As igrejas, as esquerdas
e os cineclubes
(pertencimento e hegemonia nas instituições populares do Brasil)
O milagre pentecostal
Embora o protestantismo esteja intimamente associado
ao desenvolvimento da mentalidade capitalista desde seu surgimento e faça parte
das práticas cotidianas e das instituições oficiais e públicas dos grandes países
anglófonos, especialmente dos Estados Unidos, a implantação e o crescimento de
sua vertente pentecostal no Brasil é surpreendente pela rapidez e extensão,
tanto geográfica como social.
O protestantismo de Lutero, e especialmente de
Calvino, coincidiram e se ajustaram muito bem à formação de uma mentalidade de
poupança e investimento – indicações terrenas da “graça” que identificava os
eleitos para o paraíso celestial - que seria uma das bases ideológicas mais
importantes para o desenvolvimento do capitalismo, particularmente em suas
fases mais iniciais. Essa relação entre riqueza e santidade não servia,
entretanto, para as massas assalariadas que se formariam em etapas subsequentes
do desenvolvimento desse modo de produção. No século 18, no epicentro das
transformações econômicas e sociais que preparam e depois sediam a Revolução
Industrial, uma nova contestação à religião oficial (no caso a Anglicana, bem
parecida com a Católica) se desenvolve, sobretudo a partir de John Wesley: o Metodismo.
Uma de suas principais características é que refutava a predestinação
lutero-calvinista e garantia o acesso ao Céu a todos que se arrependessem de
seus pecados. O atrativo da Salvação diante das terríveis condições dos
primeiros proletários, e uma certa dimensão de acolhimento, também diante da
perda de referenciais – como a expulsão das terras em que trabalhavam para irem
constituir a mão de obra fabril –, nos templos e comunidades bem mais informais
que as da igreja oficial, fizeram desse ramo da sublimação ideológica um
sucesso entre os trabalhadores. Cem anos depois, o Pentecostalismo, herdeiro
direto do Metodismo, apareceria em meio às contradições de uma nova etapa do
capitalismo, agora nos EUA, e de uma classe trabalhadora que se adaptava à
modernidade e velocidade da vida urbana, da produção em massa, do cinema... A
massa proletária era agora, no plano simbólico, público.
Logo a novidade chegou ao Brasil, por volta de 1910.
Mas sem muita aceitação: as primeiras seitas eram muito estritas e distantes da
nossa forte tradição católica, que as Assembléias de Deus, por exemplo,
combatiam acerbamente. Uma segunda “onda”, nos anos 50, trouxe uma primeira
vaga de pastores audiovisuais: o uso do rádio acelerou a difusão das múltiplas
seitas. Essas divisões são características, aliás, do pentecostalismo, ligadas
à informalidade e maior proximidade – real e midiática - dos templos e
congregações, e à possibilidade de enriquecimento autônomo de cada igreja (e de
cada líder). A terceira onda seria a dos grandes grupos fundados por pastores
brasileiros. São exemplos as igrejas Universal do Reino de Deus, Internacional
da Graça de Deus, Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, entre muitas outras,
tantas que algumas são até mesmo formadas por um único templo e pastor, nos
cantos mais remotos do Brasil. Entre suas características principais, além das
que percorrem toda a tradição evangélica, estão a chamada Teologia da
Prosperidade – uma espécie de versão contemporânea das expectativas
milenaristas, a promessa do reino de deus nesta Terra agora traduzida em
esperança financeira – e o uso intenso da televisão. Se no início do século 20
os católicos correspondiam a 98% da população, os pentescostais chegaram a ser
13% em 1990 e, 30 anos depois, já são mais de 30% dos brasileiros: um
crescimento em torno de 10% ao ano.
Esse fenômeno impressionante, de triplicar seus
adeptos num período historicamente curto, tem algumas explicações prováveis, a
meu ver. Elas já estão sugeridas nos parágrafos anteriores. O pentecostalismo
se expande diante do distanciamento que caracteriza uma igreja católica que abandona,
em grande medida, suas posições – geográficas, sociais e teológicas – mais
próximas dos ambientes e vivências populares (ainda que esboce reações,
justamente adotando, em sua vertente dita carismática,
diversas práticas do pentecostalismo). Não terá sido pura concidência que esse sprint evangélico ocorra logo após o
abandono da Teologia da Libertação pelo Vaticano. No mesmo sentido, o período
coincide com a falênca das expectativas geradas pelo processo de derrubada da
ditadura militar e pela não concretização das promessas de maior democracia
social esboçadas na Constituição de 1988. Diante disso, as grandes seitas
pentescostais de hoje prometem segurança econômica para os que contribuam para
a igreja. Mas não parece uma promessa vã - nem passou tanto tempo assim para
que o crente avalie. As congregações onde o pastor é uma figura mais próxima e
informal – até, frequentemente, pela pouca formação –, oferecem e constituem de
fato um ambiente comunitário em que o aderente pode se sentir acolhido, se
reconhecer num meio que o adota e o reconforta. Esses ambientes criam uma esfera de pertencimento. E nisso
substituem a incapacidade demonstrada não apenas pela Igreja católica, mas igualmente
pela tradição revolucionária proletária, o comunismo – hoje identificado com o
termo “esquerdas”: no plural, mais um índice da sua fragmentação. É essa
espécie de reconforto, de alívio da dor
mesmo, que o jovem Marx chamou de “ópio do povo”, referindo-se não às
propriedades oníricas do alcaloide, mas a seus efeitos anestésicos e
soporíferos – mais conhecidos na primeira metade do século 19.
