 5 anos. No entanto, a revista Scena Muda traz a notícia da criação do Club de Fans Cinematográficos, no Rio de Janeiro, na Avenida Rio Branco 181, 4º. Andar, sala 404, voltada para “o desenvolvimento cultural e artístico nos sectores do Cinema, do Rádio e do Theatro”. Esse cineclube tem uma extensa folha corrida. E vale lembrar que, ainda em 1945, o Foto Clube mudou os estatutos e passou a chamar-se Foto Cine Clube Bandeirante, iniciando atividades importantes nesse novo campo, com o nome que mantém até hoje.

À guisa de conclusão

A finalidade deste artigo é menos a de contestar qualquer trabalho que aborde a história do cineclubismo brasileiro – contribuições que valorizo muito – mas, principalmente, de sugerir que as totalidades construídas até hoje, mais por omissões, vácuos e descuidos, não correspondem à realidade histórica. Para mim parece bem evidente que não são possíveis os hiatos entre o surgimento do cinema e seus públicos e um primeiro cineclube apenas em 1928; deste acontecimento até 1940, e que só depois de 1945 começaram a realmente proliferar cineclubes no Brasil.

Outra evidência, penso, é que essa hipotética linha do tempo do cineclubismo esteja eivada de subjetivismos, de opiniões, de ideologia enfim. Assim se fabricou um Cineclube do Paredão; ao mesmo tempo, refugou-se tudo aquilo que não chamava cineclube (pelo menos até a contra-evidência do Clube de Cinema de São Paulo, em 1941), de cuja existência há mais que pistas, há fontes - até na imprensa mais conhecida pela historiografia brasileira do cinema.

Minha convicção é de que o cineclubismo é um conjunto de práticas criadas pelo público junto, concomitantemente, com o início do cinema. Como o cinema, essas práticas se desenvolveram e, na virada para a segunda década do século 20, começaram a encontrar formas estruturadas, permanentes, institucionalizadas. Ou seja, os cineclubes. E ainda que pesem nossas particularidades culturais, nosso subdesenvolvimento estrutural, é mais do que provável que as experiências, principalmente dos trabalhadores, dos países centrais, puderam encontrar similitudes também em nosso meio. Tudo aponta para a necessidade de pesquisas nesse campo e nesse período.

Somente ao redigir este artigo organizei melhor minha reflexão sobre os dados que reuni, não há muito, sobre o Cinema Club de Sobral. À medida que fui desenvolvendo a argumentação foi me parecendo que tinha diante de mim realmente um cineclube. Um cineclube ligado ao ambiente burguês da cidade cearense, mas que, um pouco como os cineclubes dos anos 50 – e nisso estou pensando na categoria de culturas emergentes de Raymond Williams (2005, p. 56-59) – se estabeleceu numa onda de modernização conservadora produzida pela afirmação da hegemonia daquele segmento das classes dominantes. Além da primazia, entre as organizações de existência comprovada[24], no uso do nome – ou a variação: cineclube/clube de cinema – esse cineclube seria até mesmo anterior ao Cinema do Povo, que já foi adotado pela FICC como o simbólico “primeiro cineclube”. É verdade que este último tem uma documentação completa, enquanto que não sabemos realmente em que medida o cinema sobralense tinha uma organização associativa. Também é verdade que ele seria, no mínimo, uma espécie de departamento, de setor de uma associação claramente constituída. Quando propus o Cinema do Povo como “o primeiro cineclube” (MACEDO, 2010) já estava bem consciente de que a efeméride seria um sinal de afirmação política e de identidade do cineclubismo – marcando seu centenário – mas que, como cineclubes do mesmo tipo surgiam um pouco por todo lado (ROSS, 1998), à época, sempre pensei que alguém poderia encontrar algo bem documentado e, talvez, um pouco anterior.

Mas meu objetivo maior com este texto é provocar a curiosidade e o interesse de cineclubistas e pesquisadores, e estimular a pesquisa sobre o cineclubismo e sua história, nas suas primeiras origens – que podem ir até o uso de lanternas mágicas nas primeiras organizações de trabalhadores, ainda no século 19 – e nesses grandes hiatos que poucos chegam a questionar.

Montreal, maio de 2022, ano III da Pandemia.

