Um guia bem pessoal do 1º. Seminário de Cineclubismos
Latino-americanos
Sendo um dos seus organizadores, assisti ao vivo a todas
as intervenções feitas no Seminário. Foram 33 exposições, em 10 mesas, de
manhã, à tarde e à noite nos três primeiros dias e uma só no domingo, dia do
encerramento. Pouca gente fez isso, o que é natural. O resultado maior do
Seminário foi o de criar um amplo painel de abordagens diversas sobre o
cineclubismo que é, também, permanente, e ficará sempre disponível para
consultas, para retornos às questões, eventuais anotações. É um arquivo
audiovisual do cineclubismo, uma novidade importante, e um marco na própria
história do movimento de cineclubes. Esse arquivo só tende a - e de fato
estimula - o crescimento.
O próprio tema do cineclubismo é bastante
especializado, e o pequeno interesse que desperta - não especialmente no
Seminário, mas em todas as muitas conversas virtuais e debates sobre o assunto que
proliferaram neste tempo pandêmico – mostram não apenas a especificidade do objeto,
mas uma certa indiferença dos próprios cineclubes, que me parece corolário dos
problemas que enfrentam nos dias que correm e aos quais voltarei mais adiante neste
artigo. Embora o Seminário tivesse um escopo continental, atingindo
potencialmente mais de duas dezenas de países – e certamente muitas centenas de
práticas cineclubistas ou que se aparentam, isto é, atividades audiovisuais em
ambientes comunitários, escolares e outros – e ainda que tenha sido bastante
divulgado nas chamadas redes sociais de vários países (mais de 100 mil pessoas
receberam a programação, e foram confirmadas cerca de 8 mil “reações” de algum
tipo nessas plataformas) e difundido simultaneamente pelo Facebook e YouTube, a
presença do público interessado, a cada mesa apresentada, esteve sempre em
torno de 30 pessoas. O fato da FICC (Federação Internacional de Cineclubes) ter
resolvido, literalmente em cima da hora, fazer um Encontro Ibero-americano,
também virtual, apenas alguns dias antes (apesar das datas do Seminário serem
conhecidas desde meados de 2020) também não ajudou. Uma pena. Claro, a
possibilidade de aceder ao evento e às mesas de debates quando a pessoa quiser
e durante o tempo que interessar, podendo zapear por esse espaço, fará
que esses números aumentem consideravelmente nos próximos dias e meses. Esse patrimônio
de informações, reflexões, é o grande ganho do que foi apenas uma primeira
iniciativa do tipo.
Por outro lado, o número de trabalhos propostos e
finalmente apresentados foi surpreendentemente grande. Como já havíamos
estabelecido, com um ano de antecedência, que o Seminário teria 4 dias,
pensávamos inicialmente que faríamos 4 mesas, uma por dia, possivelmente com 3
exposições cada uma. No final tivemos que acomodar os trabalhos em 10 mesas, 3
por dia, e várias delas com 4 apresentações. Ou seja, se o interesse dos
cineclubes pela reflexão sobre a sua própria prática não parece consolidado,
paradoxalmente, na intersecção entre a militância e a vida acadêmica o tema do
cineclubismo parece despertar muita curiosidade e resulta numa produção ampla e
consistente sobre o assunto.
As exposições, claro, foram desiguais – avaliação de
resto sempre subjetiva. Como acabamos de dizer, o interesse pelos temas e
abordagens que integram o “objeto” cineclube é, também, bem diversificada. A
avaliação do Seminário tende a ser, portanto, um reflexo dos interesses e da(s)
experiência(s) do espectador cineclubista. Meu caso, claro, não é exceção. E é
assumindo minhas preferências, ou melhor meus interesses e minhas decepções, que
compartilho esta “leitura” do Seminário.