O cinema começou com uma platéia de curiosos em festas
populares e revistas teatrais, crescendo depois, exponencialmente, quando se
implantaram suas salas exclusivas (seus templos?), junto a um enorme público
proletário que, pela primeira vez, incluía também mulheres e crianças, para
depois se expandir ainda mais, juntando outros segmentos sociais e formando
finalmente um público universal. Numa certa analogia, o pentecostalismo
brasileiro começou a se implantar nos ambientes mais miseráveis e necessitados,
se expandindo para segmentos populares cada vez mais amplos e buscando,
finalmente, nos dias de hoje, um alcance generalizado na sociedade. A expansão
do cinema, contudo, foi muito mais impressionante.
O recuo da classe trabalhadora
Os últimos 30 anos, mais ou menos, também coincidem,
no Brasil, com um progressivo recuo da classe trabalhadora – enquanto
identidade, consciência autônoma de si. A ditadura militar reprimiu ferozmente
e feriu, aparentemente de forma irrecuperável, a espinha da tradição política e
ideológica da classe trabalhadora brasileira, o Partido Comunista. Cindido em
diversos grupos e facções, inexpressivas na sociedade brasileira atual,
contribuiu também, com algumas dissidências – algumas de origem até mais
antiga, como as facções stalinistas e trotskistas – para um último (neste
período) avanço dos trabalhadores com o
partido que passou a carregar esse nome.
O Partido dos Trabalhadores construiu uma alternativa
político-eleitoral para a classe trabalhadora brasileira como nunca houve na
história deste País. Como se sabe, a composição inicial do PT tinha três
vertentes: o movimento sindical do ABC paulista, representatividade depois
ampliada por todo o território nacional através da CUT (que havia quebrado o
princípio de unicidade sindical); as bases da Igreja católica identificadas com
a Teologia da Libertação e bem implantadas nos meios populares, e, finalmente,
diversos grupos originados direta ou indiretamente de dissidências do PCB,
adeptos da luta armada durante a ditadura. De fato, o PT sempre teve uma
postura anticomunista – presente em todas as suas vertentes – pelo menos
enquanto se podiam identificar as gerações que compuseram o PCB favorável a uma
ampla política de alianças e contrário à luta armada como método de luta contra
a ditadura. Apesar disso, o PT adotou alguns dos elementos mais discutíveis da
tradição comunista, como o culto da personalidade do líder e a supervalorização
do papel do Estado, por exemplo.
Como já disse, a Teologia da Libertação, enquanto
aparato de intervenção social, sofre intervenção da cúpula da Igreja e do papa
Wojtyla (o mesmo que tanto contribuiu para a queda do socialismo na Polônia) e
desaparece. Com os governos do PT – de 2002 a 2014, e também nos estados e
municípios – grande parte das lideranças originais do movimento operário se
transforma em políticos e administradores ligados ao governo; há uma crescente
descaracterização do caráter reinvidicatório dos sindicatos – como se nota
claramente, por exemplo, nos festejos de 1º. de maio, que se tornam grandes
espetáculos politicamente anódinos – e um distanciamento de suas atividades em
relação à vida de seus representados. Os antigos grupos revolucionários aderem
e se adaptam ao jogo político de Brasília, fornecendo inclusive alguns de seus
nomes mais importantes, ou atuam como facções minoritárias dentro do partido.
Aos poucos, alguns desses grupos se separam formalmente e constituem novos
partidos. Fora desse processo, o PCB se descaracteriza completamente, não
apenas mudando de nome – para PPS – mas tornando-se finalmente numa linha
auxiliar das agremiações ditas liberais do campo reacionário brasileiro, PSDB e
DEM, principalmente. Característica única nessa nossa cissiparidade comunista,
temos ainda o PCdoB, oriundo do segmento stalinista do PCB (cisão ocorrida no
final dos anos 50, quando são denunciados os “crimes de Stálin), hoje praticamente
uma linha auxiliar subalterna do PT, e o PCB, pequeno grupo que não tem maior
representatividade nos meios populares ou ressonância social significativa.
O PT participou de várias eleições, e de todas as
eleições presidenciais desde a Constituinte (que o PT, entretanto, não
subscreveu), tendo Lula como candidato e defendendo uma pauta social bem clara.
