Arqueologia cineclubista: o Paredão, o Cinema Club e
outras pistas na busca pelos ossos dos primeiros cineclubes brasileiros.
Mais ou menos recentemente publiquei no meu blogue um artigo escrito há um ano debatendo as origens do termo cineclube e o reconhecimento ou a adoção de um “primeiro cineclube” por diferentes organizações cineclubistas[1] internacionais. Neste texto pretendo examinar mais de perto os estudos existentes sobre os primórdios da palavra e das práticas cineclubistas no Brasil.
Reproduzindo – a meu ver, de forma colonizada e
acrítica[2] – as
referências predominantes na literatura internacional sobre essa questão, no
Brasil a maioria dos textos adota como nosso primeiro cineclube o Chaplin Club,
que funcionou na capital federal, Rio de Janeiro, de 1928 a 1930. O Chaplin
Club teve indiscutivelmente uma enorme importância na trajetória do
cineclubismo, e do cinema, em nossas terras. Trouxe para o País as grandes
discussões de cinema que se davam na Europa, assim como uma variada filmografia,
desconhecida por aqui até então. O clube lançou a revista O Fã, com nove
números – digitalizados e disponíveis na internet -, que terá sido uma primeira
publicação mais teórica sobre cinema no Brasil[3].
Os artigos e autores mais conhecidos nos meios
cineclubistas, e mesmo além destes, mencionam também o grupo do Paredão –
alguns até chamam de Cineclube Paredão – que teria existido na mesma cidade do
Rio de Janeiro em 1917. Menos comuns ou conhecidas são as referências ao
cineclube de Jayme Redondo, em São Paulo, em 1925. E para por aí, até o Clube
de Cinema de São Paulo, de 1940.
Minhas pesquisas, mesmo sendo bastante incompletas
quanto ao caso brasileiro[4], e
minha convicção de que o cineclubismo é contemporâneo do cinema e se constitui
institucionalmente ao final da primeira década do século 20, me levaram a
várias informações que discutirei aqui. Vou tomar o caso do Paredão como ponto
de partida, não porque ache que tenha alguma precedência na história do
cineclubismo, mas sim por ter feito ou revisto algumas pesquisas, recentemente,
sobre o caso. Ele servirá de mote para discutirmos um pouco a epistemologia da
história do cineclubismo brasileiro.
O causo do Paredão
Pode-se reconhecer uma certa linearidade nas
referências ao grupo do Paredão nos textos que falam, em maior ou menor grau,
da história do cineclubismo. A menção mais antiga que encontrei é a de Carlos
Vieira[5], no
número 13 da revista portuguesa Celulóide, de 1959[6].
“Os autores que
se voltam para o passado cinematográfico brasileiro descobrem, no ano de 1917,
no Rio de Janeiro, o primeiro grupo de aficionados realizando exibições com
projetor movido a mão e discutindo os filmes apresentados nos cinemas da
cidade. Era o ‘Nacional Infante Filme’, fundado pelos jovens cinemaníacos Pedro
Lima, Paulo Vanderley, Adhemar Gonzaga e Álvaro Rocha, que não só faziam
sessões com pedaços de fitas conseguidos nas distribuidoras, como tentavam a
filmagem de cenas breves em que todos intervinham como atores.”
Em que pese a importância de Carlos Vieira na
trajetória do cineclubismo brasileiro, falta um pouco de rigor e sobram
afirmações desprovidas de base, provavelmente transmitidas várias décadas
depois por um dos membros do grupo que viria a constituir a maior parte da
redação da revista Cinearte [7].
Pouco tempo depois do artigo de Vieira foi a vez de
Rudá Andrade escrever, na Cronologia da Cultura Cinematográfica no Brasil [8],
publicada em 1962:
“Adhemar Gonzaga, Alvaro Rocha,
Paulo Wanderley, Luís Aranha, Hercolino Cascardo e Pedro Lima, do Colégio Pio-americano,
formam um grupo de interessados em cinema, frequentando os cinemas Íris e
Pátria e discutindo sobre os filmes. Conforme Pery Ribas, reúnem-se na casa de
Álvaro Rocha,
que colecionava
filmes, e lá assistiam sessões como um pequeno clube de cinema.”
Rudá já coloca claramente sua fonte, embora hoje pouca
gente saiba quem foi Pery Ribas, o que o autor também não explica. Ribas foi ator
e produtor, participando de Homens do Sul, realizado em Pelotas em 1927,
e também um dos redatores principais de Cinearte.
Creio que as duas referências, e as respectivas
publicações, foram pouco conhecidas no Brasil e/ou rapidamente esquecidas.
Assim, tendo trabalhado alguns anos na Cinemateca e convivido um pouco com o
Rudá, assim como partilhei alguns anos de cineclubismo com Carlos Vieira, talvez
tenha sido eu o próximo nessa linhagem a publicar, em um livrinho ainda mais
desconhecido (MACEDO, 1982), uma citação praticamente literal desse último
texto.
Seguindo essa trajetória, André Gatti (2000),
importante cineclubista e professor de cinema que conhecia tanto meu texto
quanto o do Rudá, assinou o verbete Cineclube, da Enciclopédia do
Cinema Brasileiro. Publicação academicamente “legítima”, mais recente e que
obteve algum sucesso editorial, é sobre o texto do André, provavelmente, que se
baseou a grande maioria das citações posteriores do Paredão. Gatti também é o
primeiro a chamar o grupo de Cineclube Paredão, mesmo alertando para o fato de
que ele jamais se constituiu formalmente e mesmo que não há evidência
conclusiva da sua existência.
Estas notas não têm a pretensão de esgotar o assunto,
mas como estou pesquisando constantemente, creio que é possível afirmar que a
maioria dos textos que mencionam o grupo do Paredão repetem as informações do
verbete de Gatti. Taís Campelo Lucas, no entanto, em sua dissertação de 2005, Cinearte:
o cinema brasileiro em revista (1926-1942), traz outras informações
importantes, baseadas em depoimentos de Adhemar Gonzaga ao Museu da Imagem e do
Som do Rio (1974), e de Pedro Lima a Vera Brandão de Oliveira: “Uma odisseia no tempo: Pedro
Lima em flashback”, na revista Filme Cultura, nº 26, de setembro
de 1974[9].
Lucas cita os cinco integrantes principais do Clube do Paredão: Adhemar
Gonzaga, Pedro Lima, Paulo Wanderley, Álvaro Rocha e Carlos Leal; só este
último deixaria o campo do cinema, fazendo carreira como dentista. Esses seriam
os Big Five, como os denomina Pedro Lima; mas também participavam dos
encontros Luís Aranha, Hercolino Cascardo, Gilberto Souto e L. S. Marinho. Desses
todos, Paulo Wanderley, Álvaro Rocha, Gilberto Souto e L.S. Marinho, além de
Pedro Lima e Adhemar Gonzaga, foram redatores de Cinearte – e vale
lembrar Pery Ribas, citado por Rudá, mas que não era do colégio do grupo.
“A rotina do
grupo, que não chegou a se organizar legalmente, consistia em encontrar-se
todos os sábados no Cine Íris, ir ao Café Rio Branco e continuar as discussões
dos filmes que assistiam junto ao paredão de pedra que separava a Baía de
Guanabara da avenida Beira-Mar, segundo Gonzaga, ‘para não tomar balde d’água
na cabeça’” (Gonzaga, citado por LUCAS, op. cit.)
Cesar Augusto de Carvalho, em um capítulo intitulado “Constelações cinematográficas: cineclube, cultura
brasileira e cinema nos anos 50” (2008) retoma o tema do Paredão e comenta
um aspecto importante:
“... uma
experiência cineclubista que não chegou a ser institucionalizada, mas foi
bastante interessante. Talvez este fato incomode um ou outro historiador
acostumado a considerar a História apenas quando existem registros documentais.