Raymond Williams e o cineclubismo
Claro que valorizo minha própria intervenção – senão
não a teria feito. E ela me conduz a um dos aspectos que julguei mais
interessantes no Seminário: as aplicações das categorias de cultura residual
e cultura emergente, de Raymond Williams, ao cineclubismo. Usei
esses conceitos para localizar a persistência da influência do modelo de
cineclube elitista dos anos 50 em tantas práticas cineclubistas dos dias
atuais, um efeito cultural residual de contextos históricos superados, que
também poderíamos chamar de ideia fora do lugar aproximando a questão da
conhecida proposição de Roberto Schwarz. Também mencionei que as diferentes
práticas inovadoras no campo do audiovisual comunitário – na verdade hoje mais desenvolvidas
por outras formas de organização dos públicos, não pelos cineclubes – não têm
tido uma repercussão mais significativa na transformação das relações sociais
no plano da cultura, cabendo, assim, em alguns processos que Williams
identifica com cultura emergente.
Mas eu estava pensando muito numa extensão
semântica mais ampla de cultura, isto é, na transformação de tendência
gerais e paradigmas históricos de uma certa amplitude. O que não está errado,
acho eu, mas o trabalho apresentado por Marilin Perez, na mesa 5: Inicios y
Auge de Cine Club Santa Fe: El entramado económico, socio-político y cultural
entre los años 1953-1966 me fez ver com muito mais acuidade a extensão
dialética das categorias de Williams. Perez, ao invés de tratar os
acontecimentos que cercam o surgimento do cineclube de Santa Fé e da cinefilia nos
anos 50 como manifestações de formas culturais estanques, fora de lugar, propõe
e demonstra, justamente, que elas constituíram, naquele contexto, formas
emergentes de cultura, correspondendo às transformações sociais daquele
momento. Tanto que, além de motivarem e mobilizarem centenas e até milhares de
associados do Cineclube, tiveram papel central no surgimento da conhecida
Escola de Cinema daquela cidade, liderada por Fernando Birri, que tanta influência
teria, por sua vez, no desenvolvimento dos novos cinemas latino-americanos, com
destaque para o brasileiro – aqui já são comentários meus. Suas colocações
também enriquecem muito a compreensão que podemos desenvolver sobre todo o
fenômeno da onda de cineclubismo e cinefilia que se espalhou simultaneamente na
América Latina e, de fato, em boa parte do mundo naquele período.
O trabalho de Perez tem uma relação direta com o que
Rielle Navitski apresentou na mesa 1: Programación, públicos y clase social
en los cineclubes latinoamericanos de la posguerra: Una mirada comparativa.
Resumindo bastante, Navistski, tratando do mesmo período, mas com sólida pesquisa
em cineclubes de diferentes países, destaca o caráter contraditório desse
movimento emergente, que era concomitantemente democratizante e paternalista,
mostrando seu inequívoco caráter de classe – da pequena-burguesia
intelectualizada dessa época. É interessante que também a fala de Eliana López,
na mesa 4 - La muerte de la cinefilia y la vida del Cine Club Universitario,
em suas conclusões, também mostre esse paradoxo entre vanguarda e comunidade no
Equador, uma década depois.
Ainda nesse registro, Mariana Amieva e Ana Broitman, na mesa 8, apresentaram o trabalho sobre Redes
cineclubistas en el Rio de la Plata en las décadas de 1940 y 1950, que
mostra outras relações, como a penetração de uma crítica de corte cineclubista
na grande imprensa e suas interfaces com o surgimento das cinematecas da
Argentina, do Uruguai e mesmo do Brasil.