Em 2002, depois de três derrotas, Lula apresentou a famosa Carta aos Brasileiros, que marcava, segundo muitos analistas, sua
submissão às elites e especialmente ao setor financeiro do País. Inaugurou-se
um governo híbrido, num certo sentido. Por um lado, implementava pautas
progressistas importantíssimas e políticas sociais inéditas, promovendo uma
redistribuição de renda limitada, mas sem precedentes na nossa triste história
de exclusão. Por outro lado, concentrados no papel do Estado, esses governos
aderiram às práticas recorrentes da política mais reacionária – e mesmo
corrupta – entre as elites dos três poderes. Concomitantemente, ao invés de
mobilizar de forma autônoma a sociedade civil, foi criando programas de cooptação
de diferentes setores – sindical, estudantil, cultural – e de suas lideranças,
integradas ao Estado.
Ausência das esquerdas no cotidiano e nas organizações populares
Para os comunistas, socialistas e anarquistas que
formavam as grandes correntes politicas do movimento de trabalhadores até o
início do século 20, a adesão a essas posturas polîticas e ideológicas constituía,
no plano pessoal, um compromisso de vida. Especialmente para os últimos, a
anarquia era uma visão de mundo e um modo de vida. A educação não se distinguia
da propaganda, pois promover o novo ser
humano era o mesmo que formar um verdadeiro anarquista – ou vice-versa.
Mas, para qualquer militante, socialista, comunista, essa adesão era integral.
Os comunistas, mais tarde, salientavam bastante a solidariedade comunista, que
se estendia a toda a humanidade – com exceção dos seus exploradores. Essas
atitudes, de maneira geral, perduraram até esse período de crise das esquerdas,
sobretudo no final do século. Tantos jovens adeptos – e muitos que não eram -
da luta armada deram sua vida em consequência de suas convicções, submeteram-se
a todo tipo de torturas e indignidades. Uns poucos desses, no entanto, anos depois
estavam trocando favores com os que os trairiam mais uma vez, mais de uma vez,
com Temer, Bolsonaro...
Quando Lula e Dilma foram à televisão vender a ideia de
que a classe trabalhadora só queria ter seus eletrodomésticos e o filho fazendo
doutorado no exterior (sic), estavam
traindo os trabalhadores que lutavam por direitos políticos e os jovens que
haviam morrido contra a ditadura. Mas estavam sobretudo retirando a ética
comunista do cotidiano dos trabalhadores, substituindo-a pelo consumismo, e
logo em seguida pelo empreendedorismo: suposta via de salvação do trabalhador,
negação da emancipação como classe. A consciência da identidade de classe, a
solidariedade que dela decorre, são valores básicos e centrais da emancipação
humana; tergiversar sobre eles é debilitar essa mesma humanidade, contida no
segmento social capaz de emancipá-la.
Distribuir empregos aos próximos e, a partir deles,
formular programas de cima para baixo – repetindo a tradição sempiterna do
patrimonialismo brasileiro – significa igualmente impedir a participação da
sociedade organizada, substituindo-a por uma forma “renovada” de notórios
especialistas, agora ligados, simpáticos ou simplesmente obedientes ao governo
e ao partido. Com isso a sociedade civil recuou enormemente em relação a suas
conquistas na luta de resistência contra a ditadura. Desarticularam-se formas
de mobilização organizada, trocando-as por gestores reconhecidos pelo poder,
especialistas na administração de entidades, no trato de programas e políticas
governamentais – e não realmente públicas – que, paradoxalmente, atingiam um
número muito maior de segmentos da sociedade, de regiões do País. A contradição
é que, pelo vício inerente, tais políticas apenas ampliaram a desarticulação de
uma parte importante da sociedade civil.
Grande parte das bases sociais das organizações da
sociedade civil foram cooptadas, minadas; lideranças políticas progressistas,
igualmente assimiladas ou marginalizadas, neutralizadas. O sistema se organizou
– ilusoriamente, como verificamos – sobre a perspectiva de eternização
eleitoral. Falsa hegemonia arranjada, negociada, ao invés de construída e
garantida pelos trabalhadores.
Políticas importantíssimas também foram estabelecidas
e suas bases lançadas. Ainda que esteja fazendo estas críticas, é forçoso
reconhecer que, por comparação, os governos do PT e de Lula foram os melhores
que já tivemos, com o Bolsa Família – paliativo, mas fundamental para elevar o
nível de vida de incontáveis miseráveis brasileiros -; as cotas, que finalmente
mexem com o preconceito e a exclusão atávicos do País; as universidades
federais, os aumentos acima da inflação do salário mínimo, e muitas outras
ações. Mas, ao mesmo tempo, isso equivale a dizer que esses “melhores” governos
foram apenas os menos piores de nossa história, pois não atacaram
essencialmente, e muito menos prepararam o assalto às raízes da desigualdade e
da exploração que definem nossa sociedade. Nem no campo econômico nem no plano
político nem na esfera ideológica.
