À diretoria do Conselho Nacional de Cineclubes
e aos cineclubes do Brasil,
A secretaria do Conselho divulgou recentemente, aqui nesta lista, a Portaria 202 da ANCINE, que reproduzo abaixo.
Creio que a Portaria é da maior importância – de fato, ela trata da questão mais importante do cinema brasileiro, seu contato com o público – e que é indispensável um posicionamento e ações concretas do movimento cineclubista, através da sua entidade maior.
Acredito também que a discussão, a participação e a possível mobilização dos cineclubes é fundamental não apenas para assegurar força e representatividade às iniciativas que o CNC venha a tomar, mas principalmente para garantir os direitos do público, conforme a Carta de Tabor, dando sentido à nossa existência e organização como um movimento cultural e social nacional. que participa da vida pública brasileira e da construção de uma nação mais justa e democrática.
Assim, abrindo o debate sugerido pela divulgação da portaria, quero trazer algumas considerações e sugestões sobre o tema, demandar um esclarecimento e informação à nossa direção sobre os encaminhamentos adotados por ela e conclamar o movimento cineclubista à discussão, proposição e mobilização em torno da questão da democratização do acesso do público à cultura, informação e conhecimento transmitidos através dos diversos recursos audiovisuais – e também com relação à democratização da participação do público no trato dessas questões.
1. A Portaria cria uma Comissão responsável pelo Programa de Expansão do Parque Exibidor de Cinema, com base em algumas considerações que resumo aqui fora da ordem original: a) a necessidade de providências públicas diante da falta de acesso às obras audiovisuais, b) a concentração do mercado exibidor, que já faz parte da consideração anterior, c) a vontade do governo de atuar nesse sentido, d) a existência de meios e recursos para tal iniciativa, e e) as diretrizes do Conselho Superior de Cinema e do MINC quanto às “políticas cinematográficas nacionais”.
A Comissão Especial nomeada é composta por funcionários da ANCINE, imagino, ou pelo menos do governo, já que são identificados por um número de matrícula. É coordenada pelo presidente da ANCINE e dela também participam os demais diretores da Agência governamental. Ou seja, a Comissão Especial é formada apenas por quadros governamentais. Eu não conheço nenhum deles nem tenho notícia de sua atuação ou experiência no ambiente da cultura e do audiovisual (o que pode perfeitamente indicar apenas a minha falta de informação)
Os poderes da Comissão Especial são vastos: planejar as medidas do referido programa; coordenar as ações, inclusive mobilizando recursos e pessoas; monitorar o programa, também instituindo correções de “percurso”, e fornecer relatórios de seu desenvolvimento – a portaria não estabelece a quem são devidos esses relatórios
2. Deixei a citação do Conselho Superior de Cinema (CSC) por último de propósito. Sintomaticamente, a pesquisa pelo CSC na internet nos remete em primeiro lugar ao saite do CNC: http://cineclubes.org.br/tiki/tiki-read_article.php?articleId=464 . Lá está a carta aberta dos conselheiros “representantes da sociedade civil”, de julho deste ano, reclamando do fato de não haver convocação do CSC há longo tempo.
Todas as outras referências (nos saites do MINC, da ANCINE e outros) apontam apenas para uma reunião realizada em setembro de 2008, um ano atrás, quando se tratou da PL 29 (Regulamentação da TV por assinatura).
Mas o que é o CSC? Uma forma republicana de participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas para o cinema? Mais ou menos. Recomendo o conhecimento do decreto que regulamenta o CSC: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4858a.htm .
Em primeiro lugar, o CSC é composto por 18 integrantes, sendo 9 indicações de órgãos públicos – inclusive a presidência, exercida pela Chefia da Casa Civil - e 6 pessoas de expressão no campo profissional e de mercado, indicados pelo Presidente da República, que também indica mais 3 personalidades de destaque com interesse na questão do cinema e do audiovisual. Uma representação “paritária” selecionada exclusivamente pelo poder público.
De fato – e peço um esclarecimento ao CNC – se não me falha a memória, em janeiro deste ano, em Atibaia (SP), nas eleições do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) foram “eleitos” um titular e um suplente do CBC para ter assento no CSC. Qual é o resultado concreto desse exercício cívico?
Pela nota existente no ambiente do CNC, indicada acima, podemos ver a composição dos “conselheiros civis” do CSC, sem que sejam claramente indicadas as categorias (incisos II e III do art. 2º.) de que provêm. Alguns deles estão no CSC desde 2004, o que parece contradizer o parágrafo 5º. do art. 2º. do decreto, que lhes confere dois anos de mandato e permite uma única recondução: André Strume, Giba Assis Brasil e Luís Severiano Ribeiro Neto, se não me equivoco, estão lá há mais de 4 anos (cf. http://www.culturaemercado.com.br/post/lula-gil-e-dirceu-instalam-novo-conselho-de-cinema/ )...
Não me parece que possamos reconhecer como representante do público, efetivamente, nenhum dos titulares do CSC. Sem questionar a pertinência de sua participação, enquanto figuras importantes do negócio audiovisual e mesmo da cultura cinematográfica, os signatários da carta reclamando mais ação do CSC são, em sua totalidade, expressão desse senso comum que identifica interesse, conhecimento e direito de participação na coisa pública com a prática comercial e profissional (talvez seja uma herança cultural do antigo voto censitário).
O público não está representado no CSC sob nenhuma forma.
Notem que, além dos cineclubes, como é óbvio, há várias outras perspectivas de representação do público, no mínimo tão importante quanto o setor econômico/profissional do audiovisual, através de organizações comunitárias, sindicais, culturais, etc.
Parece-me, portanto, evidente que, com essa composição, o CSC tende a formular propostas informadas, importantes e legítimas, mas muito possivelmente com um viés corporativo e um pouco limitado.
3. Outra observação que me parece importante é que, segundo o decreto 4858, que criou o CSC, cabe à presidência do CSC – a chefia da Casa Civil -, e não à Ancine, a criação de grupos de trabalho como este: cabe à presidência “constituir e organizar o funcionamento dos comitês e grupos temáticos e convocar as respectivas reuniões”, inciso IV do art. 4º.
Mais que isso, esses grupos de trabalho devem ser constituídos segundo outro artigo do decreto:
“Art. 3o - O Conselho poderá instituir comitês e grupos temáticos, de caráter permanente ou temporário, destinados ao estudo e elaboração de propostas sobre temas específicos, a serem submetidos à sua composição plenária, definindo no ato de criação seus objetivos, a composição e prazo para conclusão do trabalho, podendo, inclusive, convidar para deles participar representantes de órgãos e entidades públicos e privados e dos Poderes Legislativo e Judiciário.”
O grifo é meu e, sugerindo um certo afastamento da Portaria exarada em relação ao definido no Decreto, aponta para uma das reivindicações que creio devem ser apresentadas pelo movimento cineclubista: ser ouvido e participar da elaboração da política brasileira de acesso do público ao audiovisual.
A ANCINE, ao que parece, preferiu criar uma Comissão Especial burocrática, nas entrelinhas da legislação, ao invés de um mecanismo mais amplo de estudo, consulta e participação.
Devemos, creio, discutir e defender a possibilidade de ampliar esse instrumento de orientação da política pública.