Rafael Zanatto, na mesa 10, fecha, de certa forma,
essa trajetória, trazendo essa problemática – cujo caráter latino-americano o
Seminário ajuda a demonstrar – para o Brasil com sua intervenção sobre Paulo
Emílio e o Cineclubismo no Brasil (1958-61): Formação, difusão e pesquisa
histórica. Entre muitas outras observações importantes, ele recuperou a
crítica que Paulo Emílio Salles Gomes, em meio ao próprio fenômeno, fazia dos
exageros artificiais e alienados de uma certa cinefilia de distinção social,
que também é observada (mas agora feita com distanciamento histórico) na
crítica presente nos outros trabalhos aqui citados. A ligação que Zanatto faz
entre o trabalho de Paulo Emílio e o cineclubismo, e como o situa no contexto
histórico e cultural do período estudado labora no mesmo sentido das outras
intervenções citadas e provoca muitas outras reflexões sobre o papel dos
cineclubes na sociedade naquele momento. Por exemplo, aponta as relações
causais entre o cineclubismo e o surgimento do estudo de cinema nas
universidades. Além, claro, das origens (tardias) das cinematecas
latino-americanas também a partir de cineclubes.
Haveria muito mais a dizer dessas intervenções, que
estão entre as mais importantes do Seminário, mas meu objetivo aqui é mais
resenhar um pouco, propor ligações entre as abordagens e, sobretudo, motivar os
leitores deste texto a aproveitarem diretamente essa discussão, disponível no
canal YouTube do certame.
Outros temas
Diferentemente de outras lives que têm
discutido o cineclubismo nas redes “sociais” do senhor Zuckerberg (Facebook) ou
da companhia Alphabet (YouTube), o Seminário não selecionou alguns
especialistas para discutir um determinado tema, mas fez uma chamada aberta de
trabalhos – durante cerca de um ano – para discutir amplamente o cineclubismo
na América Latina, com abordagens diversificadas. Isso não retira o mérito de
outros debates, mas tem alguns que lhe são próprios, até aqui exclusivos: o
Seminário aproximou experiências de dez países do subcontinente, que propuseram
seus próprios interesses. Isso revela muita coisa sobre o cineclubismo, tanto
pelos assuntos abordados como pela ausência de outros. Também tem a qualidade
de descobrir, de certa forma, experiências, tratamentos e mesmo talentos que
não faziam parte de nenhuma rede ou grupo já conhecido. O Seminário, sobretudo,
aproximou a produção acadêmica do ambiente cineclubista, o que pode beneficiar
a ambos.
Algumas intervenções feitas nesse encontro são de
fundamental interesse e importância. Eu resenhei algumas, que me atraíram
particularmente, pelas questões abordadas e pela qualidade das pesquisas e
apresentações. Mas diversos outros temas também me interessaram e agradaram e,
certamente, serão mais ou menos atraentes para outras pessoas, com interesses
diferenciados. Tentarei indicar e resumir alguns outros temas que julgo
relevantes.
Mulheres e cineclubismo
Apenas dois trabalhos que abordam essa questão foram
enviados para o Seminário. Ambos são pesquisas mais ou menos em andamento, já
que cineclube é um tema muito recentemente legitimado pelos estudos
acadêmicos e a questão de gênero, tal como na teoria feminista, como recorte do
cineclubismo, está ainda mais em sua fase inicial. Os trabalhos foram
apresentados na mesa 3.
Ainamar Rodagut estuda o papel de três mulheres no que
se conhece melhor como início do cineclubismo na Argentina e no México: Mujeres
iberoamericanas mediadoras y sus redes en los cineclubes de finales de los años
20 y 30: Lola Álvarez Bravo, Victoria Ocampo y María Luz Morales. Sua
pesquisa visa propor a ideia de redes de relacionamento como base para uma
abordagem metodológica e categorial do papel das mulheres no cineclubismo, em
qualquer escala. Tal como se poderia aplicar aos cineclubes anarquistas ou
católicos, por exemplo. Uma pesquisa de muita qualidade.
Já Priscila Sales apresentou o delineamento inicial de
sua pesquisa doutoral sob o título de Mulheres no cineclubismo brasileiro
(1970 e 1980). A abordagem de Sales revela a importância da Dinafilme –
distribuidora de filmes orgânica do movimento cineclubista – no estabelecimento
de interfaces entre cineclubes feministas, filmes cujo tema principal era a
mulher e até as poucas diretoras de filmes dessas duas décadas. Um trabalho
pioneiro e indispensável.