Passado o governo Lula, com seu carisma e os ventos
favoráveis da conjuntura econômica internacional, as insatisfações populares
voltaram a se expressar – por exemplo no famoso junho de 2013. Mas, faltas de
organização e direção, atiravam para todos os lados, expressando um
descontentamento abstrato com a injustiça, a corrupção, os centavos do preço do
ônibus... Era o caldo de cultura para a expressão da insatisfação cega, a
revolta como catarse do mal estar recolhido, reprimido, indefinido. Era a
oportunidade não para os trabalhadores, cujas organizações ainda existentes não
conseguiam compreender, se posicionar e, menos que tudo, liderar ou dirigir a
luta, mas para os agitadores de direita que, desde a primeira eleição de Lula –
ou mesmo desde antes, desde a derrota da ditadura - se preparavam para
intervir, promover esse tipo de revolta, a rebelião dos recalcados, a batalha
pelo caos, contra o Comunismo.
Às manifestações difusas, que se multiplicam logo no
início do segundo governo Dilma – instigadas pelo candidato derrotado, Aécio
Neves, pelos liberais e, nas ruas, pela direita fascista ascendente –
opuseram-se manifestações corporativas, estreitas, petistas, que não estavam à
altura do novo desafio, tal como o próprio governo. Desde então mais
claramente, as chamadas esquerdas parecem um pouco perdidas, distanciadas dos
meios populares, incapazes de se articular com e dar uma direção para as
insatisfações do povo brasileiro. Manifestações de rua, seguidas de
manifestações de rua, parecem ser a única forma de expressão e organização das
classe populares. E parecem também não obter maiores resultados, exceto a satisfação
das bolhas facebookianas de uma intelectualidade
apenas formalmente progressista, pouco engajada orgânicamente em movimentos ou
organizações populares.
Mas, e os cineclubes nisso tudo?
Cineclube – uma introdução
Os cineclubes constituem um tema muito particular,
curioso. Sabe-se muito pouco sobre eles e age-se como se esse nível de
conhecimento, ou de ignorância, bastasse. “Cineclubes são grupos de pessoas que
se reúnem para ver filmes.” “Essas pessoas são cinéfilos, isto é, gostam de
cinema.” “E do bom cinema, não de qualquer coisa.” E mais, apesar de cineclubes
aparecerem, de vez em quando, um pouco por toda parte, e desde há muito tempo,
também ninguém se pergunta sobre isso. Não há (praticamente) livros sobre
cineclube. Mas quem gosta de cinema, quem “conhece cineclube”, sabe que eles
“começaram nos anos 20 do século passado, quando apareceu a palavra cineclube”.
Tem gente que sabe até “quem inventou o termo: Louis Delluc”. Ah! “Tem também
os cineastas da Nouvelle Vague francesa, que eram ligados a cineclubes”, ao que
parece. Pouquíssima gente, no mundo todo, sabe mais que isso, mesmo os que
estão – ou pensam que estão – participando de um cineclube.
Pois é, tudo isso está errado. Ou incompleto,
misturado, confuso, mas essencialmente errado. Introduzo, então, o assunto com
uns esclarecimentos ultrarrápidos. Os cineclubes nasceram e evoluíram junto com
o cinema, desde o início: fim do século 19. Como o cinema também, têm
antecedentes bem anteriores, pelo menos até o século 17, por causa dos usos das
lanternas mágicas, uma espécie de projetor de imagens fixas, que logo foi empregado
para fins educativos e também políticos. Os cineclubes surgiram como práticas
educativas de organizações populares e de ações equivalentes da Igreja católica
- e, especialmente nos EUA, de algumas denominações protestantes. À medida que
o cinema se consolidava como linguagem e narrativa, e como indústria –
produção, distribuição, exibição –, uma parte do público, não se sentindo
contemplado ou representado nesse cinema, composta novamente pelos setores
organizados de trabalhadores, resolveu criar seus próprios filmes e também os
espaços para vê-los. Os primeiros cineclubes constituídos com a forma que vem
até hoje datam do começo dos anos 10 do século passado. Eram organizações, como
já disse, voltadas para a produção de filmes, exibição e discussão, ligadas a
uma perspectiva de organização de classe: os primeiros cineclubes chamavam-se,
por exemplo, Cinema dos Trabalhadores (1911, EUA), Cinema do Povo (1913,
França), Clube da Periferia (1916, França). Seus membros e dirigentes eram
militantes socialistas, comunistas, anarquistas, feministas. Tal como o cinema
era um fenômeno mundial, havia cineclubes em muitos países, pelo menos nos mais
desenvolvidos, onde a classe trabalhadora era mais organizada. No Brasil
tentou-se fazer um Cinema do Povo em 1914, mas não há uma comprovação
definitiva de que isso tenha prosperado.