4. Como disse, não me foi possível determinar se houve ou não um encontro do CSC depois da referida carta. Não há publicidade evidente do fato. Mas, considerando as medidas que vêm sendo tomadas pela ANCINE, por outro lado, é bem provável ter havido tal reunião, pois ações e portarias recentes – como esta – referem-se aos pontos cobrados pelos conselheiros na tal carta aberta.
No entanto, também não consegui encontrar maiores esclarecimentos quanto ao citado Programa de Expansão do Parque Exibidor de Cinema (como também nada encontrei sobre “as diretrizes do Conselho Superior do Cinema”). Não sei se o Programa já existe, ou se será estabelecido pela Comissão Especial; se há medidas já encaminhadas; se existem valores, recursos públicos e/ou privados alocados para a sua implementação (como sugere a Portaria) e, principalmente em que análise – determinando suas diretrizes - se baseia essa política tão essencial para o público e para o audiovisual brasileiro.
A questão é muito ampla. Envolve a análise e a ação sobre uma realidade consolidada: um modelo de cinema de dimensão mundial, em que um paradigma econômico, do qual deriva um padrão estético bem definido, domina e controla todas as relações sociais e econômicas do público com o cinema, em todo o planeta.
Esta discussão existe dentro do movimento cineclubista há algumas décadas, e particularmente nos dias atuais. Não há espaço para reproduzi-la aqui, mas tomo a liberdade de indicar dois artigos que podem orientar um pouco a informação sobre o assunto: O modelo brasileiro de cinema, em http://pec.utopia.com.br/tiki-read_article.php?articleId=378 e A Reinvençao do Cinema e os Jurássicos, na edição on-line brasileira do Le Monde Diplomatique: http://diplo.uol.com.br/2008-04,a2315.
5. Resumindo muito toda esta história, me parece óbvio que qualquer programa governamental para a expansão do parque exibidor deverá cair em uma de duas grandes hipóteses:
A) Uma ampla ação estatal de intervenção e rearranjo da distribuição de salas de exibição, resultando numa significativa alteração das condições do mercado comercial, interferindo com os interesses bem definidos e concentrados que controlam esse mercado. Uma intervenção dessa magnitude provavelmente tocaria nos próprios pressupostos do paradigma. Não acredito que esta alternativa seja muito provável. A composição do CSC, a orientação geral da ANCINE na sua trajetória mais ou menos recente, enfim, a correlação de forças políticas aponta para medidas menos ousadas tanto no sentido conceitual como no de enfrentamento dos interesses que determinam e controlam o modelo de cinema em vigor no Brasil;
B) A segunda hipótese, em traços gerais, aponta para a adoção de medidas paliativas e de sustentaibilidade discutível. Ou seja, estímulos diversos para a abertura de salas tradicionais (projeção de películas 35 mm). Mantidas, inalteradas as determinações do mercado, tais salas só poderão sobreviver de forma artificial e efêmera, sustentadas pelo dinheiro público, em situação de permanente instabilidade. A adoção desse tipo de iniciativa tende igualmente a possibilitar relações de paternalismo, compadrio, beneficiando de forma discutível determinados segmentos da iniciativa privada – como já ocorre, por exemplo, em SP, com a compra, pelo Estado, de quantidades maciças de ingressos junto aos exibidores.
6. Um “parque exibidor” mais amplo só se sustenta com a modificação do paradigma. Esta constatação, entretanto, só foi assumida, até agora, pelo movimento cineclubista. Por isso, também, a necessidade urgente da nossa manifestação e participação nesse processo.
O programa Cine+Cultura, inspirado em projetos apresentados pelo movimento cineclubista, certamente trabalha na perspectiva de ampliação do acesso ao audiovisual. Não é, entretanto, intenção do MINC instituí-lo como modelo de “ampliação do parque exibidor”, política que, pelo menos na administração do secretártio Sílvio Da Rin, delegou mais diretamente à Ancine.
De fato, o programa tem um escopo mais modesto, não está voltado para a criação de salas de cinema, no sentido de estrutura, qualidade e conforto, mas mais para o atendimento meio emergencial de uma situação de exclusão que, de todo modo, mostra-se insuportável. O Cine+Cultura tem um papel muito importante, especialmente nas comunidades de menor porte e estrutura, mas sua função é complementar à problemática levantada pela iniciativa da ANCINE.
7. O movimento cineclubista, porém, produziu uma proposta que está diretamente ligada à análise do modelo de cinema vigente no Brasil. Trata-se de modificar essencialmente o paradigma técnico-econômico que só serve para o cinema hollywoodiano, com um modelo de negócio baseado na super-produção e na exploração extensiva de um mercado de dimensões planetárias. Ou seja, filmes de custo inaccessível a qualquer concorrência, que se pagam apenas em escala mundial (Hollywood controla 85% das bilheterias em todo o planeta), com o controle de vários “estágios” ou segmentos de mercado: salas multiplex sofisticadas, mercado de home vídeo e sell-thru, tevê a cabo, tevê aberta e diferentes licenciamentos para sub-mercados e produtos correlatos.
A proposta alternativa é a adoção de um modelo de produção-difusão-consumo com base principalmente digital, com custos de difusão e exibição infinitamente inferiores aos de película e, principalmente, com um ingresso accessível à grande maioria da população.
Este modelo é o dos popcines, apoiado pelo CNC (e por várias entidades cinematográficas, como a ABD, APACI, etc), que formalizou a proposta em reunião do Conselho Deliberativo da Secretaria do Audiovisual do MINC em julho de 2008 – sem que o ministério tenha dado qualquer continuidade ao assunto ou demonstrado maior interesse.
O projeto PopCine é bastante conhecido dentro do nosso movimento, mas caso haja necessidade de mais ou mais detalhadas informações, pode ser avaliado em http://popcines.blogspot.com/ .
8. Estou levantando aqui o conceito, não a “propriedade” da idéia. Uma má compreensão deste aspecto pode prejudicar uma certa isenção necessária para se compreender a proposta.
Trata-se de o movimento, e especialmente a direção do CNC, avaliarem o conceito de salas populares de cinema, de baixo custo de implentação – permitindo sua instalação na maior parte das localidades -, de comprovável sustentabilidade, com preços accessíveis, mantendo padrões de qualidade e conforto.
Esse projeto, com eventuais alterações ou adaptações que o movimento julgue procedentes, deve ser retomado pelo CNC.
9. Acredito que esse modelo deve ser a base de uma proposição do CNC e do movimento cineclubista para a questão da acessibilidade e da reorganização do modelo de cinema no Brasil, no sentido de atender às necessidades urgentes e às condições reais do público, isto é, do povo brasileiro.