As duas intervenções, cada uma à sua maneira, são
muito interessantes e suas apresentações foram bem instigantes. Ainda que
também mostrem um estágio inicial do tratamento de uma questão tão fundamental,
elas têm indiscutivelmente o mérito de despertar curiosidade e disposição para
ampliar e aprofundar esse tipo de trabalho. E mostram que isso já começou e que
vai bem.
Hiperconexão e pedagogia cineclubista
Outro tema que julgo primordial é o que chamo de
pedagogia cineclubista. Não se trata de ensino de cinema ou com cinema, mas do
estudo do papel particular, próprio e exclusivo que penso caber aos cineclubes
na formação do público e, muito especialmente, da infância. A questão não é a
formação com cinema, nem mesmo com as mídias que o substituíram e superaram
como mediação social, mas da formação das pessoas, indivíduos e comunidades,
para sua participação consciente na sociedade, o que não pode prescindir do
domínio da capacidade de se instruir, se comunicar e se exprimir através das
mídias. Foi na mesa 9 que se fizeram as principais exposições sobre o tema da
educação em suas relações com o cineclubismo.
Apenas o trabalho de Altayra Rojas - Lenguaje
cinematográfico e hiperconexión, una experiencia desde la educación y la niñez –
foi direto a esse ponto. E o fez de forma muito pedagógica, digamos assim, já
que nos ofereceu uma excelente introdução ao assunto, e um comentário sobre os
principais teóricos da atualidade nesse campo: Henry Jenkins, Pierre Levy e
Alberto Scolari - sem esquecer seus antecessores, em muitos sentidos: Lev
Vigotsky, Jean Piaget e Paulo Freire. Como moderador da mesa, sugeri a ela que
lembrasse também o papel essencial de Mikhail Bakhtin na explicação do processo
social de formação dos sentidos (dos signos), que tem muito a ver com os três
últimos autores citados.
Milene Figueiredo apresentou seu projeto de tese - Histórias
sobre crianças e cineclubismo: a ressignificação do cineclubismo escolar -
que, para mim, apresentou, ou propôs, outra perspectiva fundamental: o ensino
fora da escola, ou o estudo das interfaces entre escola e comunidade. A meu
ver, é preciso ressignificar tanto a escola quanto o cineclube. O trabalho de
Figueiredo aponta substancialmente nessa direção. Em outra mesa, a 10, Paula Cherep y Santiago Santillán mostraram, em Resistir,
mostrar, reflexionar. El ciclo de Cine y Filosofía como experiencia de
extensión cultural um aspecto da mesma reflexão, agora aplicado no ensino
superior, no que chamam de extensão cultural, conceito que tem um
significado diferente do mais usual nos meios universitários no Brasil. Sidimar
Brandolt completou a mesa com Cineclube: um novo olhar, para um novo pensar sobre o
uso do cinema em sala de aula no IFFAR (Instituto Federal Farroupilha), campus
de São Vicente do Sul (RS).
Práticas transformadoras e presença da Venezuela
Gizely Cesconetto também apresentou, na mesa 5, um
delineamento do seu projeto de tese, no campo da Geografia cultural. O objeto é
seu próprio cineclube e o recenseamento dos cineclubes brasileiros que estão
realizando. Acompanho esse trabalho bem de perto e creio que ele se apresenta
como uma ferramenta indispensável de reconhecimento da situação concreta
dos cineclubes brasileiros no momento presente. Cesconetto explica que essa
pesquisa se dá em dois níveis: o do mapeamento objetivo e o do
auto-reconhecimento subjetivo dos cineclubes. Para mim isso é fundamental para
o debate não apenas das práticas desses cineclubes, mas também para a
identificação de suas necessidades e interesses comuns, num momento de
desorganização do movimento cineclubista e mesmo da sociedade civil, numa
conjuntura de reação e atraso político e social do País. Esse trabalho é ou representa
simultaneamente uma tese, um cineclube, uma prática específica e uma ação
política.