Com o fim da 1ª. Guerra Mundial, os intelectuais que
frequentavam esses cineclubes – ou conheciam a experiência (que ainda não tinha
esse nome, embora o termo existisse, pelo menos, desde 1907) - começaram a organizar um outro tipo de
cineclube. Ricciotto Canudo e Louis Delluc fundaram dois deles quase ao mesmo
tempo: o primeiro – o Clube dos Amigos da Sétima Arte - consistia
fundamentalmente na promoção de jantares (suntuosos) onde se discutia a
importância do cinema (coisa ainda não firmemente estabelecida); o de Delluc
eram projeções organizadas para fidelizar uma revista, o Jornal do Cineclube, que logo mudou de nome. Mas o termo pegou e se
difundiu muito. Esses cineclubes eram um pouco diferentes dos anteriores – e de
outros, seus contemporâneos – mas como eram identificados com algum intelectual
ou artista importante, “institucionalizaram-se”, isto é, passaram a ser
reconhecidos nos principais meios – artísticos, intelectuais – e pelas
instituições mais importantes, como a Imprensa, a Academia e os próprios
governos. Ao contrário dos cineclubes identificados e enraizados nos meios
populares, que combatiam o cinema -que os alienava, controlava, explorava - e
propunham um outro cinema, que mostrasse “a vida real dos trabalhadores” e
correspondesse a seus interesses, estes novos cineclubes elitistas agora
defendiam o cinema, clamavam pelo sua valorização como arte, independentemente
das questões sociais.
É claro que - simplificando rapidamente a questão -
como sempre prevalecem os interesses das classes dominantes, foi esse modelo de
cineclube que se expandiu mais livremente. Embora tenham continuado a existir
cineclubes revolucionários, o modelo elitista tornou-se hegemônico, e sua
influência contaminou, de certa forma, a quase totalidade dos cineclubes, em
todo o mundo. Ah, sim! Também não se pode esquecer que esse modelo hegemônico
também assimilou o paternalismo eclesiástico; em especial a Igreja católica o
adotou e promoveu, complementando o papel das elites com a sua função de formar
platéias para o cinema. O “bom” cinema, claro.
Há muitos outros aspectos nesse processo de hegemonia
de um modelo de defesa, de culto (uma
espécie de reintrodução antecipada da aura,
que Walter Benjamin definiria mais de um década depois) do cinema. Os
cineclubes deixaram de tratar do cinema como produto social, que deveria ser
apropriado pelo conjunto do público, e passaram a valorizar sua fruição mais ou
menos passiva (manteve-se o debate, porém), especialmente para um segmento de
especialistas conhecedores: os cinéfilos.
Os demais, o público comum, devia ser ensinado a ver cinema, levado a
reconhecer o bom cinema, sob a tutela dos “conhecedores”. Cineclube passou a
ter a função exclusiva de ver filmes; fazer filmes era responsabilidade da
indústria, do capital – ou dos prestigiosos autores
que, afinal, funcionam dentro da indústria. Os cineclubes também não tratavam
mais da memória, da identidade das comunidades em que se instalavam; isso
passou a ser responsabilidade de arquivos, geralmente constituídos por
cineclubes que buscavam um novo estatuto, mais profissional: o das cinematecas.
E surgiram amadores de cinema – não
confundir com cinéfilo, embora os termos sejam sinônimos, não é mesmo? – que
deveriam fazer filmes de família com os formatos de consumo caseiro lançados pela
indústria na mesma época em que surgiam esses cineclubes de elite. Com o correr
do tempo, o público se apropriou desses novos recursos, mas já o fez
dividindo-se em vários segmentos: cinema amador, experimental, documentário.
Separação, divisão, isolamento. Face a uma indústria audiovisual que, cada vez
mais, crescia, concentrava-se economicamente (num bairro de Los Angeles!), e se
expandia geográfica e socialmente: televisão, vídeo, internet... Cada vez mais
concentradas em umas poucas empresas, filhotes de Hollywood. Hoje diríamos:
Alphabet, Microsoft, Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Disney...
O recuo dos cineclubes
Os cineclubes basicamente mantiveram o modelo criado
nos anos 20 e que atingiu seu ápice no final dos anos 50, começo dos anos 60,
do século passado: a idade do ouro do cineclubismo e da cinefilia. Depois dessa época entraram em decadência: lenta,
gradual e certa. Continuam existindo em todo o mundo; em muito menor número,
mas ainda são alguns milhares, considerando todo o planeta. Mas com pouca ou
nenhuma ressonância social ou cultural. Exercem mesmo, em boa medida, uma
atividade complementar ao cinema comercial,
aparando algumas de suas contradições: oferecem filmes “alternativos”, não
disponíveis nas cadeias comerciais do sistema; não raro homenageiam e promovem
pequenos e grandes nomes da indústria, ou do “cinema nacional”, nos países onde
se pode usar essa abrangente expressão.
O público, agora audiovisual, praticamente universal –
todo mundo tem pelo menos uma tela para chamar de sua (e um algoritmo que o
chama de seu) – já não é mais o público do cinema. Este se tornou apenas uma
etapa da circulação do produto audiovisual: não é nem a plataforma mais
acessada nem a de maior peso econômico. De fato, nem o filme é preponderante –
embora seja sempre o paradigma narrativo básico – superado pelos jogos, os videogames.