Todavia, hoje, a moderna historiografia não deixa de reconhecer que os
depoimentos orais são, também, registros. Este é o caso do Cineclube do
Paredão”
Carvalho, em grande parte, cita Lucas, mas acrescenta
outro ponto importante (sem usar a palavra): a cinefilia precoce dos membros do
Clube do Paredão. Ele calcula uma “idade média de 18 anos”. Um pouco
mais exatamente: Adhemar Gonzaga nasceu em 1901; Pedro Lima é de 1902; Paulo
Wanderley, de 1903. Os outros colegas de colégio certamente estariam na mesma
faixa etária: entre 14 e 17 anos. Em seus depoimentos – tomados 55 anos depois
-, tanto Gonzaga quanto Pedro Lima ressaltam essa precocidade: Gonzaga conta
que escrevia sobre cinema, em um jornal manuscrito e ilustrado por ele mesmo,
desde os 11 anos de idade; Pedro Lima, também começou mais ou menos com a mesma
idade, e na época do Paredão já fazia bicos como figurante em alguns filmes, “para
aprender sobre cinema”.
Retomando as considerações de Carvalho, eu diria que a
historiografia oral tem fraquezas evidentes, sobretudo a falta de isenção dos
depoentes e falhas ou falsas memórias, eventualmente juntas. Mas tem também a
riqueza inigualável de quem viveu os processos em questão. Completada por uma
pesquisa em outras fontes possíveis, localizando o contexto que envolveu os
depoentes, a oralidade constitui uma fonte importante. Da mesma forma, as
fontes primárias tradicionais são eivadas de erros, contaminadas pelos
redatores – pessoas ou instituições. Também são fontes importantes, mas com
limites, que pedem uma pesquisa histórica em outros sentidos. Finalmente, nesta
breve abordagem epistemológica, “fazer história”, no sentido de interpretar os
dados adquiridos, é uma visão contemporânea sobre o observado. A reconstituição
da história é sempre uma interpretação dos tempos correntes sobre o que, com
essa perspectiva, logramos ver no passado, sejam quais forem as fontes. A
história é uma produção ou representação do presente.
Assim, minha interpretação é que o Paredão é uma
lembrança forte de seus principais mentores, muito provavelmente ampliada em
sua importância nos depoimentos tomados várias décadas depois. Tem muito de
verdade: seus membros provavelmente tinham uma forte atração pelo cinema, que era
um entretenimento preferido entre os jovens e crianças, uma invenção
extraordinária que provocava surpresas e emoções. Provavelmente essa cinefilia
juvenil não era a mesma que os mesmos personagens teriam apenas alguns anos
depois, como críticos, cineastas e técnicos. Na minha geração, nos anos 60, por
exemplo, existiam muitos grupos de adolescentes que iam juntos – eram da mesma “turma”
– ao cinema e depois iam conversar sobre o filme em um barzinho ou em um outro
local habitual qualquer. Associar isso a uma ou mais biografias e, por isso,
chamar essa prática, um tanto singela, de cineclube, constitui um certo exagero
e um deslize teleológico. O empréstimo de categorias posteriores a situações do
passado é um dos equívocos mais frequentes em diversas reconstituições
históricas, e particularmente no cinema. Desde o século 19 a palavra clube era
frequente na linguagem corrente, e aplicada em vários contextos; já cineclube
provavelmente não fazia parte do léxico carioca daquela época: só teria se
vulgarizado, de certa forma, na segunda metade da década seguinte, justamente por
influência da cinefilia parisiense.
Em resumo, o Paredão merece a citação como
curiosidade, não como fato na história do cineclubismo. Reduzir a história do
cineclubismo a esse caso, pulando em seguida para o Chaplin Club (1928) e
depois, num salto ainda mais longo, para o Clube de Cinema de São Paulo (1940),
me parece evidentemente uma história mal contada. A falta de uma conceituação
mais clara do próprio conceito de cineclube permite produzir essas
“aproximações” meio voluntariosas. Acho mesmo que neste momento mesmo estamos
produzindo equívocos da mesma natureza aos borbotões, quando chamamos de
cineclube iniciativas pessoais, eventuais e até empresariais.
O Cinema Club de Sobral - 1912
A Biblioteca Nacional tem em seus arquivos um jornalzinho, em grande parte ilegível, chamado Cinema Club – Órgão do Cinema do Club dos Democratas. Do que pude ler na reprodução disponível no saite da Biblioteca, o Club dos Democratas seria uma associação de caráter “social”, que promovia festas, bailes, concursos com as jovens da sociedade, e exibição de filmes. O jornal fala de algumas programações de filmes, assim como dos concursos.
Foi em dois artigos e na dissertação de mestrado de Edilberto
Florêncio dos Santos (SANTOS, 2018) que encontrei mais e melhores informações a
respeito da “entidade mãe” – o Club dos Democratas – e sobre o contexto social
e cultural de Sobral à época. Através desses trabalhos se compreende que Sobral
passava por um processo de modernização e civilização: depois do domínio dos
grandes proprietários rurais, uma nova geração de comerciantes e profissionais
liberais – originários daqueles mesmos meios sociais – procurava valorizar a
cidade e a vida urbana. Através dos negócios, claro, mas também da cultura.
“As elites sobralenses do início do
século XX pretendiam-se civilizadas. [...] Daí a presença do teatro, do
gabinete de leitura e, sobretudo das festas, onde o refinamento era
indispensável. Nesse contexto, as regras de civilidade constituíam o coroamento
do projeto das elites, visando a aprendizagem de modos sofisticados observados
nas altas esferas das sociedades europeias.” (DA COSTA,
2011, apud SANTOS,Todos ao Theatro”: Vida
Teatral e Sociabilidade em Sobral-CE (1867-1927)
Os trabalhos de Florêncio dos Santos se baseiam em
três teatros – São João, Apollo e o dos Democratas - que encarnam exemplarmente
esse processo. E localizam, na mesma época, a importância e o uso do cinema
nesses lugares.
Destas transformações
os espaços teatrais foram partícipes, desempenhando papel de relevância nas
novas formas de viver a cidade e seus espaços constitutivos. Abertos,
permanentemente, às trocas e manifestações da coletividade, ao lazer (e aqui
incluo o lazer instrutivo), à criação e difusão artístico-cultural, à
representação social, à informação e formação... eles adquiriram grande
importância nas dimensões da vida social e cultural da cidade, constituindo-se
em sinônimos de urbanidade e modernidade. Ícones dos prazeres de uma cidade.
(BITTENCOURT, 1999, apud SANTOS, ibidem)
Santos proporciona uma visão bem mais próxima dessas
práticas culturais, altamente segmentadas. Isso nos dá uma imagem viva do
público, ou dos públicos segregados que compunham uma parte significativa da
sociedade sobralense:
“Nos theatros
dos centros adeantados, a platéa é destinada a gemma d’ouro da sociedade, é
mesmo o local mais caro do theatro; mas o que queres? Cada terra com o seu uso,
aqui quando se vê uma pessoa na platéa, começa-se a por em duvida a sua
situação social e financeira; o chick e a moda é alli na segunda galeria, onde
uns varõezinhos de emburana, atravessados de dois em dois metros, tomam o
pomposo titulo de camarotes. [...]Olha alli a primeira galeria, o único local
onde há assentos, pois bem aquelle que nos grandes theatros está classificado
em segundo lugar, aqui figura o “paraizo” e é destinado ao Zé povinho. (A
Lucta de 21 de julho de 1915, ibidem)
E ainda:
Na divulgação
de “programa” organizado pelo Club dos Democratas em sua sede, em comemoração à
eleição de Justiniano de Serpa a presidência do Ceará no ano de 1920, o jornal
admoesta os leitores: “seguir-se-a no theatro um grande baile, no qual poderão
tomar parte todas as pessoas decentemente trajadas, servindo as divisões do
theatro para separar a devida distância das classes sociaes” (A
Lucta, 26 de junho de 1920, ibidem).