Referências:

Arquivos

Arquivo Edgard Leuenroth

Biblioteca Nacional

Biblioteca Municipal de São Paulo

Domitor - Associação Internacional de Pesquisa sobre o Cinema dos Primeiros Tempos

Boletins, revistas e jornais

Cahiers des cine-clubs

Celulóide – Revista Portuguesa de Cinema

Cinearte

Cinema Club – Órgão do Cinema do Club dos Democratas

Correio da Semana

O Fan – Órgão Oficial do Chaplin Club

Filme Cultura

A Lanterna

A Lucta

A Plebe

Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

A Scena Muda (depois, A Cena Muda)

A Tela

A União

Vozes de Petrópolis

Trabalhos citados:

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[1] A Federação Internacional de Cineclubes (FICC) adotou, em 2013, em assembleia bastante concorrida realizada em Túnis, o Cinema do Povo (Paris, 1913) como o primeiro cineclube bem documentado de nossa história. Mais recentemente, a Federação Portuguesa de Cineclubes preferiu reconhecer Edmond Benoit-Levy, de 1907, como criador da primeira entidade cineclubista. Essa última interpretação também é adotada no verbete cineclube da Wikipedia em sua versão em francês (Na enciclopédia online, praticamente cada idioma apresenta uma compreensão diferente de cineclube). Meu texto discute as bases factuais, históricas e as posturas políticas que representam tais decisões: O primeiro cineclube? Periodização do cineclubismo, em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2022/05/o-primeirocineclube-periodizacao.html .

[2] Vale dizer que me reconheço em parte nessa crítica. Até 2008, antes de me dedicar a uma pesquisa mais séria sobre a história do cineclubismo, eu mesmo reproduzia esse discurso. Naquele ano escrevi, a pedido do programa Cine Mais Cultura do governo federal, um “manual” bastante extenso sobre cineclubismo, que continha uma história do nosso movimento e que incidia nesse equívoco de periodização. O livro foi censurado pelos dirigentes do programa e circulou apenas em poucas cópias distribuídas nas primeiras oficinas de formação, que também coordenei, junto com o saudoso Frank Ferreira. Mesmo assim, ainda é citado aqui e ali por gente que pesquisa o assunto. Mea culpa.

[3] Além do importante livro de Ismail Xavier, Sétima Arte: um Culto Moderno – 1978, Ed. Perspectiva, há outros artigos sobre o Chaplin Club acessíveis pela internet.

[4] Pesquisar sobre cineclubismo no Brasil é especialmente difícil. Em primeiro lugar, o tema é relativamente pouco estudado, com poucas pesquisas históricas. Nos últimos anos aumentou muito o número de textos, sobretudo acadêmicos, sobre cineclubes e cineclubismo, mas a grande maioria é sobre educação formal com cinema ou estudos de casos de cineclubes mais ou menos recentes ou que ainda existem. O fato de ser contaminado ideologicamente pela adoção do modelo cinéfilo, isto é, que só reconhece os cineclubes que emulam as práticas cinéfilas dos cineclubes franceses dos anos 20 do século passado, também faz que poucos pesquisadores ou historiadores procurem informações antes daquele período. Finalmente, as fontes são de difícil acesso, pois o tema não era objeto de publicações “importantes”, como os principais jornais comerciais, e são pouco digitalizadas. Além do próprio movimento cineclubista – e outros movimentos sociais onde se instalaram cineclubes – ter sido muito omisso em preservar seus documentos, são poucas as instituições que o fazem ou têm os meios adequados para fazê-lo. No meu caso pessoal, o fato de não residir no Brasil dificulta ainda mais o acesso a todas as fontes.

[5] Carlos Vieira foi um dos mais importantes cineclubistas brasileiros, fundador da primeira entidade representativa de cineclubes, o Centro dos Cineclubes de São Paulo (1956), que dirigiu até 1975, quando ajudou a fundar e foi igualmente o primeiro presidente da Federação Paulista de Cineclubes. Ajudou a organizar, e também presidiu a Primeira Jornada de Cineclubes Brasileiros, e várias subsequentes. Pode-se citar ainda que foi um dos organizadores do importantíssimo Curso de Formação de Dirigentes Cineclubistas, em 1958, e, em 1974, o primeiro presidente do reorganizado Conselho Nacional de Cineclubes.

[6] Agradeço ao pesquisador Pedro Plaza Pinto pelo acesso à revista Celulóide.

[7] Todos os números – de 1926 a 1942 - dessa importante publicação estão digitalizados e disponíveis na internet.