Hoje, os cineclubes não vão aonde o público está.
Herdeiros dessa influência elitista nem sempre consciente, fixaram-se
exclusivamente na postura da exibição “clássica”, de meados do século passado,
e não assimilaram, não se apropriaram de todos os recursos e oportunidades
tecnológicas que atualmente, de fato, compõem uma realidade diferente. Todas as
formas de organização comunitária – no sentido mais amplo dessa palavra – em
torno dos meios audiovisuais, que surgem renovadas, atualizadas, se desenvolvem
praticamente sem ligação com o cineclubismo: coletivos de hackers, saites, blogues e canais na internet, entre muitas outras.
Essa separação, aliás, também as enfraquece, ao desconhecerem a tradição
associativa do cineclubismo e, frequentemente, a importância do presencial. Mas são os cineclubes que
ficaram parados essencialmente numa postura cinéfila dos anos 50 ou 60: eles
são possivelmente o segmento mais atrasado dentre as novas formas de
organização criadas pelo público para se apropriar do audiovisual. Isto é, dentre
as formas de organização que hoje correspondem às das origens dos cineclubes e
à sua finalidade mais essencial: criar um novo cinema, agora um novo audiovisual. Por outro lado, os
cineclubes têm características, e uma história, uma experiência que lhes são
exclusivas.
Cineclube como esfera de
pertencimento
Os cineclubes são instituições, iniciativas
estruturadas, de comunidades. Comunidades no sentido mais completo do termo:
grupos que apresentam características, que têm necessidades, interesses,
objetivos comuns. Talvez mais
frequentemente essa definição se aplique a um espaço, um território: um bairro,
uma cidade. Pode ser um local de trabalho, de formação, de estudo, ou outra
forma de atividade coletiva. Mas corresponde também a grupos que partilham
traços identitários, que vão dos culturais, étnicos, aos de gênero, ou ainda os
corporativos: de profissões ou atividades compartilhadas. Muitos expressam
necessidades comuns, como aprender sobre um tema determinado ou em geral, e
mesmo simplesmente ter acesso ao cinema,
tornado um bem de luxo para muitos, ou a certos filmes. Uma comunidade pode ser
inclusive de gosto: há um campo comum entre os que se interessam por filmes de
terror, gostam de ficção científica, apreciam uma abordagem psicanalítica do
audiovisual, ou curtem e seguem séries, telenovelas... Um cineclube pode se
constituir em torno de uma dessas características de comunidades, pode reunir
mais de uma delas ou, quem sabe, representar alguma de que me esqueci ou ainda
não conheço.
O que estes traços comunitários têm, por sua vez, em
comum, é que acesso, conhecimento, desfrute, identificação e partilha com
outros representam formas de apropriação do
cinema e/ou do audiovisual. Apropriação: tomar posse, ter integralmente, isto
é, poder usar em benefício próprio. Apropriar-se do cinema era o objetivo que
deu origem aos cineclubes: tomá-lo das mãos do capital, do comércio, para que
atendesse a suas necessidades, interesses, e principalmente para que pudessem
se expresssar através do cinema. Lembro o lema do mais que centenário Cinema do
Povo: “Divertir, instruir, emancipar”. Divertir sem alienar; instruir com
informação e cultura, conhecimento construído e compartilhado e não
“depositado” na conta vazia do espectador, como diria Paulo Freire. E,
sobretudo, emancipar. E o que significa emancipar? Emacipação é atingir a
maturidade, poder ser autônomo. Ter plena consciência de sua condição no mundo,
como pessoa mas também como grupo, como comunidade e, num sentido mais amplo
como classe social. E, sobre essa consciência, poder atuar de forma
independente, ser sujeito da vida e da história, e não apenas objeto,
consumidor, espectador.
Se a consciência emancipada é, em última instância, a
consciência de classe, ela se constrói no convívio social, principalmente no
trabalho e na comunidade. De fato, esses dois elementos se completam:
representam a condição de vida e da sua reprodução como parte da sociedade. É
nas fábricas e outras formas de trabalho coletivo, assim como nos bairros e
outras formas de convívio urbano que se observam e se toma consciência dos
traços comuns que constituem a identidade social dos trabalhadores. Como dito
mais acima, justamente trabalho e moradia, em sentido amplo, estão entre as
principais formas de comunidade. O sentido de fazer parte, de pertencer e de formar essas comunidades
é, também, uma das formas básicas de consciência de sua identidade. Exercer
essa convivência é construir, reproduzir essa identidade.