Objetivamente, recomendo que o CNC procure a ANCINE com as seguintes propostas – que podem e devem ser aperfeiçoadas pelas contribuições de todos os cineclubes interessados:
A) O CNC deve dirigir-se oficialmente à Casa Civil e à Ancine, exigindo a ampliação ou complementação das medidas previstas na Portaria 202, no sentido da abertura da Comissão Especial de forma a compreender a sociedade civil em geral ou a constituição de um Grupo Temático amplo, conforme o art. 3º. do decreto que cria o CSC;
B) Da mesma forma, devem o CNC e o movimento se mobilizar para a democratização desse debate, na imprensa, junto a movimentos e organizações sociais e populares, que também precisam ser ouvidos e, especialmente, junto às classes artística e cinematográfica, com destaque para o Congresso Brasileiro de Cinema;
C) Nesse debate público, a proposta do movimento cineclubista – e das entidades que a subscreverem – deve ser a criação de uma ampla rede de salas populares de cinema, com base em tecnologia digital, preços accessíveis, com qualidade e conforto, e
D) Qualquer modelo de acompanhamento e controle dessa nova modalidade de “salas de cinema”, suas relações com o mercado, etc, deve ser passível de controle por parte da sociedade, com um modelo de agência reguladora ou instância semelhante em que esteja garantida uma ampla participação da sociedade – associações e movimentos populares, empresários, técnicos, profissionais, etc – e, em especial, dos cineclubes, única instituição existente até hoje de representação do público do cinema ou audiovisual.
Estas são colocações iniciais para um posicionamento que considero urgente e fundamental do movimento cineclubista e de sua entidade representativa maior (o que não exclui as entidades intermediárias, claro). Espero que tenha eco junto aos cineclubes brasileiros, federações, associações e o CNC.
Ausentar-se da discussão do acesso do público ao cinema, à cultura e à informação representaria para o movimento cineclubista uma verdadeira renúncia à sua razão de ser maior: representar e defender os direitos do público.
Peço, portanto, uma manifestação da diretoria do CNC sobre estas considerações e propostas, apenas indicativas, a critério da nossa direção e do conjunto do movimento.
Antecipadamente grato, envio minhas
Saudações cineclubistas
Felipe Macedo
AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA
PORTARIA Nº 202, DE 19 DE AGOSTO DE 2009
O DIRETOR-PRESIDENTE DA AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA - ANCINE, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 13, IV, do Anexo I do Decreto 4.121, de 7 de fevereiro de 2002, tendo em vista o disposto no inciso XVIII, do artigo 5°, do Regimento Interno da Agência Nacional do Cinema - ANCINE;
CONSIDERANDO os objetivos da ANCINE expressos no artigo 6º da Medida Provisória nº 2.228-1, de 2001, destacadamente o disposto no inciso VII: "estimular a universalizaçã o do acesso às obras cinematográficas e videofonográficas , em especial as nacionais"; e
CONSIDERANDO a baixa densidade de salas de cinema no país, a concentração social e geográfica das operações de exibição e a consequente dificuldade de acesso a este serviço pela maioria da população;
CONSIDERANDO a necessidade e a disposição governamental para uma ação integrada de estímulo à ampliação do parque exibidor de cinema no Brasil;
CONSIDERANDO as diretrizes do Conselho Superior do Cinema e do Ministério da Cultura, relativas às políticas cinematográficas nacionais;
CONSIDERANDO a disponibilidade de instrumentos administrativos, fiscais e financeiros passíveis de serem mobilizados para a consecução dos objetivos propostos; resolve:
Art. 1º Fica instituída Comissão Especial do Programa de Expansão do Parque Exibidor de Cinema, composta pelos seguintes servidores :
I. Rosana dos Santos Alcântara, Matrícula SIAPE nº 1501479;
II. Guilherme Guimarães Studart, Matrícula SIAPE nº 995230;
III. Roberto Gonçalves de Lima, Matrícula SIAPE nº 1488187;
IV. Paulo Ricardo Zilio, Matrícula SIAPE nº 2575058;
V. Felipe Rodrigues Dias Vogas, Matrícula SIAPE nº 1533887;
VI. Akio Assunção Nakamura, Matrícula SIAPE nº 1549700;
VII. Yuri Jacob Lumer, Matrícula SIAPE nº 1504173.
Art. 2º Compete à Comissão Especial:
I. planejar a estratégia operacional do Programa de Expansão do Parque Exibidor de Cinema, com base nas diretrizes definidas pelo Conselho Superior do Cinema e pela Diretoria Colegiada da ANCINE;
II. coordenar a implementação das medidas, acionando instrumentos e agentes necessários para a consecução das tarefas;
III. acompanhar e monitorar as ações, responsabilidades e resultados das iniciativas, realizando as correções demandadas;
IV. quando solicitada, subsidiar a Diretoria Colegiada da ANCINE nas decisões relativas à exibição cinematográfica;
V. elaborar relatórios informativos sobre o Programa.
Art. 3º A Comissão funcionará pelo mesmo tempo de duração do Programa.
Art. 4º Os trabalhos serão coordenados pelo Diretor-Presidente da ANCINE e contarão com a participação dos demais Diretores da Agência.
Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
domingo, 9 de agosto de 2009
Demissão
Amig@s, companheir@s, cineclubistas,
Estou apresentando a minha demissão da Diretoria de Formação do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros.
Quatro ordens de motivos estão envolvidas na minha decisão de formalizar uma situação que, nesta diretoria, é praticamente uma realidade desde o dia seguinte à última reunião do CNC, em Atibaia, em março deste ano.
A primeira razão, e mais geral, é o fato de que hoje discordo da direção que está sendo dada ao movimento por nossa entidade nacional, relegando a organização do público a uma posição secundária e colocando o cineclubismo a reboque de um projeto superficial de criação de platéias para os filmes brasileiros. Subprodutos dessa orientação mais geral, a) desestimula- se e até se sufoca a discussão programática e teórica sobre o cineclubismo e suas possíveis e múltiplas orientações; b) a entidade nacional do movimento transforma-se em gestor auxiliar, quase um despachante do programa Cine+Cultura; c) o debate político substitui-se pela negociação de pequenas vantagens e pelo tráfego de influências voltado para o círculo vicioso de objetivos políticos menores, de prestígio ou, a médio prazo, eleitorais; d) corolário deste último, a direção do CNC se concentra quase exclusivamente num cargo e pessoa, comprometendo a democracia no seu sentido mais amplo e reduzindo a trajetória do movimento às perspectivas estreitas de um poder ilusório – mas suficiente para iludir e satisfazer certas vaidades:
a) A direção nacional do movimento cineclubista brasileiro representa uma ampla coalizão de regiões e orientações quanto à ação cineclubista, formada por ocasião da 27ª Jornada Nacional de Cineclubes, que a elegeu. Tal situação, extremamente positiva, deveria ensejar um aprofundamento do debate democrático, o confronto, na transparência e no respeito, das diversas visões e perspectivas que orientam os cineclubes brasileiros – as diversas esquerdas e as várias expressões do liberalismo, a organização do público ou a formação de platéias, a criação autoral ou coletiva, entre outras...
Sem essa discussão, no entanto, a “aliança” se transforma em mero instrumento de negociação de interesses e oportunidades. No momento em que o movimento conquista espaços institucionais importantíssimos, obtém programas de fomento à exibição - que se afirmam voltados para os setores populares – a análise e a crítica desaparecem e uma retórica uniforme de apoio à orientação de um setor específico do governo e do cinema brasileiro toma o seu lugar. O movimento não debate, sua direção não discute, mas o CNC se posiciona bastante, sempre em apoio aos mesmos segmentos, entidades e políticas, dependente de uma composição indiscutida que privilegia a produção autoral (não coletiva) e compreende o cineclubismo como espaço de realização dessa produção, de formação de platéias para essa produção, e não de organização do público, de expressão comunitária, de transformação social.
