Patrimônio
cineclubista
No dia 3 de
janeiro publiquei no meu blogue um texto em memória do nosso companheiro Frank
Ferreira. Em seguida, como sempre fiz, mandei o mesmo texto para o grupo e
lista dos cineclubes brasileiros, a cncdialogo. E então descobri que ela
não existe mais. A empresa Yahoo, depois de várias movimentações acionárias e
corporativas, decidiu apagar todos os grupos de discussão que mantinha.
A cncdialogo
foi criada em 2004 por João Batista Pimentel, então diretor de Comunicações do
Conselho Nacional de Cineclubes. Creio que foi seu primeiro ato depois de
eleito na 24ª. Jornada Nacional de Cineclubes, que reorganizou a entidade
nacional dos cineclubes brasileiros depois de cerca de 15 anos sem nenhum
congresso ou forma de representação nesse nível. Pimentel teve a sabedoria de
fazê-la completamente livre, sem moderação, isto é, sem hierarquias ou
interferências de qualquer tipo. O que para alguns era uma ousadia, um risco,
acabou se mostrando o grande motor de participação e democracia do movimento
cineclubista brasileiro.
A cncdialogo
cresceu rapidamente. Não sei em que altura ela atingiu a marca de 1.200
inscritos, que foi, de fato, a média do número de participantes durante muitos
anos, até seu apagamento pela Yahoo. A própria informalidade a fez sobreviver a
todas as crises do movimento. O CNC se desarticulou uns 8 anos depois, e até
hoje, em que pese as diferentes ações para a sua rearticulação, o movimento
cineclubista brasileiro nunca mais se reuniu de maneira sistemática e
amplamente representativa como entre 2004 e 2010. A própria lista dos
cineclubes também oscilou bastante. Tendo chegado a picos de 800 mensagens
por mês, ou mais de 25 mensagens por dia, sua movimentação caiu muito nos
últimos tempos. Em momentos mais gloriosos – se cabe o termo – a lista hospedou
debates acirrados, às vezes profundos, como na movimentação nacional dos
cineclubes em torno da questão “Cineclube e Educação”, que criou eventos em
alguns estados; na polêmica sobre as ações da organização Fora do Eixo junto
aos cineclubes (e realizadores); nas trocas de relatórios de avaliação das
sessões organizadas para o programa Cine+Cultura; sobre alguns temas
programáticos do movimento ou sobre a legitimidade das Jornadas realizadas em
2013, 2015 e mesmo 2019, entre os temas de que me lembro agora, de improviso.
Participei
ativamente destas e de outras discussões. Houve uma queda significativa do
movimento na lista - inclusive defendida e depois promovida ativamente por um
grupo de cineclubistas que propunham e depois criaram, mecanismos mais privados,
digamos, de comunicação. Sempre entendi, entretanto, e como muitos outros, que
a lista era uma espécie de garantia de comunicação entre os cineclubes,
especialmente em fases de refluxo organizativo. Mas não só diante de crises; a
lista de dialogo sempre estava lá para consultas entre experiências
similares, para divulgação de atividades, para consultas e busca de informações
diversas, enfim para qualquer tipo de manifestação que, potencialmente,
qualquer um de seus mais de mil aderentes quisesse fazer.
Com muitos
milhares de mensagens, cobrindo 16 anos da história cineclubista, a lista era uma base documental,
uma fonte primária fundamental e insubstituível para a pesquisa. Sempre pensei
que, um dia, alguém faria uma dissertação ou tese a partir desse material,
agora irremediavelmente perdido, ao que parece.
Não deixa de
ser significativo que apenas eu – e uns 20 dias depois do fato – tenha notado,
ou me manifestado sobre esse acontecimento que certamente não é insignificante
para os cineclubes brasileiros, seu estudo, sua memória e sua história. Quando
houve os primeiros sinais de mudança na corporação Yahoo, tentei me comunicar
com quem pudesse prevenir de alguma forma essa perda. Não procurei o pessoal
que hoje utiliza a marca CNC porque eles já laboravam contra a lista; entre eles
a substituíram por um grupo de WhatsApp mais exclusivo de seus seguidores –
apesar de também usá-la em algumas situações, o que confirma a importância da
lista. De qualquer modo, não houve nenhuma iniciativa real – que eu saiba –
para salvar a lista. Pessoas que trabalham ou conhecem informática bem melhor
que eu me informam que agora é definitivo: todas as mensagens estão apagadas,
perdidas, inacessíveis para os possíveis interessados. Também não podemos mais
enviar mensagens “para o movimento”, uma sensação muito ruim que senti agora,
com a questão do Frank Ferreira. E com esta mensagem.
É claro que a
principal razão para tudo isso é a própria privatização da internet, dessas
tristes redes sociais que nada têm de sociais, mas são controladas,
vigiadas e monetizadas por corporações particulares. E essas são hoje as
maiores empresas da economia global! É evidente que a lista dialogo – e tantos
outros milhares de grupos eliminados - constituía um patrimônio público, de interesse
coletivo, social, e não deveria ser manipulada dessa forma.
Mas é
indiscutível também que o movimento cineclubista brasileiro - que havia criado
essa ferramenta original e potente – demonstra por sua omissão uma fragilidade
que hoje faz parte do seu perfil. Além da lista perdemos o domínio exclusivo e
gratuito cineclubes.org que aquela primeira direção do CNC havia obtido
e que qualquer cineclube poderia usar gratuitamente e com exclusividade.