Nesse sentido, algumas práticas e alguns espaços podem
ser identificados como esferas de
pertencimento: espaços onde acontece, se constrói, até se sente essa
identidade, essa consciência subjetiva quase palpável. São as comemorações, as
festas, os saraus, alguns sindicatos e outras associações comunitárias, até
mesmo certos bares. E certamente muitos cineclubes. O cinema, a sala de cinema,
nunca ou quase nunca constituiu um desses espaços de convívio realmente
integrados à comunidade. As pessoas vão ao cinema pelos filmes – e esses
produzem outro efeito semelhante, a identificação,
de caráter sobretudo individual (e que não vou estender aqui) -, as salas
importam pouco, exceto quanto ao conforto, recursos técnicos e pela pipoca.
Alguns cinemas de arte tinham um pouco essa característica: os famosos templos
de cinefilia, como o Cine Paissandú, no Rio de Janeiro, o Coral ou o Bijou em
São Paulo, entre outros. As pessoas criavam um vínculo com esses espaços,
sentiam-se um pouco “em casa” neles, alguns tinham até seus lugares na
terceira fileira...
Os cineclubes, ao contrário, são quase sempre espaços diferenciados onde o público é estimulado de
várias formas a se autoconscientizar. Para começar, o espaço não é uma sala de
uma cadeia de comércio, mas uma adaptação de algum local comunitário ou, no
máximo, uma ocupação – pela comunidade organizada –, ainda que temporária, de
um espaço público. A organização da sessão é “amadora”, a técnica é mais ou
menos transparente, muitas vezes visível, até sujeita a acidentes. Geralmente
se fala com o público e, claro, o mais
importante, ele pode falar, é estimulado a falar, isto é, a ter voz. A tradição
cineclubista – hoje muito enfraquecida – é a da associação dos frequentadores,
que se tornam, assim, “donos”, responsáveis, têm voto sobre o que se passa. O
frequentador, e especialmente o associado, adquirem o costume de ir ao
cineclube, reconhecem e interagem com os outros, internalizam em alguma medida
o hábito e subjetivamente incorporam como uma sensação de pertencimento o
estatuto democrático real que embasa a instituição do cineclube. E os filmes,
claro, sobretudo, são pontes que todos usam, juntos, para aceder ao mundo e
além dele. Os cineclubes constituem esferas
de pertencimento das comunidades. Promovem e geram consciência da
participação de cada um em uma identidade coletiva – ao mesmo tempo que estimulam
sua autonomia individual.
Cineclube como aparelho de
hegemonia
Mas essa identidade da comunidade, discutida mais
acima, não está dada, ela é frequentemente, quase sempre, alienada, enviesada,
parcial e dirigida. Ela é substancialmente dependente da ideologia dominante,
que lhe é externa, mas que se insere nas consciências individuais e nas formas
de convívio de múltiplas maneiras: pelas relações de trabalho, pelas
instituições que participam da vida cotidiana – como as igrejas, especialmente
as evangélicas, mas também as escolas e, hoje, especialmente os meios de
comunicação: a televisão, os computadores, os celulares, etc. Uma identidade
emancipada geral não existe ainda; ou melhor está escondida, subalterna, sob outras formas
dominantes, pois as forças hegemônicas representam fundamentalmente o que é
externo à comunidade, à sua identidade e aos seus interesses. De certa forma,
há que construí-la, resgatá-la dos escombros, libertá-la do entulho ideológico
que a recobre.
Essa cultura de certa forma subterrânea, a cultura dos
segmentos subalternos da sociedade, a cultura popular enfim, é, em grande
medida, oral. É uma das razões de sua não permanência, e de não alcançar ou não
ser significativa nos meios institucionais dominantes – aos quais, em princípio,
não tem acesso, pois não tem os meios para os produzir. A própria cinefilia
elitista se faz institucional justamente pela via da escrita e da autoria, da identificação de um
empreendedor, de um proprietário, de um autor. A cultura oral, por outo lado, é
essencialmente coletiva, anônima, democrática, uma cultura de todos transmitida
informalmente dentro do seu próprio ambiente, comunitário. Vulnerável em seu
formato não fixado por nenhum suporte físico – e pela ausência de
reconhecimento institucional. É também, principalmente, local, no sentido de
que praticamente não circula através dos grandes meios sociais de comunicação,
controlados pelo capital. Apesar disso, tem uma dimensão social bem mais ampla,
pois corresponde a uma realidade partilhada com o conjunto dos trabalhadores.
São justamente os meios audiovisuais que tornam
possível o registro, a divulgação e a conservação da cultura oral e local: a
fotografia, o registro sonoro, o cinema e todos os outros. Só mais ou menos
recentemente, e hoje como nunca antes, tornou-se possível tirar da
marginalidade e do esquecimento as diversas manifestações culturais do povo.
Mas, como o problema na verdade não é técnico, mas político, isso ainda não
acontece.
O audiovisual, ou melhor ainda, o conjunto de meios de
comunicação que existem hoje levaram o patamar da representação audiovisual da realidade a um nível muito mais amplo
do que o cinema fazia – ou do que era legitimado como cinema. Essa
representação é fundamentalmente tributária do cinema, ou mais exatamente do filme, principal base narrativa das
formas que reúnem imagem, som e escritura. Mas novas formas também já estavam
em germe no cinema – ele mesmo também tributário de outras formas de expressão.