“... as
anunciações encontradas na imprensa, das áreas de ingresso mais barato nas
casas de espetáculos como “poleiro” e “galinheiro”, de onde comumente se
atribui os maus comportamento e desvios das normas. (ibidem)
A arquitetura dos teatros reflete a evolução da
composição e da situação – no sentido de situar as pessoas no espaço da
casa de espetáculos – dos públicos, iniciada com o teatro elizabetano:
progressão cada vez mais definida da separação por classes sociais e do
isolamento entre elas[10].
Processo que se repetirá, de maneira própria, com os cinemas. Em outras
palavras, o Club dos Democratas – também um partido político, segundo Santos –
representa um segmento da classe dominante local que empreende essa campanha
civilizatória que, evidentemente, corresponde a seus interesses e preconceitos.
Sua relação com o cinema apresenta particularidades em
relação às outras salas de espetáculos da cidade. É a menor delas e, ao
contrário dos outros dois teatros do estudo, começou com cinema mesmo. Dos três
teatros, o do Club dos Democratas foi o menor e, relativamente, o menos
importante, ou menos lembrado, como também aponta Santos. Não fosse ele, seria
muito mais difícil decifrar o documento encontrado[11]
na Biblioteca Nacional:
“Em Sobral, o
cinema cedo se torna uma coqueluche entre as famílias abastadas, e logo começa
a ganhar espaços na cidade e competir com as atividades cênicas, ligadas a
música, a dança e ao teatro. Esse fenômeno amplamente ocorrido em todo o Brasil
ainda no fim do século XIX, também atinge o Theatro São João, que após receber
a visita de diversos cinematógrafos em suas dependências, abriga a primeira
projeção realizada na cidade no ano de 1908 com o ‘cinematográfo Pathé Frères’.
O Club dos Democratas buscando atender a esse uso misto faz exatamente o
caminho contrário, adaptando seu espaço de projeção para atender também aos
usos de uma pequena casa de espetáculos ou ‘theatrinho’, termo usual à época.
Deste feito, na edição do dia 15 de junho do ano de 1913 o periódico O Nortista
em nota intitulada ‘Club dos Democratas’ indicava os preparativos para a
construção de um palco a ser ‘erigido no salão de projeções do cinema’”. (Teatro,
Sociabilidades e Costumes: Palco e Plateia das Casas de Espetáculos de
Sobral-CE (1867-1927)
Em seu outro trabalho, Santos traz mais considerações
importantes:
“A
adaptação das casas de espetáculos para a realização de exibições de filmes por
meio do cinematógrafo e a vulgarização do acesso a este tipo de divertimento
através da diminuição do custo dos ingressos, terminam por exacerbar as brechas
e resistência ao discurso civilizador, mostrando os conflitos de classe dentro
do espaço físico dos Cines-theatro, evidenciada pela separação do público
dentro do recinto, chegando muitas vezes a confrontos físicos.
Nos jornais do
início do XX é convencional encontrar crônicas reclamando as transgressões ‘às
leis da boa civilização’ e alertando a necessidade de extinção de ‘hábitos
poucos recomendáveis numa cidade civilizada’, como os de cuspir no chão, fumar
durante as sessões de cinema ou apresentações de teatro, e jogar pontas de
cigarros sobre os outros níveis de assentos. Estes conflitos são
característicos de tal maneira que um articulista do jornal Correio da Semana
chega a sugerir a restrição de acesso ao Cine-theatro por parte da ‘caboclada
maltrapilha, suja, que passa todo o tempo fumando e cuspindo, transgredindo as
leis de boa civilização’. (Correio da
Semana, 11 de outubro de 1918)” (“Todos ao Theatro”: Vida Teatral e Sociabilidade em
Sobral-CE (1867-1927)
Ainda outra informação importante, esta recolhida da
sua dissertação, é que o Teatro dos Democratas também teve um grupo amador de
teatro, formado pelos “jovens democratas”. É mais um indício do funcionamento
de uma atividade associativa produtiva dentro das iniciativas do Club, que
mantinha também uma biblioteca. Não é possível saber, até aqui, se o Cinema
Club era uma atividade mais coletiva, mas há a informação do envolvimento de
associados, inclusive eleitos, em atividades do Club dos Democratas. Parece
certo que o Cinema Club era parte de uma associação, que provavelmente não
distribuía seus resultados financeiros aos sócios e propiciava acesso ao
cinema, provavelmente dentro dos limites ideológicos do seu tempo e,
principalmente, da sua classe social.
É curioso que esse cineclube, ou Cinema Club, bem
burguês – ao modo brasileiro, ligado às oligarquias rurais (os Democratas são
sucessores dos Liberais, como informa também a dissertação de Santos) - seja
contemporâneo dos primeiros cineclubes operários surgidos na Europa e Estados
Unidos (Cinema dos Trabalhadores, 1911, Los Angeles, ou o Cinema do Povo,
Paris, 1913, entre outros).
“O Club dos
Democratas tem sua sede inaugurada no dia 16 de junho de 1910, tendo seus
quadros formados por famílias ligadas ao antigo Partido Liberal que tinha à
frente desde o Império a linhagem do Senador Paula Pessoa. Assim, a sede do
Club se instala na antiga Rua da Vitória, em imóvel pertencente à família do
“senador dos bois”, como era conhecido o patriarca da família. Segundo Da Costa,
assim como no Grêmio Recreativo, os Democratas realizavam um baile mensalmente,
tendo à sua frente uma comissão organizadora composta por membros da
associação eleitos especialmente para este fim. (o
grifo é meu)
Ainda segundo
Da Costa, entre os anos de 1912 e 1913 o Club dos Democratas cria em suas
dependências um cinema, o primeiro da cidade, uma biblioteca e um pequeno
jornal o “Cinema Club”, hoje inacessível, que inicialmente deveria divulgar a
programação dos filmes projetados pela associação, mas termina se voltando aos
relatos da “vida mundana das elites sobralenses”. (Entre
Melodramas e Comédias Ligeiras: Vida Teatral, Sociabilidade e Costumes em
Sobral-CE (1867-1927)
Sem conhecermos outras informações sobre o Cinema
Club, parece certo, no entanto, que ele não teria sobrevivido à entidade mãe,
ou mesmo à existência do local das exibições. É Santos, ainda, quem nos relata
uma parte fundamental do final desta história:
O “Theatro dos
Democratas” parece ter existido até 1915, ano em que o prédio que sediava o
Club foi comprado pela Diocese de Sobral para abrigar o Palácio Episcopal,
ocupado pelo primeiro bispo da cidade, D. José Tupinambá da Frota. No ano de
1918 ocorre a construção de uma nova sede, na qual já não se encontram
referências a existência de palco ou tablado destinado às atividades teatrais.
Por fim, os registros dão conta de que, em 1926 o Club Democratas é extinto
definitivamente.
No estágio atual de nossos conhecimentos sobre o
cineclubismo, há fortes indícios de que este Cinema Club, de exatos 110 anos
atrás, possa ser considerado o primeiro cineclube brasileiro. Esse “cinema”
certamente não era comercial, nem era de uma empresa particular. Não é possível
comprovar totalmente seu caráter coletivo, mas a iniciativa está imersa numa
instituição associativa que costumava organizar comissões eleitas de associados
para cuidar de suas diversas atividades. Os dados não são completos, mas
certamente são bem mais consistentes que tudo que tem sido estudado até hoje. E
mais, o Cinema Club é mais uma evidência de que a ideia da invenção do termo
cineclube só iria ocorrer na década seguinte é, de fato, uma grande falácia.
Florêncio dos Santos mirou no teatro, mas acertou no
cineclube. Na verdade, pesquisar, interpretar, reconstituir a história do
cineclubismo consiste exatamente em “ler” a história do cinema como fenômenos e
processos sociais, encontrando o nexo entre os públicos e os contextos. A
literatura e os autores que pesquisam o cinema, mesmo sob seus aspectos
sociais, praticamente nunca tratam nem se interessam diretamente pelos
cineclubes; há que “deduzi-los”. A argumentação e a bibliografia deste texto
exemplificam bem isso, creio.