Numa ocasião como a atual, em que a legislação referente à cultura e ao audiovisual apresenta várias oportunidades de reforma e democratização, nosso movimento se posiciona meramente a reboque da “classe cinematográfica” - à qual só pertencemos nessa condição de apoiadores -, sob os aplausos da Secretaria do Audiovisual do MINC. A campanha pelos Direitos do Público, um exemplo eloqüente, foi abandonada, e a Carta de Tabor reificada em totem inofensivo, sem expressão política, reduzida a mera contraparte dos chamados direitos autorais;
b) As diferentes possibilidades de organização do público parecem convergir unicamente para o programa Cine+Cultura, da Secretaria do Audiovisual, que distribui recursos bem modestos para a formação de um circuito incipiente de exibição, altamente burocratizado e totalmente atrelado a uma repartição pública institucionalmente extremamente frágil. O CNC abdicou totalmente da orientação – que já havia, entretanto, conquistado - desse projeto, explicitamente orientado meramente para a criação de espaços de exibição e cujo objetivo, nas palavras de seu Coordendor (a propósito das oficinas de formação cineclubista) “não é formar quadros ou cineclubes”, mas criar uma rede de exibição que justifique os diversos programas de fomento a uma produção que não encontra espaço em outros canais de difusão. Dirigentes cineclubistas fornecem a mão de obra qualificada para a formação de exibidores, sob a condução exclusiva, e separada do movimento (em listas próprias e fechadas), do programa governamental. Com poucas exceções, as direções cineclubistas em todo o País estão ocupadas e mal remuneradas nesse projeto, em detrimento de outras iniciativas. Outros programas, outras alternativas, de muito maior importância para a ação comunitária, estão praticamente esquecidos na azáfama de administrar as demandas do Cine+Cultura. A direção desse processo é feita em circuito fechado, sem a participação da grande maioria dos cineclubes, e sua orientação é dada pelo programa, não pelo CNC (e contrariando os objetivos originais e legais do próprio governo);
c) O CNC deixa-se envolver em acordos decididos entre alguns “protagonistas”, apoiados em “aprovações” forçadas, por decorrência de prazos impossíveis. Além de estabelecer convênios pouco transparentes, que permitem até a indicação pessoal de entidades a serem contempladas (muitas delas já amplamente beneficiadas pelo poder público e completamente fora dos critérios originais do programa) e privilegiam abertamente a produção em detrimento das organizações de caráter comunitário, outras ações com forte base em relações pessoais encontram espaço na atuação da nossa entidade nacional;
d) Protagonista e beneficiária principal desses desvios, a Secretaria do CNC vem concentrando as ações que deveriam ser coletivas na direção, desestimulando e usurpando as funções de outras diretorias (como a de Formação, de Acervo e Difusão, de Comunicação, de Projetos...) , descontinuando iniciativas importantes – e mesmo fundamentais, como a Campanha pelos Direitos do Público - e encaminhando prioritariamente ações que também promovem e beneficiam o titular do cargo, com vistas às próximas eleições cineclubistas e/ou perspectivas de carreira política nas entidades de cinema.
A segunda razão é a impossibilidade de discutir as questões levantadas acima dentro da direção e sem prejuízo para o movimento. Explico-me: em primeiro lugar, fui afastado de fato da possibilidade de interferir na condução das ações de formação ligadas ao programa Cine+Cultura, apesar de ser o diretor dessa área e ter sido indicado, em reunião plenária da direção nacional, como coordenador, da parte do CNC, do projeto. A coordenação do Cine+Cultura pediu secretamente o meu afastamento da coordenação das oficinas do programa. Em reunião plena, a diretoria recusou altaneiramente essa interferência indevida e ilegal. Entretanto, já no dia seguinte fui retirado das listas de discussão de oficineiros e de participantes do projeto, assim como do rol dos oficineiros qualificados a dar oficinas, sem nenhuma manifestação de qualquer diretor do CNC (com exceção do Frank Ferreira que denunciou o fato sem obter resposta desta diretoria). Diversas correspondências entre o Cine+Cultura e a “nova coordenação do CNC”, deixaram isso bem claro nos dias e semanas seguintes. Esse modo de operação, típico do fascismo, de governos autoritários e/ou de gestionários desprovidos de caráter - pois usam seus cargos para benefício próprio, e fazem isso na surdina – se baseia também na cumplicidade ou ingenuidade do colegiado dirigente do cineclubismo brasileiro.
Minha tentativa de reação ao meu isolamento e à reorientação do programa de formação de dirigentes cineclubistas foi imediatamente respondida, por um diretor do CNC, com ataques pessoais e insinuações de caráter moral a que eu não quis responder, pois criaria um ambiente de troca de ofensas e acusações pessoais que só fariam estragar o espaço público do movimento, afastando pessoas e enfraquecendo a direção. Em vez da discussão política, transparente e respeitosa das divergências (essenciais para o avanço democrático do movimento), intrigas e insinuações. Esse tipo de atitude, de procurar destruir o interlocutor ao invés de atacar suas idéias é, como todos sabem, típico do nazi-fascismo. Mesmo depois do meu recuo e silêncio face a essa atitude, na seqüência passei a receber ameaças, algumas abertas e outras em mensagens privadas, de resto exatamente como já havia acontecido em outra ocasião. Quando notei que minha correspondência, tanto como diretor da federação paulista, como pessoal, estava sendo violada – isto é, minhas mensagens privadas, da lista da diretoria paulista e até mesmo da direção do CNC estavam sendo lidas por terceiros – percebi que não estava à altura desse tipo de “debate”, que não participo do mesmo patamar ético. Fora da direção, no entanto, poderei fazer frente a esses métodos em caráter pessoal e privado, sem envolver a entidade nacional dos cineclubes.
A terceira razão aponta para uma perspectiva mais otimista. Acredito que dei uma contribuição para o movimento, em diversos momentos. Contudo, face à expansão dos cineclubes, à emergência de novas experiências e o florescimento de novos talentos, não vejo a necessidade de ocupar um ou mais cargos de direção deste movimento. Ao contrário, creio que posso ser mais útil – porque nunca deixarei de ser cineclubista e de participar criticamente do movimento – em outras trincheiras, sem a veleidade do “poder” que nunca encarei como prêmio ou vantagem, mas como dever – e frequentemente sacrifício, na verdade. Os chamados dinossauros cineclubistas se preocupam em como passar o bastão, com o momento certo de largar cargos. Creio que não há uma solução para essa preocupação, um momento adequado e preciso para essa transição. Acho que a oportunidade aparece assim mesmo, como crise, como conflito – pior seria se fosse apenas pela decadência e esquecimento. Melhor pegar logo esse bonde, deixando não apenas qualquer veleidade de poder, mas sobretudo as responsabilidades que tanto nos pesaram, para aqueles que, justa ou injustamente, as querem disputar e por elas responderão junto ao movimento e ao restante do publico brasileiro.
A quarta razão é que deixo o País. Vou desenvolver um projeto de pesquisa sobre cineclubismo e organização do público para o qual não consegui apoio por aqui. Pretendo que seja uma oportunidade para outro nível de atuação no movimento cineclubista brasileiro e mundial.