Juan Manuel Hernandez, por sua vez, na mesa 8,
apresentou uma visão do cineclubismo bem ampla, geográfica e historicamente: Reconociendo
nuestra mirada al cineclubismo. Uma reflexão teórica que deita raízes numa
longa experiência prática pessoal do venezuelano Hernandez, participante e
criador – desde o século passado – de um cinemóvil, um tipo muito
especial de cineclube itinerante, que invade e ocupa temporariamente ruas e
outros espaços de comunidades, trazendo ações que envolvem outras mídias e
mesmo outras formas de expressão: do teatro até um aparelho que Hernandez criou
que permite “entrar” nos televisores das comunidades “invadidas”.
A Venezuela constitui uma questão em separado. O
processo político radicalizado e polarizado determina claros posicionamentos
dos cineclubes daquele país. Nancy de Miranda, na mesa 2, apresentou um quadro
bastante completo da evolução das atividades comunitárias com cinema - Venezuela:
Apreciación y Realización Audiovisual Comunitaria 2007- 2019 – sob a
direção da Cinemateca Nacional, isto é, do Estado venezuelano. Embora muito
diferente da nossa experiência, na análise desse trabalho pode-se encontrar
muitos traços comuns com o que vivemos no Brasil, de forma bem incipiente, com
o programa Cine Mais Cultura.
A presença da Venezuela, em contraste com muitas
experiências e discursos mais conservadores que o Seminário também mostrou,
trouxe obrigatoriamente a reflexão da atividade cineclubista para o campo
social e político.
Outros temas
Como já disse, a avaliação dos trabalhos que faço é
bastante determinada pelos meus interesses pessoais de pesquisa e do processo
subjetivo que me leva a extrapolações talvez nem sempre pertinentes, mas que
para mim são inspiradoras, me estimulam e levam a novas conjecturas e
reflexões.
Nesse sentido, é preciso citar o trabalho de Julio
Lamaña, apresentado na mesa 1: Protohistoria de los públicos. Asonadas, disturbios y otras manifestaciones del
público de cine en Colombia. Lamaña
faz uma espécie de recenseamento de vários autores que tratam dos primeiros
tempos do cinema na Colômbia, abordando também as manifestações dos públicos
nas primeiras décadas dessa história. Além do anedotário muito interessante dos
distúrbios provocados pelos públicos insatisfeitos, Lamaña indica a relação de
inadequação latente entre os possíveis interesses do público e os da indústria,
mais particularmente dos exibidores. Esse trabalho, a meu ver, demonstra ou
pelo menos indica, que “há vida” nos públicos antes dos anos 20 (casos da
Argentina, Brasil e México) ou a partir dos anos 50 nos demais países. Ao
contrário de uma historiografia ideológica que só consegue reconhecer o
cineclubismo, isto é, o público organizado, nessas datas completamente
dissociadas das experiências de outros países. Países esses que, aliás, só
recentemente começam a entender isso, como na recente proposta da Federação
Portuguesa de Cineclubes, que sugere o surgimento do cineclubismo em 1907 – mas
isso já é outra discussão. Os estudos que informaram essa apresentação mostram
que não há desculpa: existem fontes a serem pesquisadas na busca das primeiras origens
do cineclubismo nos países latino-americanos.
Outro trabalho muito interessante foi apresentado por
Gabriel Álvarez, na mesa 10: Carlos Monsiváis y la cinefilia universitária.
Trata-se do que eu chamaria de uma crônica investigativa: uma apresentação
breve – como o Seminário obrigava – do papel de Carlos Monsivais na formação de
uma cultura cinematográfica (que Álvarez identifica como cinefilia) no meio
universitário mexicano. Monsivais é um nome e uma obra que precisam ser melhor
conhecidos. Muitos o associam aos chamados Estudos Culturais Latino-americanos,
junto com Jesús Martín-Barbero, Nestor Canclini e alguns outros. Mas Monsivais
tem uma trajetória diferente, principalmente como jornalista e crítico em
diferentes mídias: foi uma figura nacional no México. Lembro de João do Rio, um
contexto completamente diferente, quando penso em Monsivais. Mas é verdade que
ele tem um papel muito importante na valorização da cultura popular e na tomada
de muitas posições em situações políticas que viveu e enfrentou.