Escavando
as origens: o público, as organizações de trabalhadores
e da
Igreja Católica
Em 2016 saiu no Quebec um livro em grande parte baseado num “atelier” internacional sobre as relações entre oralidade e cinema[12]. A questão da oralidade é fundamental para a pesquisa da história do cineclubismo. As manifestações dos mais diversos públicos, desde o teatro grego da Antiguidade, passando pelo teatro elizabetano e pelas ruidosas salas dos nickelodeons e outros espaços dos primeiros tempos do cinema, sempre marcaram formas de participação civil e política. O debate, que se confunde ou que identifica, em boa medida, a atividade cineclubista, é um descendente direto dessas manifestações. Meu trabalho naquele encontro - e o capítulo do livro – foi Nascimento dos cineclubes no Brasil: o papel da oralidade no desenvolvimento das formas de organização do público (MACEDO, 2016). Na sequência, apelo bastante àquele meu texto[13] para indicar pistas para uma Arqueologia do Cineclubismo no Brasil, baseada na concepção de que essas entidades constituem iniciativas - que eventualmente se transformam em organizações - com origem nos públicos em que se desenvolvem. Outro elemento fundamental que se deve levar em consideração é que as primeiras iniciativas, como manifestações do público, assim como as primeiras formas de organização – que em outros textos chamei de protocineclubes – e até mesmo um ou os primeiros cineclubes que se possa eventualmente encontrar, não devem ser examinados sob uma lente de cinefilia, um fenômeno francês e que só surge nos anos 20. De fato, como veremos mais adiante, essa ótica exclui, e excluiu concretamente, alguns cineclubes da nossa “história”[14].
Existem inúmeros trabalhos, muitos livros, sobre a
classe operária brasileira na virada e início do século 20. Também existe um
bom número de pesquisas publicadas sobre o início do cinema no Brasil. O que é
muito raro é a junção desses dois elementos. Mais ainda, até onde conheço, não
há um estudo abrangente sobre o(s) público(s) dos primeiros anos do cinema.
Embora o fenômeno cinematográfico, como muitos autores já destacaram, tenha uma
origem mais ou menos dispersa e concomitante em vários países, e o Brasil, isto
é, a capital do País e alguns centros principais, tenha conhecido muito cedo a
nova invenção, não há muita informação sobre a constituição de seus primeiros
públicos. Teria havido aqui o mesmo fenômeno de massas, o público de migrantes,
imigrantes e trabalhadores que marcou a segunda década da “invenção” nos países
centrais[15]?
O cinema começou a chegar no Brasil[16] -
pensando em sua exibição para um público, a primeira manifestação do fenômeno
em nossa terra - poucos meses depois da famosa sessão do Grand Café de Paris. Isso
também foi uns poucos anos depois da lei que “abolia” a escravidão. Quem era,
então, o público brasileiro de cinema? Mesmo depois que a eletrificação das
grandes cidades, a partir de 1907, permitiu a ampliação do número de salas, que
também coincide mais ou menos com o estabelecimento dos primeiros cinemas em
outros centros, que classes sociais tinham acesso e realmente frequentavam esses
cinemas?
O Brasil não é um país central. A divisão de classes e
seus papéis históricos são bastante diferentes. Isso deve ser levado em conta
ao buscarmos compreender a formação do(s) público(s) em nosso País. E a
apropriação que as classes sociais foram capazes de realizar, ou de propor, em
relação ao cinema. Penso que os setores mais afluentes da sociedade compuseram
a maior parte do público nesse período. Identificavam-se, sem maiores
contradições, com os propósitos de “entretenimento” e alienação da própria
indústria do cinema. Mesmo a classe operária era uma espécie de elite comparada
com outros segmentos populares, majoritários e em piores condições sociais
(FERNANDES, 1975a e 1975b). Também era, em sua maior parte, estrangeira: italiana,
espanhola, portuguesa e japonesa, principalmente. Ao mesmo tempo, também me
parece que era esse segmento o mais avançado da grande massa popular, e o único
que tinha condições de reconhecer e se contrapor àquele tipo de cinema que
estava se consolidando. Essa parte do povo era realmente cosmopolita e
reproduzia bastante as condições da classe trabalhadora – no entanto muito
maior e mais expressiva – dos países mais “adiantados”.
O caso do Cinema Club de Sobral que já vimos, mostra a
ligação daquele cineclube (categoria sujeita a debate) com o processo econômico
e social de afirmação de uma classe social de expressão mais ou menos local –
esse processo de urbanização e modernização dos donos de terras. Creio que o
próprio cinema, como fenômeno e símbolo dessa modernidade constituirá indício
para a pesquisa de possíveis cineclubes nas capitais e cidades maiores de
estados mais afastados dos centros econômicos do Rio de Janeiro e São Paulo,
principalmente. De fato, a classe operária também se concentrava bastante
nesses centros – e na cidade de Santos (SP), por condições especiais. Creio que
esse impulso civilizatório tenderia a se esgotar à medida que se impunha a
modernidade mais concreta da produção capitalista dependente. Em outras
palavras, tal como os teatros e eventualmente cinemas de ciclos econômicos
regionais tenderam a desaparecer, ou a perder seu papel inovador, os segmentos
sociais hegemônicos localmente que lhes deram origem foram absorvidos no grande
acordo de classes agrário-industrial – como sempre sem mudanças fundamentais – que
se torna dominante a partir dos anos 30.
A única classe que, mesmo quase sempre derrotada até
agora, não perde nunca seu potencial papel histórico de superar o sistema, é a
classe trabalhadora, cuja vanguarda, o segmento mais organizado e com maior
consciência de seu lugar na sociedade e na história era, naqueles primeiros
anos do cinema, a classe operária, o trabalhador fabril. Nesse ambiente
surgiram – nos países centrais - os primeiros cineclubes: salas de
trabalhadores, do povo, das mulheres, buscando seu protagonismo histórico na
sua própria organização, educação e na proposição de um novo cinema.
Minhas pesquisas sobre cineclubes operários no início
do século 20 no Brasil são raquíticas. Quando quis me ocupar disso já não
conseguia condições financeiras para retornar e fazer pesquisas. Outras
dificuldades estão referidas na nota 4 deste artigo. Mas mesmo os poucos elementos
que levantei dão muitas pistas para outras investigações. Nos últimos anos,
cresceu muito o número de trabalhos acadêmicos sobre o cineclubismo, mas eles
se concentram mais nas questões do uso do cinema no ensino, no relato e
avaliação de casos e, quanto à história, cuidam mais de tempos recentes, que
raramente recuam além das 3 últimas décadas do século passado. Por isso, acho e
espero que estas pistas possam sugerir e motivar outras pesquisas.
Se a vanguarda dos setores populares brasileiros era a
classe operária, suas grandes lideranças, nos primeiros anos do cinema, eram
majoritariamente anarquistas. Para estes, trabalhadores e trabalhadoras deviam
formar-se como parte de uma outra sociedade, sem exploração. Essa formação,
essencialmente política, não se separava, não diferia, antes era concomitante,
à formação moral e cultural. Os anarquistas brasileiros se notabilizaram pelo
grande número de jornais militantes que criaram, mas também por várias formas
de organização educativa e cultural – muitas vezes ligadas a esses jornais –
como círculos de leitura, centros de estudos, ateneus e mesmo escolas. Também
há várias referências a grupos e a apresentações de teatro, mas são em menor
número – embora existam – as que identificam o uso de filmes ou qualquer forma
de organização mais sistemática com eles.
Penso que isso é devido ao fato já apontado de que
raramente os estudos sobre os anarquistas se encontram com as pesquisas do
início do cinema. Cristina Figueira (2003) talvez seja a primeira a fazer
claramente essa aproximação. Como Florêncio Santos, ela não está pensando em
cineclube exatamente, mas valoriza as práticas educativas e políticas com
cinema e, em sua pesquisa, revelou a grande ressonância que teve o Cinema do
Povo francês por aqui.