[8] Número 1 dos Cadernos da Cinemateca. Rudá foi um dos, senão o principal interlocutor da Cinemateca Brasileira com o movimento cineclubista. Foi secretário na mesa da 1ª. Jornada Nacional de Cineclubes, presidida por Vieira, em 1959.

[9] Consta que as duas fontes – depoimentos no MIS/RJ e revista Filme Cultura - estão disponíveis na internet, mas não consegui acessá-las em 10/5/2022.

[10] Existem vários trabalhos sobre isso, mas a introdução de The Making of American Audiences – From Stage to Television, 1750-1990 (BUTSCH, Richard, 2000. Cambridge University Press) me parece um resumo ao mesmo tempo breve e suficientemente completo.

[11] A referência, de fato, é da pesquisadora Danielle Crepaldi Carvalho, nos arquivos do Domitor (Associação Internacional de Pesquisa sobre o Cinema dos Primeiros Tempos).

[12] Dialogues avec le cinéma, organizado por Germain Lacasse, Alain Boillat, Vincent Bouchard e Gwenn Scheppler. O termo atelier indica que foi um seminário fechado, entre os que apresentaram trabalhos, vindos de vários países, mas sem público. O livro adotou o mesmo nome do encontro.

[13] Peço desculpas por uma situação inusitada: algumas fontes da internet que cito, que pesquisei há vários anos, não me foram acessíveis agora. Assim, estou retraduzindo para o português alguns textos que havia traduzido para o francês, para usar naquele texto. Não creio que isso leve a nenhum erro exatamente, mas essa operação toda pode fazer que os textos em português aqui reproduzidos não correspondam exatamente aos originais.

[14] Como este texto exemplifica bem, não há uma história, digamos, mais consensual do cineclubismo brasileiro. E isso não é ruim, pois começa a haver um debate, um questionamento das poucas referências estabelecidas, uma                 busca pelo conhecimento e compreensão da trajetória histórica e da participação social, cultural e política do cineclubismo na sociedade brasileira.

[15] Chamo de países centrais os grandes centros econômicos, políticos e militares que nos últimos dois séculos, mais ou menos, controlam a evolução dos meios de produção, inclusive culturais, e concentram a riqueza do planeta, bem como a força militar. São o que chamam de “comunidade internacional”, o Conselho de Segurança da ONU (sem a China) e o Grupo dos Sete. Os Estados Unidos, Canadá, a União Europeia e o Japão. A OTAN. Em relação a esse centro, o Brasil faz parte dos países periféricos, “em vias de desenvolvimento”, chamados por alguns, ainda, de subdesenvolvidos ou coloniais.

[16] Aqui também há um curioso fenômeno ideológico: se o surgimento do cinema sempre foi identificado com a sua primeira projeção (independentemente da acuidade da informação), como é o caso da sessão de 28 de dezembro de 1895 realizada pelos irmãos Lumière, no Brasil adota-se a data da suposta primeira filmagem, que vem depois, e que transita do protagonismo do público no reconhecimento do cinema para a primazia do cinegrafista, eventualmente identificado com os futuros realizadores, “autores” do cinema.

[17] Com informações de MORAES, 1998, TOLEDO, 1998 e FIGUEIRA, 2006.

[18] Neno Vasco era um trabalhador e intelectual anarquista português - Gregório Nazianzeno Moreira de Queiroz Vasconcelos – que chegou ao Brasil em 1901 e, como vários militantes, foi algumas vezes expulso do Brasil através da famosa lei Adolfo Gordo. Mas sempre voltava.

[19] Vozes de Petrópolis, julho e dezembro, 1912, p. 1259-1261, apud Almeida (2011, p. 319).

[20] Com informações de ALMEIDA, 2011.

 

[21] A grafia cineclube, a rigor, só surgiu por volta dos anos 70. A diferenciação entre cine clube e clube de cinema, que se explica no texto, desapareceu com o tempo, mais ou menos nos anos 50.

[22] O associativismo em torno da fotografia tem uma história própria, muitas vezes paralela à dos cineclubes, mas que não é objeto aqui.

[23] Com vários trabalhos a respeito, também não é o objeto deste texto.

[24] O hoje bastante mencionado, mas menos conhecido, Ciné-club de Édmond Benoît-Lévy, teria sido criado em 1907, mas nunca saiu do papel (GAUTHIER, 1999).