A última exposição foi a de um cineclubista de gênero.
No sentido cinematográfico do termo. Um fã de filmes fantásticos, de heróis e
monstros, como Christian Aguirre chamou sua intervenção: De dibujos, monstruos y héroes: El Cine
Club Nocturna. De certa forma foi um fecho de ouro para o Seminário, porque
o que ele nos apresentou foi uma série de imagens evocativas desses temas, dos
filmes de ficção, de terror, de animação. Pessoalmente, acho que essa prática
de fandom, como muitos a chamam, tão típica de nossa tradição
cineclubista e do culto cinéfilo, são totalmente válidas, mas atendem sempre a um
aspecto da ação cineclubista. Hoje, com as tecnologias digitais que tanto
facilitaram a obtenção e exibição de materiais específicos, isso pode ser
oferecido como uma entre outras atividades do cineclube. Como um grupo
de estudos, que nesse caso pode ser bem agradável e divertido. Como foi essa
apresentação.
Cultura residual
Essa identificação das persistências do modelo
“tradicional” ou hegemônico do cineclubismo dos anos 50 na atualidade é uma
visão minha. Não foi dita ou assumida por ninguém mais durante o Seminário e
não deve ser inferida dos comentários que faço neste artigo. De fato, creio que
o Seminário revelou, para além das preleções aqui lembradas, uma grande – senão
prevalente – presença de uma concepção cinéfila de cineclubismo, ligada à
“educação do olhar”, uma atitude tutorial diante da formação do público, e de
culto diante do cinema. Como já destaquei, poucas intervenções falaram de
outras mídias – aqui me lembro apenas de Altaira Rojas e Juan Manuel Hernandez
(mas, é claro, o tema não cabia mesmo em muitos dos trabalhos apresentados). E,
de forma surpreendente, creio que nenhuma falou de produção, de realização de
filmes ou outros materiais audiovisuais por cineclubes. Isso também é muito
revelador, e se inscreve entre as várias reflexões que o Seminário pode sugerir.
Para mim, esses traços que mencionei constituem uma
cultura residual, ou seja, formas superadas pela realidade, pelo
desenvolvimento das relações sociais, que não correspondem mais ao contexto
atual. Mas que sobrevivem, pela força excepcional (quer dizer de exceção) de
algumas instituições ou, o que é mais comum, de forma precária, sem qualquer
impacto social ou cultural.
O fato de representar esse tipo de sobrevivência
excepcional não retira a importância de algumas experiências que construíram,
ao longo de décadas, uma tal inserção na comunidade, que continuam a ser muito relevantes.
É o caso mais que importante do Cineclube de Santa Fé – e, por consequência, do
Cineclube de Reconquista – que continua sendo uma referência na cultura da cidade
e da região. Tanto que foi objeto de três trabalhos (mesas 5, 6 e 10 – além da
mesa 7, com o Cineclube Reconquista) apresentados no Seminário, todos muito
interessantes.
O Seminário, enfim, mostra que a proposição de um
debate amplo e democrático, organizado com o rigor que essas duas
características – alcance e democracia - exigem, é capaz de revelar
descobertas, aprofundar conhecimentos e propiciar novas reflexões não apenas
com as posturas com que nos identificamos, mas, com a mesma intensidade, com aquilo
que achamos equivocado, e que nos leva a imaginar outras análises, soluções.
Iguais oportunidades de participação e liberdade de
debate são indispensáveis para que a organização da sociedade avance. Um
cineclube também se baseia nesses princípios, não?
julho de 2021, ano II da Pandemia