O movimento anarquista, através de seus jornais e de
uma ampla rede de colaboradores em muitos países, sempre esteve bem informado e
crítico com relação ao cinema. Dava uma importância central à formação dos
anarquistas, conceito que compreendia uma educação transformadora e moderna,
com o uso de várias práticas e linguagens. O nível de organização das
iniciativas educativas e culturais anarquistas era bastante sofisticado: foi
nesse ambiente que surgiram os primeiros cineclubes (nos EUA e na Europa, junto
com socialistas, feministas e outros movimentos). No Brasil teria sido
diferente?
“As
‘Escolas Modernas’, criadas a partir dos princípios de Francisco Ferrer Guardia
(educador anarquista fuzilado em 1909, sobre o qual o cineclube Cinema do Povo
teria também produzido um filme) existiram um pouco por toda parte no Brasil:
Escola Eliseu Reclus, em Porto Alegre (1906), Escola Germinal, em Fortaleza, CE
(1906), Escola da União Operária de Franca, SP (1906), Escola da Liga Operária
de Sorocaba, SP (1906), Escola Livre da União Operária de Campinas, SP (1908),
Escola Operária 1º. de Maio, Rio de Janeiro (1912), Escola Moderna de
Petrópolis, RJ (1913) e as Escolas Modernas no. 1 e 2, em São Paulo (1912).
Além disso, os grupos anarquistas se organizavam em clubes, ligas, ateneus,
centros de estudos, geralmente ligados a jornais, onde a cultura, incluindo o
cinema, eram assuntos frequentes. Há estudos preliminares sobre o uso do cinema
nessas práticas políticas e educativas a partir dos jornais proletários e anarquistas” (MACEDO, 2016[17]).
Francisco Food Hardman, em seu hoje clássico Nem
Pátria nem Patrão, traz indicações de atividades com cinema nos meios
anarquistas (1984). Ele também menciona o uso do cinema nos preparativos da
grande greve de 1917. Hardman mostra, contudo, que há muito mais dados sobre
atividades teatrais, consideradas de grande importância na formação anarquista
(p. 89). Minhas próprias pesquisas também deixam entrever essa relativa
“desimportância” do cinema. Só pesquisas mais sistemáticas podem resolver essa
questão. Zélia Gattai (1998), num registro bem mais informal, tem um capítulo
muito agradável sobre o “Cinema Mudo”, em que conta um pouco as experiências
com cinema numa família de anarquistas na segunda década do século 20.
Mas foi Cristina Figueira quem primeiro encontrou
diversas referências ao Cinema do Povo francês em publicações anarquistas
brasileiras. A mais importante, como pista especificamente cineclubista, é a
nota publicada na edição de 8 de maio de 1914, no jornal A Lanterna:
“Para tentar fundar uma
sociedade cujo objetivo será a propaganda social por intermédio do cinema,
realizar-se-á uma reunião na próxima segunda-feira, dia 11 do corrente mês, às
11hs, no salão da Lega della Democrazia, Rua Bonifácio 39, 12º. andar.
Agradecemos a presença de todos os interessados.” (A Lanterna, n. 242, 8 de maio, 1914, p. 3). Infelizmente não
conseguimos encontrar confirmação da realização dessa reunião nem da fundação
de um Cinema do Povo brasileiro. (MACEDO, op. cit.)
E por que falo em Cinema do Povo brasileiro? É que
este chamado para a criação de uma “sociedade de cinema” seguia e era
provavelmente consequência de vários textos de Neno Vasco[18]
publicados n’A Lanterna e outras publicações operárias no mesmo ano. Na
época exilado em Lisboa, Vasco mandava regularmente contribuições para jornais
anarquistas, inclusive com reflexões sobre a importância do cinema. Desde a
fundação do Cinema do Povo de Paris, também transmitiu algumas notícias sobre a
iniciativa. Figueira reproduz uma matéria publicada um mês depois desse
chamamento que vale reproduzir, sobretudo porque mostra a importância que os
jornais (Figueira diz que a nota saiu em outros periódicos) anarquistas deram
ao assunto:
“Uma empresa que urge apoiar: o Cinema do Povo
Da Comissão
administrativa do "Cinema du Peuple", de Paris recebemos a seguinte
comunicação, que com prazer publicamos: Há alguns meses, quando o "Cinema
do Povo" anunciou seu nascimento ao público, foi um só clamor: "mais
uma iniciativa que nasce morta"! Os militantes estão, com efeito, fartos
de ver dessas tentativas que abortam lamentavelmente. Para que a verdade
secundar uma tentativa que sabemos votada ao malogro? Aqui está, porém um
esforço que parece desmentir os prognósticos dos maus agoireiros. O "Cinema
do Povo", fundado há uns oito meses, ainda vive! Melhor: pretende
desenvolver-se!...Dado á luz a 28 de outubro de 1913, com um capital de 1.000
francos, acaba a assembléia geral de 17 de maio pp.de elevar o capital social a
30.000 francos, emitindo 600 acções de 50 francos cada uma. Sabeis o que fez o
"Cinema do Povo" com esse início modesto e insignificantes recursos?
Fez o seguinte: Primeiro, as Misérias das agulhas, comovente
drama em que há uma mulher em luta com as dificuldades da vida e que só se
salva graças a acção solidária dos trabalhadores. - Depois, A Comuna, de 18
a 28 de março de 1871, fita exibida com exito que se sabe no Palacio das
Festas, em fins de março último. Por fim, o Velho trabalhador das docas
e Vitima das exploradas (sic) dois dramas pungentíssimos em que se vê
desfilar no pano uma página dolorosa da vida dos dois trabalhadores. O
"Cinema do Povo" cinematografou os funerais de Pressensé. Nenhum só
cinematografo burguez mandou um operador reproduzir o enterro dum grande
socialista e homem de bem. Desde a sua fundação, editou o "Cinema do
Povo" 4.895 metros de positivas. Tem correspondentes na Belgica, na
Holanda, no Luxemburgo, na Itália, na América do Norte e em Havana. É uma obra
que tende a tornar-se internacional. Temos scenários prontos para serem
cinematografados. - Francisco Ferrer!...Este titulo fará reviver a bela
vida de Ferrer e a sombria tragedia de Montjuich. O fundador da Escola Moderna
de Barcelona será glorificado pela tela cinematografica, para que as gerações
se lembrem do fuzilado pela intolerância religiosa. - Biribi - é o caso
Aernoult-Rousset, reconstituido. Um drama comovente e verídico, projectado no
écran; um drama ante o qual vibrará o povo do trabalho á vista das torturas
infligidas a um homem da sua classe. A Comuna. - de 28 de março á semana
sangrenta será o terceiro film que o "Cinema do Povo" tensiona
editar no decorrer deste verão. Isso não se faz sem dinheiro. A assembléia
geral, em sua reunião de 17 de maio, resolveu lançar "Bilhetes de
empréstimos"de 5 francos, reembolsáveis por meio de sorteio a partir de
julho de 1915. O Conselho administrativo, que recebeu o mandato de continuar a
editar daquelas fitas, para dar ao publico no começo do outono, crê que será
ouvido o seu apêlo. Os bilhetes de empréstimo vão ser bravamente expedidos aos
grupos de vanguarda e a algumas personalidades que simpatizam com a obra
educativa do "Cinema do Povo". O Conselho roga ás organizações e aos
cidadão que façam todo o possível para adquirir a sua propria conta ou por
conta de pessoas das suas relações esses bilhetes de emprestimo. E fazer boa
propaganda e contribuir para que um cinematografo popular prosiga na sua obra
salutar. Ajude-se o "Cinema do Povo" a ser o contraveneno dos
cinematografos indecentes, que realizam por toda a parte, tanto nas cidade como
nas vilas e aldeias, por meio de fitas amiude malsãs, uma propaganda de
embrutecimento da classe operária e camponesa.” (A Lanterna, n.248,
p.1, 20 de julho 1914 – apud FIGUEIRA, 2003).
Infelizmente, nessa data o Cinema
do Povo já havia acabado, vítima das hostilidades da Primeira Guerra Mundial.