Como o cineclubismo em mim é doença crônica e incurável, não me demito da condição de cineclubista. Pelo contrário. Dedicando-me aos estudos da organização do público, do cineclubismo e da história dessa relação, espero continuar contribuindo para uma compreensão mais profunda da nossa ação, do nosso movimento. Em uma nova trincheira, nos blogues e na internet, tentarei sistematizar uma crítica construtiva e consistente, que prometo será intensa, com relação aos desvios que creio observar em nosso movimento e em seu comando. Afastado da direção, poderei até “bater boca” em caráter pessoal, discutir ética e comportamento, se preciso for, sem desgastar meu querido CNC.
Continuo, como sempre, solidário e comprometido com os movimentos cineclubista e de organização do público, de aprofundamento da democracia brasileira e de transformação de uma realidade de opressão de classe, pela construção de um socialismo criativo e humano, em que não haja mais distinção entre proprietários e despossuídos, entre protagonistas e espectadores, entre artistas e platéias.
Saudações cineclubistas,
Felipe Macedo
Estou apresentando a minha demissão da Diretoria de Formação do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros.
Quatro ordens de motivos estão envolvidas na minha decisão de formalizar uma situação que, nesta diretoria, é praticamente uma realidade desde o dia seguinte à última reunião do CNC, em Atibaia, em março deste ano.
A primeira razão, e mais geral, é o fato de que hoje discordo da direção que está sendo dada ao movimento por nossa entidade nacional, relegando a organização do público a uma posição secundária e colocando o cineclubismo a reboque de um projeto superficial de criação de platéias para os filmes brasileiros. Subprodutos dessa orientação mais geral, a) desestimula- se e até se sufoca a discussão programática e teórica sobre o cineclubismo e suas possíveis e múltiplas orientações; b) a entidade nacional do movimento transforma-se em gestor auxiliar, quase um despachante do programa Cine+Cultura; c) o debate político substitui-se pela negociação de pequenas vantagens e pelo tráfego de influências voltado para o círculo vicioso de objetivos políticos menores, de prestígio ou, a médio prazo, eleitorais; d) corolário deste último, a direção do CNC se concentra quase exclusivamente num cargo e pessoa, comprometendo a democracia no seu sentido mais amplo e reduzindo a trajetória do movimento às perspectivas estreitas de um poder ilusório – mas suficiente para iludir e satisfazer certas vaidades:
a) A direção nacional do movimento cineclubista brasileiro representa uma ampla coalizão de regiões e orientações quanto à ação cineclubista, formada por ocasião da 27ª Jornada Nacional de Cineclubes, que a elegeu. Tal situação, extremamente positiva, deveria ensejar um aprofundamento do debate democrático, o confronto, na transparência e no respeito, das diversas visões e perspectivas que orientam os cineclubes brasileiros – as diversas esquerdas e as várias expressões do liberalismo, a organização do público ou a formação de platéias, a criação autoral ou coletiva, entre outras...
Sem essa discussão, no entanto, a “aliança” se transforma em mero instrumento de negociação de interesses e oportunidades. No momento em que o movimento conquista espaços institucionais importantíssimos, obtém programas de fomento à exibição - que se afirmam voltados para os setores populares – a análise e a crítica desaparecem e uma retórica uniforme de apoio à orientação de um setor específico do governo e do cinema brasileiro toma o seu lugar. O movimento não debate, sua direção não discute, mas o CNC se posiciona bastante, sempre em apoio aos mesmos segmentos, entidades e políticas, dependente de uma composição indiscutida que privilegia a produção autoral (não coletiva) e compreende o cineclubismo como espaço de realização dessa produção, de formação de platéias para essa produção, e não de organização do público, de expressão comunitária, de transformação social.
Numa ocasião como a atual, em que a legislação referente à cultura e ao audiovisual apresenta várias oportunidades de reforma e democratização, nosso movimento se posiciona meramente a reboque da “classe cinematográfica” - à qual só pertencemos nessa condição de apoiadores -, sob os aplausos da Secretaria do Audiovisual do MINC. A campanha pelos Direitos do Público, um exemplo eloqüente, foi abandonada, e a Carta de Tabor reificada em totem inofensivo, sem expressão política, reduzida a mera contraparte dos chamados direitos autorais;
b) As diferentes possibilidades de organização do público parecem convergir unicamente para o programa Cine+Cultura, da Secretaria do Audiovisual, que distribui recursos bem modestos para a formação de um circuito incipiente de exibição, altamente burocratizado e totalmente atrelado a uma repartição pública institucionalmente extremamente frágil. O CNC abdicou totalmente da orientação – que já havia, entretanto, conquistado - desse projeto, explicitamente orientado meramente para a criação de espaços de exibição e cujo objetivo, nas palavras de seu Coordendor (a propósito das oficinas de formação cineclubista) “não é formar quadros ou cineclubes”, mas criar uma rede de exibição que justifique os diversos programas de fomento a uma produção que não encontra espaço em outros canais de difusão. Dirigentes cineclubistas fornecem a mão de obra qualificada para a formação de exibidores, sob a condução exclusiva, e separada do movimento (em listas próprias e fechadas), do programa governamental. Com poucas exceções, as direções cineclubistas em todo o País estão ocupadas e mal remuneradas nesse projeto, em detrimento de outras iniciativas. Outros programas, outras alternativas, de muito maior importância para a ação comunitária, estão praticamente esquecidos na azáfama de administrar as demandas do Cine+Cultura. A direção desse processo é feita em circuito fechado, sem a participação da grande maioria dos cineclubes, e sua orientação é dada pelo programa, não pelo CNC (e contrariando os objetivos originais e legais do próprio governo);
c) O CNC deixa-se envolver em acordos decididos entre alguns “protagonistas”, apoiados em “aprovações” forçadas, por decorrência de prazos impossíveis. Além de estabelecer convênios pouco transparentes, que permitem até a indicação pessoal de entidades a serem contempladas (muitas delas já amplamente beneficiadas pelo poder público e completamente fora dos critérios originais do programa) e privilegiam abertamente a produção em detrimento das organizações de caráter comunitário, outras ações com forte base em relações pessoais encontram espaço na atuação da nossa entidade nacional;
d) Protagonista e beneficiária principal desses desvios, a Secretaria do CNC vem concentrando as ações que deveriam ser coletivas na direção, desestimulando e usurpando as funções de outras diretorias (como a de Formação, de Acervo e Difusão, de Comunicação, de Projetos...) , descontinuando iniciativas importantes – e mesmo fundamentais, como a Campanha pelos Direitos do Público - e encaminhando prioritariamente ações que também promovem e beneficiam o titular do cargo, com vistas às próximas eleições cineclubistas e/ou perspectivas de carreira política nas entidades de cinema.
A segunda razão é a impossibilidade de discutir as questões levantadas acima dentro da direção e sem prejuízo para o movimento. Explico-me: em primeiro lugar, fui afastado de fato da possibilidade de interferir na condução das ações de formação ligadas ao programa Cine+Cultura, apesar de ser o diretor dessa área e ter sido indicado, em reunião plenária da direção nacional, como coordenador, da parte do CNC, do projeto. A coordenação do Cine+Cultura pediu secretamente o meu afastamento da coordenação das oficinas do programa. Em reunião plena, a diretoria recusou altaneiramente essa interferência indevida e ilegal. Entretanto, já no dia seguinte fui retirado das listas de discussão de oficineiros e de participantes do projeto, assim como do rol dos oficineiros qualificados a dar oficinas, sem nenhuma manifestação de qualquer diretor do CNC (com exceção do Frank Ferreira que denunciou o fato sem obter resposta desta diretoria). Diversas correspondências entre o Cine+Cultura e a “nova coordenação do CNC”, deixaram isso bem claro nos dias e semanas seguintes. Esse modo de operação, típico do fascismo, de governos autoritários e/ou de gestionários desprovidos de caráter - pois usam seus cargos para benefício próprio, e fazem isso na surdina – se baseia também na cumplicidade ou ingenuidade do colegiado dirigente do cineclubismo brasileiro.