O jornal, em suas formas filmadas, radiofônicas, depois televisivas. Os
espetáculos - que também eram filmados, como as lutas de boxe que fascinavam o
público feminino bem no início do cinema -; o futebol e outros esportes dos
cinejornais e dos sábados ou domingos na televisão; as óperas que se veem nos
cinemas de hoje. Coerentemente com a visão elitista preponderante, essas formas
menos legítimas, de interesse
sobretudo popular, também foram abandonadas pela grande maioria dos cineclubes
(embora a produção de noticiários,
por exemplo, fosse uma das principais atividades de muitos cineclubes operários
nos anos 30, e de coletivos de produção mais ou menos cineclubistas até a
atualidade).
Os cineclubes que fica(ra)m presos a um modelo
cinéfilo, elitista, datado, reduzem as
dimensões de sua esfera de pertencimento. Perdem, ou abandonam, o
público mais amplo do audiovisual: de fato, muitos cineclubes giram em torno de
comunidades etárias mais reduzidas ou de grupos de cinéfilos de vários tipos,
até os “politizados”, que não constituem uma amostra representativa das
comunidades mais amplas onde atuam. Ou limitam-se a trazer públicos mais amplos
de forma extremamente esporádica, efêmera, como nos projetos com crianças,
presidiários e semelhantes. A atividade exclusiva com o próprio cinema – ou
mais exatamente o filme – implica hoje numa redução dessa esfera, pois o
“audiovisual do povo” – ou ao contrário, o audiovisual contra o povo, aquele
que lhe é imposto – reúne muito mais formas de apresentação, representação e
recepção. Restringir-se à exibição de filmes equivale a demitir-se da dimensão
de criar, de se expressar pelo cinema e pelas múltiplas formas audiovisuais.
Implica em receber (em não produzir) notícias e interpretações comprometidas
com o poder vigente, em não conhecer nem divulgar as notícias locais ou de
interesse da comunidade do cineclube. Significa não coletar, conservar e
promover as formas da cultura, da memória, da identidade de seu público. Atuar
exclusivamente com filmes de cinema implica em excluir as formas seriais
veiculadas em streaming ou na televisão,
acarreta a recusa dos espaços de
convívio virtual e real dos jogos audiovisuais, as formas de comunicação pela
internet e todas os formatos de recepção que não o da grande sala retangular.
Cada um desses casos representa um espaço de pertencimento perdido, uma
possibilidade de autoformação crítica abandonado, um público excluído. Um recuo
ideológico e político.
Na ausência da produção e divulgação da cultura do
público, o que existe, as instituições que fazem o papel que seria do
cineclube, mas com sinal inverso - isto é, para alienar, aliciar e controlar o
público - são os meios controlados pela indústria do audiovisual. O cineclube é
essencialmente o seu avesso, o embrião de
uma futura expressão e comunicação audiovisual livres. A vocação do
cineclube é substituir completamente o cinema e o audiovisual do sistema – e não gerir pequenas capelas
de culto ou de “alfabetização” para o bom cinema. A atividade do cineclube
constitui-se na construção de um novo audiovisual em todos os seus sentidos e
possibilidades – e como tal, faz parte da construção de uma nova sociedade.
Representa a edificação de uma instituição fundamental dessa sociedade futura. Antonio
Gramsci, teorizando sobre o processo de hegemonia, salientava a importância da
construção dessas instituições, pois esse processo é parte da viabilização da
própria sociedade futura. Mas ele também lembrava que uma instituição só pode
se tornar hegemônica se for superior “moral e intelectualmente” à existente. Em
outras palavras: o cineclube, a instituição audiovisual do público, tem que ser
melhor, e superar as diferentes práticas e instituições que compõem o
audiovisual a serviço da classe dominante. Ser melhor significa corresponder,
responder melhor às necessidades e possibilidades das suas comunidades, do seu
público. E fazê-lo de forma mais eficaz.
Hoje, mais que nunca, o cineclube tem condição de
exercer esse papel – ainda que tenha um bom caminho a percorrer. Tem essa
possibilidade porque, para começar, representa embrionariamente a superação da
divisão de trabalho – e consequente alienação - criada pelo sistema comercial.
A superação da divisão entre produção e consumo, entre criação e recepção ou
entre autor e espectador estão ao alcance com a revolução digital e a
universalização da rede de comunicação autônoma. Podem-se unificar no cineclube
todas as ações separadas pelas formas que priorizam o lucro privado sobre o
valor social real. Hoje, mais do que nunca, é possível visualizar a integração
entre criação, produção, difusão, recepção e preservação num mesmo espaço -
real e virtual - dirigido e controlado pelo público.
Felipe Macedo
Montreal, 30
de março de 2020 (em quarentena)