Talvez seja igualmente necessário esclarecer que o cineclube francês era
organizado sob a forma de cooperativa, mas seus estatutos só permitiam o voto
por associado, não importando o número de ações eventualmente subscritas por
cada um (MUNDIM, 2016).
A Igreja
Do outro lado dessas iniciativas anarquistas, no
Brasil, estavam as da Igreja Católica. Essa briga vem de longe, desde a
Revolução Francesa, que acabou com o monopólio da Igreja sobre a educação.
Desde então ela continua com suas atividades, e disputando esse espaço, nos
anos em que o cinema surgia, com os trabalhadores organizados, principalmente
com os anarquistas.
“Um outro ambiente onde havia essas práticas foi o das
atividades empreendidas pela Igreja, na mesma lógica, mas com uma finalidade
inversa: um dos traços mais constantes das práticas anarquistas é o
anticlericalismo, enquanto que o anarquismo, sob todas as suas formas, é
vivamente combatido pela igreja católica. De fato, a Igreja no Brasil muito
cedo se interessou pelo cinema, compreendido como um campo importante que os
católicos deviam esforçar-se por moralizar, em particular contra os ateus, os
socialistas, os anarquistas e todos que os ajudavam. Como disse Pedro Sinzig,
franciscano do Centro da Boa Imprensa (êmulo do Centre de la Bonne Presse
fancês), que publica, desde 1907, a revista Vozes de Petrópolis:
‘Imaginem que, em tempo de greve, um
cinema frequentado pelo mundo operário, apresente cenas de greve, de sabotage,
de provocações, de excessos... ou que, quando tensas as relações de dois
estados se mostrem filmes que deverão provocar manifestações políticas.’ (O
César Moderno, Vozes de Petrópolis, julho a dezembro de 1911) (MACEDO, op.
cit. apud ALMEIDA, 2011)
Além das
ações para promover e aplicar uma censura inspirada pelos princípios cristãos,
o esforço de moralização supunha um envolvimento com as práticas
cinematográficas, sobretudo a recepção – e interpretação – das obras. Em 1912,
esse mesmo padre franciscano, sob o pseudônimo de Francisco de Lins, apresentou
aos leitores um Guia para Cinemas, com 72 títulos “dignos de
recomendação”, para ajudar na seleção de filmes para as salas de cinema,
escolas e outras instituições religiosas. Pode-se concluir, portanto, que o uso
do cinema nos espaços controlados pela Igreja já era uma realidade.
Vozes de Petrópolis menciona, naquele mesmo ano, a existência de várias salas de cinema ligadas à Igreja: Centro Popular Católico (Petrópolis), Cinema Modelo (Belo Horizonte), Cinema Católico (Recife)[19]. Na metade do ano de 1918, é anunciado o início da Censura Prévia pelo Centro da Boa Imprensa[20].
O Cineclube de São Paulo - os clubes de cinema
Na historiografia do cinema – e do cineclubismo em
escala ainda maior – existem hiatos, esquecimentos: figuras e elementos da
história que desaparecem, ficam esquecidos às vezes por anos. Por exemplo, o bonimenteur
em francês, lecturer em inglês, benshi no Japão, que sequer tem
uma palavra bem estabelecida em português – explicador? – para definir a
figura. Aquela pessoa – ou pessoas – que explicava, comentava, interpretava,
traduzia os filmes silenciosos. Elas existiram, contudo, em praticamente todo o
mundo, às vezes de formas bem particulares a um país ou cultura, outras vezes bem
importante, central mesmo no período do cinema silencioso. No entanto, foram
como que esquecidos praticamente até a publicação do livro de Lacasse (2000).
Na história do cineclubismo – e mais uma vez eu acho
que isso se deve, ao menos em grande parte, à invenção da cinefilia culta e ao
efeito ideológico do cineclube de tipo cinéfilo – diversas formas autônomas de
organização do público para a apropriação do cinema se destacaram da trajetória
percebida do cineclubismo, formando uma espécie de outra linhagem, ou foram mesmo
esquecidas. Prevalece um tipo de senso comum simplificador: cineclube é o que
tem esse nome. Às vezes nem esses são admitidos no clube da cinefilia.
O filme 35 mm usado para as projeções no início do
século passado era de nitrato de celulose, altamente inflamável, o que obrigava
ao trato do cinema por pessoas treinadas. Para que ele pudesse ter um uso mais
seguro, o que permitiria seu uso numa escala muito maior, a doméstica, era
preciso que o filme mudasse de suporte. Em 1922, a Pathé, grande empresa
francesa, lançou um filme dito safety, de acetato ao invés de nitrato,
um novo formato de película, e os correspondentes aparelhos de filmagem e
projeção: o Pathé Baby, com 9,5 mm. No ano seguinte, a Kodak passou a
comercializar o 16 mm, voltado para o mesmo mercado. Uma imensa campanha de
publicidade, em todo o mundo, acompanhou esses lançamentos, procurando
estabelecer seus limites dentro da esfera familiar, como analisa muito bem
Wasson (2020).
No entanto, como é óbvio, os novos formatos, mais
práticos, seguros e baratos, logo foram adotados por várias organizações. Como
todos sabem, o 16 mm foi por muitos anos a bitola principal dos cineclubes. Mas
foi mais que isso, já que facilitava também a realização. Volto a lembrar que a
entronização do cineclube cinéfilo levou a uma suposta especialização dos
cineclubes exclusivamente na recepção dos filmes. Mas, assim como as
propagandas da Pathé e da Kodak não funcionaram tão bem, e aliás no mesmo
sentido, clubes começaram a se organizar com os pequenos formatos não apenas
para ver filmes, mas também para os realizar. Nos EUA isso foi um fenômeno
importantíssimo, com organizações representativas, festivais, publicações. Em
alguns outros países também tiveram sua importância. No Brasil, pelo que
sabemos, esses cineclubes – que muitos queriam chamar de clubes de cinema,
um sinônimo, para distinguir dos “verdadeiros” cineclubes – também existiram.
Na Itália aconteceu um fenômeno semelhante, só que lá cineclubes eram os
que produziam, e círculos de cinema os que apenas assistiam. A revista Cinearte
manteve uma seção dedicada ao cinema amador, tratado mais como um espaço de
aprendizado técnico, mas com eventuais referências a associações ou clubes que
também se dedicavam ao cinema amador. Há bons trabalhos a respeito, como os de
FOSTER (2013, 2015).
Como já disse, penso que para procurar, interpretar e
reconstituir a história do cineclubismo é preciso trabalhar com um conceito
definido de cineclube. Para mim, isso se explicita como organização
associativa do público, sem fins lucrativos, visando a apropriação do
cinema (ou, hoje, das mídias audiovisuais). Já escrevei bastante sobre essa
definição, o que não caberia neste artigo (MACEDO, 2021).
Rudá de Andrade, na já citada Cronologia da Cultura
Cinematográfica, é bem conciso ao tratar do Cineclube de São Paulo, de 1925
– e um tanto opinioso: “1925 – O nome ‘Cine Club’ é utilizado por Jayme
Redondo. Trata-se de um clube de jogo, com exibições cinematográficas para
atrair jogadores. O resultado é a produção de dois filmes: Passei minha vida num
sonho e Fogo de Palha.” (op. cit., p. 6). O mesmo ponto de vista, isto é,
de que não se tratava de um cineclube por estar em ou fazer parte de um clube
de jogos, é exposto de forma bem mais extensa por César Augusto de Carvalho,
que também já citamos. Ele traz um resumo (p. 94-96) bastante completo e
interessante da biografia de Jayme Redondo, com citações da revista Cinearte
e outras fontes. O verbete do André Gatti também, na mesma linha, faz apenas uma
breve menção ao caso. Jurandyr Noronha, no entanto, descreve o Cineclube de São
Paulo como “um agrupamento de cinéfilos encabeçado por Jayme Redondo, os
quais, com a fundação do Cineclube de São Paulo, pretendiam chegar à prática, o
que efetivamente aconteceu com a realização de dois longas-metragens...”