Minha tentativa de reação ao meu isolamento e à reorientação do programa de formação de dirigentes cineclubistas foi imediatamente respondida, por um diretor do CNC, com ataques pessoais e insinuações de caráter moral a que eu não quis responder, pois criaria um ambiente de troca de ofensas e acusações pessoais que só fariam estragar o espaço público do movimento, afastando pessoas e enfraquecendo a direção. Em vez da discussão política, transparente e respeitosa das divergências (essenciais para o avanço democrático do movimento), intrigas e insinuações. Esse tipo de atitude, de procurar destruir o interlocutor ao invés de atacar suas idéias é, como todos sabem, típico do nazi-fascismo. Mesmo depois do meu recuo e silêncio face a essa atitude, na seqüência passei a receber ameaças, algumas abertas e outras em mensagens privadas, de resto exatamente como já havia acontecido em outra ocasião. Quando notei que minha correspondência, tanto como diretor da federação paulista, como pessoal, estava sendo violada – isto é, minhas mensagens privadas, da lista da diretoria paulista e até mesmo da direção do CNC estavam sendo lidas por terceiros – percebi que não estava à altura desse tipo de “debate”, que não participo do mesmo patamar ético. Fora da direção, no entanto, poderei fazer frente a esses métodos em caráter pessoal e privado, sem envolver a entidade nacional dos cineclubes.
A terceira razão aponta para uma perspectiva mais otimista. Acredito que dei uma contribuição para o movimento, em diversos momentos. Contudo, face à expansão dos cineclubes, à emergência de novas experiências e o florescimento de novos talentos, não vejo a necessidade de ocupar um ou mais cargos de direção deste movimento. Ao contrário, creio que posso ser mais útil – porque nunca deixarei de ser cineclubista e de participar criticamente do movimento – em outras trincheiras, sem a veleidade do “poder” que nunca encarei como prêmio ou vantagem, mas como dever – e frequentemente sacrifício, na verdade. Os chamados dinossauros cineclubistas se preocupam em como passar o bastão, com o momento certo de largar cargos. Creio que não há uma solução para essa preocupação, um momento adequado e preciso para essa transição. Acho que a oportunidade aparece assim mesmo, como crise, como conflito – pior seria se fosse apenas pela decadência e esquecimento. Melhor pegar logo esse bonde, deixando não apenas qualquer veleidade de poder, mas sobretudo as responsabilidades que tanto nos pesaram, para aqueles que, justa ou injustamente, as querem disputar e por elas responderão junto ao movimento e ao restante do publico brasileiro.
A quarta razão é que deixo o País. Vou desenvolver um projeto de pesquisa sobre cineclubismo e organização do público para o qual não consegui apoio por aqui. Pretendo que seja uma oportunidade para outro nível de atuação no movimento cineclubista brasileiro e mundial.
Como o cineclubismo em mim é doença crônica e incurável, não me demito da condição de cineclubista. Pelo contrário. Dedicando-me aos estudos da organização do público, do cineclubismo e da história dessa relação, espero continuar contribuindo para uma compreensão mais profunda da nossa ação, do nosso movimento. Em uma nova trincheira, nos blogues e na internet, tentarei sistematizar uma crítica construtiva e consistente, que prometo será intensa, com relação aos desvios que creio observar em nosso movimento e em seu comando. Afastado da direção, poderei até “bater boca” em caráter pessoal, discutir ética e comportamento, se preciso for, sem desgastar meu querido CNC.
Continuo, como sempre, solidário e comprometido com os movimentos cineclubista e de organização do público, de aprofundamento da democracia brasileira e de transformação de uma realidade de opressão de classe, pela construção de um socialismo criativo e humano, em que não haja mais distinção entre proprietários e despossuídos, entre protagonistas e espectadores, entre artistas e platéias.
Saudações cineclubistas,
Felipe Macedo
Abaixo, parte do relatório apresentado ao Conselho Nacional de Cineclubes e ao Ministério das Relações Exteriores por ocasião do evento Voyages au Brésil, em que tive a honra de representar nosso País e o movimento cineclubista brasileiro.
Viagem à Tunísia
Cineclubismo na Tunísia
No quadro de uma “manifestação” cinematográfica – como gostam de chamar os colegas tunisianos – estive em Tunis entre os dias 18 e 23 de junho. Minha participação foi possível graças ao apoio da Embaixada brasileira naquela cidade e do Ministério das Relações Exteriores. Foi o evento chamado “Voyages au Brésil”, com uma pequena mostra de filmes, debates e oficinas, voltados principalmente para os dirigentes de cineclubes e cineastas do país. Na seqüência, essa “viagem brasileira” irá percorrer, em outubro, cineclubes da Capital e de várias regiões, com um formato mais “leve”, voltado para um público mais amplo e adequado para diferentes segmentos de público: os cineclubes tunisianos mantém atividades especializadas para os públicos adulto e infantil, por exemplo.
Uma característica muito importante do cineclubismo – ou do cinema – na Tunísia, é que os primeiros são bem mais numerosos que os últimos. O país conta com apenas 17 salas de cinema (segundo alguns, são 14), enquanto os cineclubes são algumas dezenas. A escolha do circuito cineclubista para a divulgação do cinema brasileiro, para o estabelecimento de relações culturais no ambiente do audiovisual e mesmo para a promoção do Brasil, num plano mais sério e aprofundado que uma publicidade superficial parece-me, portanto, muito acertada. Consideradas as dimensões modestas de quase todos os indicadores demográficos, em comparação com o Brasil – população pouco superior a 10 milhões e ausência de um verdadeiro mercado cinematográfico – os cineclubes constituem um grande canal de comunicação entre nossos países.
O cineclubismo na Tunísia tem sua origem na “época de ouro” do movimento, no pós-guerra, quando um intenso renascimento cultural deu vida a milhares de cineclubes em todo o mundo – principalmente a partir das influências italiana e francesa – que, por sua vez, estiveram na origem de fenômenos cinematográficos da importância do Neo-Realismo e da Nouvelle Vague.
Na esteira desse processo, a Federação Tunisiana de Cineclubes foi fundada em 1950. Nos anos seguintes à independência, tanto a produção cinematográfica (o primeiro filme tunisiano é de 1966) quanto o movimento cineclubista se consolidam e crescem. Nos anos 70, o movimento cineclubista chega a contar com cerca de 150 entidades no país. O governo seguinte, estabelecido no final dos anos 80, coincide com um retrocesso nas atividades culturais, enfraquecendo bastante os cineclubes. É importante observar que isso se passa também no plano internacional, com a rápida transformação das tecnologias de difusão e exibição audiovisual. Na virada do século, também em coincidência com o que ocorre no mundo todo, o movimento cineclubista se rearticula na Tunísia e vive, hoje, um processo de expansão e consolidação. Ainda
que submetidos a um controle institucional bastante rígido , que limita a manifestação de iniciativas espontâneas – típicas do cineclubismo - já se contam às dezenas os cineclubes, com uma federação nacional bem organizada, que participa ativamente do movimento cineclubista internacional.