(NORONHA, 2008, p. 141-142). Vale, ainda, lembrar que o número 24 de Cinearte
traz uma série de fotos da sede ocupada pelo Cine Clube de São Paulo: sala de
administração, sala de leitura, duas fotos da sala de projeção e até uma do
salão de chá. Depois que os cineclubes incorporaram barzinhos, ou passaram a
atuar em barzinhos privados, entre outras atividades, ninguém mais se ofende
com essa amálgama cultural. Nos anos de ouro da cinefilia, entretanto, quando
Rudá deu o mote, cineclube tinha que ser mais puro. Na maior parte dos
trabalhos que mencionam a trajetória histórica do cineclubismo, então, o Cine
Clube[21]
de São Paulo despareceu.
Mas uma sumária busca revela outros esquecimentos
situados no grande hiato entre as icônicas datas de 1928 (Chaplin Club) e 1940/1946
(Clube de Cinema de São Paulo). A primeira delas é uma breve nota, em 1933: “Acaba
de ser fundado no Rio o ‘Cine Club do Brasil’, uma nova associação que se
dispõe a cumprir um lindo programa tendo como finalidade o prestígio do Cinema
e como lema o estímulo e o incentivo pelo Cinema Brasileiro.” Rudá, ainda
que sem indicar suas fontes, revela (1962, p. 8) que ficou claro que “a
intenção do interessado inicial (?) era vender uma chácara para sede social que
devia ser excelente e com piscina”. Estranha informação... De qualquer
forma, parece que a coisa realmente não prosperou. Por outro lado, a referência
também indica que a ideia de cineclube esteve sempre presente, assim como o
termo cineclube e suas variações. Em 1939, mais uma vez em Cinearte,
aparece uma matéria bem mais circunstanciada - com foto da equipe, nomes de
vários associados e endereço (Rua São Francisco da Califórnia, no. 47) a
contatar - do Cine-Fan Club de Porto Alegre. Além de já ter produzido um “filme
amador”, o Cine-Fan pretendia desenvolver o movimento associativo de cinema
amador no Brasil, “pois os clubes de amadores de cinema, nos Estados Unidos,
contam-se às dezenas”. Ainda em 1939, foi fundado o Foto Clube Bandeirante[22],
em São Paulo, que se distinguia pelo interesse pela fotografia, claro, mas era
presidido pelo também cineasta Benedito Junqueira Duarte.
O trabalho do Rudá é uma referência inicial, mas
indispensável, para a pesquisa sobre o cineclubismo. Não se pode ignorar que
ele reconhece e promove o papel do cineclubismo na cultura cinematográfica
brasileira, o que não é muito comum. O opúsculo, com apenas 25 páginas de texto
(fora índices), cobrindo o período 1910 – 1959, cita cerca de 100 cineclubes e
entidades cineclubistas, a maioria criada entre 1946 e o fim do período. Ele
indica a fundação do Clube de Cinema de São Paulo[23]em
agosto de 1940, terminando essa primeira fase no ano seguinte, perseguido pela
polícia política. O Clube de Cinema voltaria à ativa em 1946. Mais uma vez
estabelece-se o hiato: nada teria acontecido nesses 5 anos. No entanto, a
revista Scena Muda traz a notícia da criação do Club de Fans Cinematográficos,
no Rio de Janeiro, na Avenida Rio Branco 181, 4º. Andar, sala 404, voltada para
“o desenvolvimento cultural e artístico nos sectores do Cinema, do Rádio e
do Theatro”. Esse cineclube tem uma extensa folha corrida. E vale lembrar
que, ainda em 1945, o Foto Clube mudou os estatutos e passou a chamar-se Foto
Cine Clube Bandeirante, iniciando atividades importantes nesse novo campo, com
o nome que mantém até hoje.
À guisa de conclusão
A finalidade deste artigo é menos a de contestar qualquer
trabalho que aborde a história do cineclubismo brasileiro – contribuições que
valorizo muito – mas, principalmente, de sugerir que as totalidades construídas
até hoje, mais por omissões, vácuos e descuidos, não correspondem à realidade
histórica. Para mim parece bem evidente que não são possíveis os hiatos entre o
surgimento do cinema e seus públicos e um primeiro cineclube apenas em 1928;
deste acontecimento até 1940, e que só depois de 1945 começaram a realmente
proliferar cineclubes no Brasil.
Outra evidência, penso, é que essa hipotética linha do
tempo do cineclubismo esteja eivada de subjetivismos, de opiniões, de ideologia
enfim. Assim se fabricou um Cineclube do Paredão; ao mesmo tempo, refugou-se
tudo aquilo que não chamava cineclube (pelo menos até a contra-evidência do
Clube de Cinema de São Paulo, em 1941), de cuja existência há mais que pistas,
há fontes - até na imprensa mais conhecida pela historiografia brasileira do
cinema.
Minha convicção é de que o cineclubismo é um conjunto
de práticas criadas pelo público junto, concomitantemente, com o início do
cinema. Como o cinema, essas práticas se desenvolveram e, na virada para a
segunda década do século 20, começaram a encontrar formas estruturadas,
permanentes, institucionalizadas. Ou seja, os cineclubes. E ainda que
pesem nossas particularidades culturais, nosso subdesenvolvimento estrutural, é
mais do que provável que as experiências, principalmente dos trabalhadores, dos
países centrais, puderam encontrar similitudes também em nosso meio. Tudo
aponta para a necessidade de pesquisas nesse campo e nesse período.
Somente ao redigir este artigo organizei melhor minha
reflexão sobre os dados que reuni, não há muito, sobre o Cinema Club de Sobral.
À medida que fui desenvolvendo a argumentação foi me parecendo que tinha diante
de mim realmente um cineclube. Um cineclube ligado ao ambiente burguês da
cidade cearense, mas que, um pouco como os cineclubes dos anos 50 – e nisso
estou pensando na categoria de culturas emergentes de Raymond Williams (2005,
p. 56-59) – se estabeleceu numa onda de modernização conservadora produzida
pela afirmação da hegemonia daquele segmento das classes dominantes. Além da
primazia, entre as organizações de existência comprovada[24],
no uso do nome – ou a variação: cineclube/clube de cinema – esse cineclube
seria até mesmo anterior ao Cinema do Povo, que já foi adotado pela FICC como o
simbólico “primeiro cineclube”. É verdade que este último tem uma documentação
completa, enquanto que não sabemos realmente em que medida o cinema sobralense
tinha uma organização associativa. Também é verdade que ele seria, no mínimo,
uma espécie de departamento, de setor de uma associação claramente constituída.
Quando propus o Cinema do Povo como “o primeiro cineclube” (MACEDO, 2010) já
estava bem consciente de que a efeméride seria um sinal de afirmação política e
de identidade do cineclubismo – marcando seu centenário – mas que, como
cineclubes do mesmo tipo surgiam um pouco por todo lado (ROSS, 1998), à época,
sempre pensei que alguém poderia encontrar algo bem documentado e, talvez, um
pouco anterior.
Mas meu objetivo maior com este texto é provocar a
curiosidade e o interesse de cineclubistas e pesquisadores, e estimular a
pesquisa sobre o cineclubismo e sua história, nas suas primeiras origens – que
podem ir até o uso de lanternas mágicas nas primeiras organizações de
trabalhadores, ainda no século 19 – e nesses grandes hiatos que poucos chegam a
questionar.
Montreal, maio de 2022, ano III da Pandemia.
Referências:
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Arquivo
Edgard Leuenroth
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Nacional
Biblioteca
Municipal de São Paulo
Domitor
- Associação Internacional de Pesquisa sobre o Cinema dos Primeiros Tempos
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Cinearte
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Club – Órgão do Cinema do Club dos Democratas
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Cineclubes (FICC) adotou, em 2013, em assembleia bastante concorrida realizada
em Túnis, o Cinema do Povo (Paris, 1913) como o primeiro cineclube bem
documentado de nossa história. Mais recentemente, a Federação Portuguesa de
Cineclubes preferiu reconhecer Edmond Benoit-Levy, de 1907, como criador da
primeira entidade cineclubista. Essa última interpretação também é adotada no
verbete cineclube da Wikipedia em sua versão em francês (Na enciclopédia online,
praticamente cada idioma apresenta uma compreensão diferente de cineclube). Meu
texto discute as bases factuais, históricas e as posturas políticas que
representam tais decisões: O primeiro cineclube? Periodização do
cineclubismo, em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2022/05/o-primeirocineclube-periodizacao.html
.
[2] Vale dizer que me reconheço
em parte nessa crítica. Até 2008, antes de me dedicar a uma pesquisa mais séria
sobre a história do cineclubismo, eu mesmo reproduzia esse discurso. Naquele
ano escrevi, a pedido do programa Cine Mais Cultura do governo federal, um
“manual” bastante extenso sobre cineclubismo, que continha uma história do
nosso movimento e que incidia nesse equívoco de periodização. O livro foi
censurado pelos dirigentes do programa e circulou apenas em poucas cópias
distribuídas nas primeiras oficinas de formação, que também coordenei, junto
com o saudoso Frank Ferreira. Mesmo assim, ainda é citado aqui e ali por gente
que pesquisa o assunto. Mea culpa.
[3] Além do importante livro de Ismail Xavier, Sétima Arte: um Culto Moderno –
1978, Ed. Perspectiva, há outros artigos sobre o Chaplin Club acessíveis
pela internet.
[4] Pesquisar sobre cineclubismo
no Brasil é especialmente difícil. Em primeiro lugar, o tema é relativamente
pouco estudado, com poucas pesquisas históricas. Nos últimos anos aumentou
muito o número de textos, sobretudo acadêmicos, sobre cineclubes e
cineclubismo, mas a grande maioria é sobre educação formal com cinema ou
estudos de casos de cineclubes mais ou menos recentes ou que ainda existem. O
fato de ser contaminado ideologicamente pela adoção do modelo cinéfilo, isto é,
que só reconhece os cineclubes que emulam as práticas cinéfilas dos cineclubes
franceses dos anos 20 do século passado, também faz que poucos pesquisadores ou
historiadores procurem informações antes daquele período. Finalmente, as fontes
são de difícil acesso, pois o tema não era objeto de publicações “importantes”,
como os principais jornais comerciais, e são pouco digitalizadas. Além do
próprio movimento cineclubista – e outros movimentos sociais onde se instalaram
cineclubes – ter sido muito omisso em preservar seus documentos, são poucas as
instituições que o fazem ou têm os meios adequados para fazê-lo. No meu caso
pessoal, o fato de não residir no Brasil dificulta ainda mais o acesso a todas
as fontes.
[5] Carlos Vieira foi um dos mais
importantes cineclubistas brasileiros, fundador da primeira entidade
representativa de cineclubes, o Centro dos Cineclubes de São Paulo (1956), que
dirigiu até 1975, quando ajudou a fundar e foi igualmente o primeiro presidente
da Federação Paulista de Cineclubes. Ajudou a organizar, e também presidiu a
Primeira Jornada de Cineclubes Brasileiros, e várias subsequentes. Pode-se
citar ainda que foi um dos organizadores do importantíssimo Curso de Formação
de Dirigentes Cineclubistas, em 1958, e, em 1974, o primeiro presidente do
reorganizado Conselho Nacional de Cineclubes.
[6] Agradeço ao
pesquisador Pedro Plaza Pinto pelo acesso à revista Celulóide.
[7] Todos os números – de 1926 a 1942 - dessa importante
publicação estão digitalizados e disponíveis na internet.
[8] Número 1 dos Cadernos da Cinemateca. Rudá foi
um dos, senão o principal interlocutor da Cinemateca Brasileira com o movimento
cineclubista. Foi secretário na mesa da 1ª. Jornada Nacional de Cineclubes,
presidida por Vieira, em 1959.
[9] Consta que as duas fontes –
depoimentos no MIS/RJ e revista Filme Cultura - estão disponíveis na
internet, mas não consegui acessá-las em 10/5/2022.
[10] Existem vários trabalhos
sobre isso, mas a introdução de The Making of
American Audiences – From Stage to Television, 1750-1990 (BUTSCH, Richard,
2000. Cambridge University Press) me parece um resumo ao mesmo tempo breve
e suficientemente completo.
[11] A referência, de fato, é da
pesquisadora Danielle Crepaldi Carvalho, nos arquivos do Domitor (Associação Internacional de Pesquisa sobre o Cinema dos
Primeiros Tempos).
[12] Dialogues avec le cinéma, organizado por Germain Lacasse, Alain
Boillat, Vincent Bouchard e Gwenn Scheppler. O termo atelier indica que
foi um seminário fechado, entre os que apresentaram trabalhos, vindos de vários
países, mas sem público. O livro adotou o mesmo nome do encontro.
[13] Peço desculpas por uma
situação inusitada: algumas fontes da internet que cito, que pesquisei há
vários anos, não me foram acessíveis agora. Assim, estou retraduzindo para o
português alguns textos que havia traduzido para o francês, para usar naquele
texto. Não creio que isso leve a nenhum erro exatamente, mas essa operação toda
pode fazer que os textos em português aqui reproduzidos não correspondam
exatamente aos originais.
[14] Como este texto exemplifica
bem, não há uma história, digamos, mais consensual do cineclubismo brasileiro.
E isso não é ruim, pois começa a haver um debate, um questionamento das poucas
referências estabelecidas, uma busca pelo conhecimento e compreensão da
trajetória histórica e da participação social, cultural e política do
cineclubismo na sociedade brasileira.
[15] Chamo de países centrais os
grandes centros econômicos, políticos e militares que nos últimos dois séculos,
mais ou menos, controlam a evolução dos meios de produção, inclusive culturais,
e concentram a riqueza do planeta, bem como a força militar. São o que chamam
de “comunidade internacional”, o Conselho de Segurança da ONU (sem a China) e o
Grupo dos Sete. Os Estados Unidos, Canadá, a União Europeia e o Japão. A OTAN.
Em relação a esse centro, o Brasil faz parte dos países periféricos, “em vias
de desenvolvimento”, chamados por alguns, ainda, de subdesenvolvidos ou
coloniais.
[16] Aqui também há um curioso
fenômeno ideológico: se o surgimento do cinema sempre foi identificado com a
sua primeira projeção (independentemente da acuidade da informação), como é o
caso da sessão de 28 de dezembro de 1895 realizada pelos irmãos Lumière, no
Brasil adota-se a data da suposta primeira filmagem, que vem depois, e que transita
do protagonismo do público no reconhecimento do cinema para a primazia do
cinegrafista, eventualmente identificado com os futuros realizadores, “autores”
do cinema.
[17] Com informações de MORAES, 1998, TOLEDO, 1998 e FIGUEIRA, 2006.
[18] Neno Vasco era um trabalhador
e intelectual anarquista português - Gregório Nazianzeno Moreira de Queiroz
Vasconcelos – que chegou ao Brasil em 1901 e, como vários militantes, foi
algumas vezes expulso do Brasil através da famosa lei Adolfo Gordo. Mas sempre
voltava.
[19] Vozes
de Petrópolis, julho e dezembro, 1912, p. 1259-1261, apud Almeida (2011,
p. 319).
[20] Com informações de ALMEIDA, 2011.
[21] A grafia cineclube, a
rigor, só surgiu por volta dos anos 70. A diferenciação entre cine clube
e clube de cinema, que se explica no texto, desapareceu com o tempo, mais
ou menos nos anos 50.
[22] O associativismo em torno da
fotografia tem uma história própria, muitas vezes paralela à dos cineclubes,
mas que não é objeto aqui.
[23] Com vários trabalhos a
respeito, também não é o objeto deste texto.
[24] O hoje bastante mencionado,
mas menos conhecido, Ciné-club de Édmond Benoît-Lévy, teria sido criado em
1907, mas nunca saiu do papel (GAUTHIER, 1999).