Um novo diálogo
De fato, o evento “Voyages au Brésil” constituiu uma primeira experiência de aproximação direta entre o continente africano, ou pelo menos o Norte da África, e a América Latina. De um lado, como representante do Conselho Nacional de Cineclubes brasileiro – que ocupa a vice-presidência da FICC e desenvolve um intenso trabalho no nosso continente - também estava capacitado a estabelecer o contato com o movimento latino-americano. A Federação Tunisiana, por sua parte, também representava de certa maneira os cineclubes da Argélia e do Marrocos, com que mantém contatos assíduos, e nos aproximou mais da própria região subsaariana, por suas relações com o Mali e Burkina Fasso. Através de contatos anteriores e posteriores ao evento de Tunis, asseguramos que esses entendimentos estão prosseguindo: nesta semana, no Marrocos, a secretária da FICC para a América Latina, a argentina Cristina Marquese, participa de outro encontro cineclubista. Também já encaminhamos a participação da Tunísia na II Conferência Mundial de Cineclubismo, a realizar-se na cidade do México em agosto próximo. Serão confirmadas, nos próximos dias e semanas, as gestões para participações, de ambas as partes, em festivais de cinema dos dois países.
Uma característica muito importante do cineclubismo – ou do cinema – na Tunísia, é que os primeiros são bem mais numerosos que os últimos. O país conta com apenas 17 salas de cinema (segundo alguns, são 14), enquanto os cineclubes são algumas dezenas. A escolha do circuito cineclubista para a divulgação do cinema brasileiro, para o estabelecimento de relações culturais no ambiente do audiovisual e mesmo para a promoção do Brasil, num plano mais sério e aprofundado que uma publicidade superficial parece-me, portanto, muito acertada. Consideradas as dimensões modestas de quase todos os indicadores demográficos, em comparação com o Brasil – população pouco superior a 10 milhões e ausência de um verdadeiro mercado cinematográfico – os cineclubes constituem um grande canal de comunicação entre nossos países.
O cineclubismo na Tunísia tem sua origem na “época de ouro” do movimento, no pós-guerra, quando um intenso renascimento cultural deu vida a milhares de cineclubes em todo o mundo – principalmente a partir das influências italiana e francesa – que, por sua vez, estiveram na origem de fenômenos cinematográficos da importância do Neo-Realismo e da Nouvelle Vague.
Na esteira desse processo, a Federação Tunisiana de Cineclubes foi fundada em 1950. Nos anos seguintes à independência, tanto a produção cinematográfica (o primeiro filme tunisiano é de 1966) quanto o movimento cineclubista se consolidam e crescem. Nos anos 70, o movimento cineclubista chega a contar com cerca de 150 entidades no país. O governo seguinte, estabelecido no final dos anos 80, coincide com um retrocesso nas atividades culturais, enfraquecendo bastante os cineclubes. É importante observar que isso se passa também no plano internacional, com a rápida transformação das tecnologias de difusão e exibição audiovisual. Na virada do século, também em coincidência com o que ocorre no mundo todo, o movimento cineclubista se rearticula na Tunísia e vive, hoje, um processo de expansão e consolidação. Ainda
que submetidos a um controle institucional bastante rígido , que limita a manifestação de iniciativas espontâneas – típicas do cineclubismo - já se contam às dezenas os cineclubes, com uma federação nacional bem organizada, que participa ativamente do movimento cineclubista internacional.
Um novo diálogo
De fato, o evento “Voyages au Brésil” constituiu uma primeira experiência de aproximação direta entre o continente africano, ou pelo menos o Norte da África, e a América Latina. De um lado, como representante do Conselho Nacional de Cineclubes brasileiro – que ocupa a vice-presidência da FICC e desenvolve um intenso trabalho no nosso continente - também estava capacitado a estabelecer o contato com o movimento latino-americano. A Federação Tunisiana, por sua parte, também representava de certa maneira os cineclubes da Argélia e do Marrocos, com que mantém contatos assíduos, e nos aproximou mais da própria região subsaariana, por suas relações com o Mali e Burkina Fasso. Através de contatos anteriores e posteriores ao evento de Tunis, asseguramos que esses entendimentos estão prosseguindo: nesta semana, no Marrocos, a secretária da FICC para a América Latina, a argentina Cristina Marquese, participa de outro encontro cineclubista. Também já encaminhamos a participação da Tunísia na II Conferência Mundial de Cineclubismo, a realizar-se na cidade do México em agosto próximo. Serão confirmadas, nos próximos dias e semanas, as gestões para participações, de ambas as partes, em festivais de cinema dos dois países.
Esta viagem à Tunísia, para apresentar uma “viagem ao Brasil”, torna-se, desta maneira, um acontecimento de alcance histórico para o cineclubismo, abrindo uma série de iniciativas que visam consolidar um intercâmbio plural e produtivo entre culturas que antes só se comunicavam, precariamente, através de longas e custosas intermediações e escalas em países do hemisfério Norte. De fato, uma espécie de bordão rítmico e bem humorado marcou nosso encontro: Sud – Sud. Diálogo e conhecimento mútuo já: Sul – Sul!
Mas foi especificamente para o cineclubismo, o cinema e a cultura do Brasil que o evento foi mais proveitoso, claro. Ele abriu, de imediato, a perspectiva de troca de filmes, com direitos regularizados, entre os dois países. Até agora, a Embaixada do Brasil em Tunis promoveu o cinema e a cultura brasileira naquele país, mas essa ação apenas promovia um lado da equação. Passamos a uma nova fase, de efetivo intercâmbio, sem dúvida por causa de uma concepção democrática e generosa, por parte do nosso corpo diplomático, do papel de divulgar o Brasil: promover nossa cultura entendido como processo de integração, sem imposição – uma originalidade em relação a outras orientações empregadas na divulgação da cultura e dos bens culturais de muitos países...
Além de aproximar os cineclubes, estabelecer uma base inicial para um intercâmbio mais profícuo, também foram lançadas bases para uma aproximação entre os realizadores, especialmente no campo do curta-metragem e do documentário. Em todas as atividades promovidas durante a “Voyage au Brésil”, estiveram presentes representantes da Associação de Cineastas Amadores da Tunísia, que tem seu mais próximo equivalente na Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas - ABD. Através do Conselho Nacional de Cineclubes, vamos repassar contatos e agilizar as oportunidades de encontro entre cineastas dos dois países – e regiões – especialmente por ocasião de festivais ligados às entidades citadas, de cineclubes e de cineastas.
Perspectivas de colaboração entre o CNC e o Itamaraty
A ação da embaixada brasileira em Tunis constituiu-se num verdadeiro precedente objetivo para um interesse e uma demanda, talvez reprimida, de ambos os lados. De uma parte, em que pese minha informação limitada, parece-me que a utilização do “pacote” (na falta de expressão melhor) de filmes disponibilizado pelo Itamaraty nestas “Voyages au Brésil”, através da colaboração com o movimento de cineclubes local, mostrou de forma inaugural a possibilidade de promoção de um diálogo e intercâmbio equitável, abrindo canais diretos entre setores muito dinâmicos – jovens, socialmente muito distribuídos, etc – das respectivas sociedades. Para o movimento cineclubista brasileiro representou um apoio muito importante, material e institucional, para o estabelecimento do que chamamos mais acima de uma concreta relação Sul – Sul.
Das reuniões realizadas ao longo do evento, a que se deve acrescer a consulta feita à direção do CNC e à FICC, após o meu retorno, surgem diversas possibilidades que gostaríamos de apresentar à apreciação da Embaixada e, através dela, ao Ministério das Relações Exteriores:
• Institucionalização dessas “Voyages ao Brésil”, transformando-as em evento anual, com a apresentação de projeto – pelo CNC e FTCC - para incentivo de lei federal de fomento (Rouanet ou outra). O evento seria constituído, basicamente, de uma mostra de filmes de longa e curta metragem, realização de palestras, debates e oficinas, com a presença de cineclubistas e cineastas brasileiros;
• Extensão do mesmo conceito a outras embaixadas e países, com federações nacionais de cineclubes nacionais e agregando a participação da Federação Internacional de Cineclubes, bem como outros apoios oficiais e privados;
• Utilização, numa perspectiva mais objetiva e imediata, do “pacote” de filmes de divulgação distribuído pelo MRE às suas representações, através da promoção de eventos de naturezas diversas, em conjunto com as federações nacionais de cineclubes, sob coordenação da FICC, através do CNC;
• Possibilidade de convênio entre o Itamaraty e CineSud – distribuidora mundial de filmes para cineclubes e cinemas sem fins lucrativos – e Filmoteca Carlos Vieira (equivalente e extensão brasileira desse mecanismo de difusão) para a promoção de mostras e circuitos de filmes brasileiros em todo o mundo;
• Apoio à criação de cineclubes junto às comunidades brasileiras em países estrangeiros.
Neste ensejo, gostaria de agradecer, em meu nome pessoal, do Conselho Nacional de Cineclubes e do movimento cineclubista brasileiro e internacional, não apenas pelo apoio – cujo significado acredito ter avaliado nas linhas anteriores – mas muito especialmente pela gentileza e atenção, somadas ao profissionalismo, com que fui assistido durante toda a minha estadia em Tunis.
Meu reconhecimento especial ao perfeito acompanhamento do evento através da sra. Alice Bornhofen, à participação do ministro David Silveira da Mota Neto e todo o apoio recebido sob a esclarecida condução do embaixador Elim Dutra.
Atenciosamente,
Felipe Macedo
Diretor de Formação
Assessor de Relações Internacionais
Assessor de Relações Internacionais
Conselho Nacional de Cineclubes
sábado, 2 de maio de 2009
Hegemonia e Cineclube (revisão de um texto meu dos anos 70)
A questão do lucro e da apropriação privada dos resultados do processo audiovisual remete a um outro aspecto: a divisão, na sociedade, entre os que têm o controle da produção e principalmente da distribuição do cinema, e aqueles a quem cabe apenas o papel de espectadores. Na visão de alguns teóricos cineclubistas[1], isso cria uma espécie de proletariado da comunicação ou do audiovisual, a que cabe apenas o papel de platéia passiva e a função de reproduzir um sistema de dominação.
Essa concepção apóia-se inicialmente no pensamento de Antonio Gramsci, e mais diretamente em sua conceituação da questão da hegemonia. Acreditando que as classes sociais disputam o poder na sociedade, o conceito gramsciano de hegemonia procura descrever a dialética de domínio e direção, os dois elementos necessários para que uma classe, ou bloco de classes, seja dominante numa sociedade.
Em outras palavras, uma classe domina as demais sobretudo por dispor de um aparato de coerção, quase sempre ligado ao Estado, constituído pelo monopólio da força: judiciário, polícia, exército. Este seria, então, o terreno da função de domínio da sociedade.
Mas apenas a força não é suficiente para assegurar uma estabilidade permanente. Os regimes baseados exclusivamente neste elemento de coerção têm maior ou menor duração histórica, mas sempre acabam por se desintegrar. Assim, uma classe que pretende ocupar uma posição dominante na sociedade tem de ser capaz de apresentar a sua própria ideologia, a sua visão de mundo, como sendo universal, como sendo verdadeira para os demais setores da sociedade (e, portanto, como não sendo mais uma ideologia). No maior grau possível, sua visão de mundo e o projeto político que ela encerra, têm de representar uma espécie de consenso da nação. Assim ela exerce a direção das demais classes (ou da maioria, ao menos).
Uma classe é hegemônica quando reúne essas duas condições, domínio mais direção, já que, isoladamente, nenhuma delas é suficiente para assegurar a estabilidade da sua supremacia.
Além do poder de coerção, a estabilidade do sistema, o capitalismo, e das classes a que ele beneficia estão fundamentalmente baseados na sua capacidade de apresentar-se como o melhor regime possível, o sistema das liberdades individuais e da fartura de bens de consumo. Não importa que essas liberdades efetivamente não existam no grau em que são apresentadas; que elas sejam limitadas seja por um alto nível de fragilidade institucional, nos países ditos do Terceiro Mundo, ou pelo poder extraordinário dos grandes grupos econômicos, por trás de todas as instituições que produzem conhecimento - ou melhor, ideologia - como as escolas, a imprensa, a televisão, etc. Não importa, também, que à alegada fartura de bens de consumo corresponda na verdade uma enorme miséria, seja nos países espoliados pelo imperialismo ou mesmo nos enormes bolsões de pobreza absoluta que se encontram cada vez mais nos países mais avançados do capitalismo. Haveria exemplo mais eloqüente que o da a atual crise econômica, quando os prejuízos de uma elite limitadíssima são distribuídos para todo o mundo, numa escala absolutamente inédita? Em meio aos escândalos de lucros pessoais, de salários nababescos pagos aos piratas que provocaram e são beneficiados por esta crise, reconstrói-se o “consenso” em torno do capital e o dinheiro público é investido maciçamente para salvar o sistema que, mais adiante, se e quando saneado, será novamente privatizado, devolvido à mesma quadrilha que controla as finanças do planeta.
O que importa, no sentido de que a classe dominante consiga manter a sua hegemonia sobre as demais classes sociais, é a sua capacidade de apresentar e convencer estas últimas de que seu regime é o melhor possível. Importa é que o senso comum da população esteja impregnado e convencido dessa idéia; que, nos mínimos detalhes do cotidiano, o capitalismo esteja se reproduzindo diariamente, na "naturalidade" com que se encaram os atos da sua reprodução: as relações de trabalho, os valores, comportamentos, etc.
Essa concepção apóia-se inicialmente no pensamento de Antonio Gramsci, e mais diretamente em sua conceituação da questão da hegemonia. Acreditando que as classes sociais disputam o poder na sociedade, o conceito gramsciano de hegemonia procura descrever a dialética de domínio e direção, os dois elementos necessários para que uma classe, ou bloco de classes, seja dominante numa sociedade.
Em outras palavras, uma classe domina as demais sobretudo por dispor de um aparato de coerção, quase sempre ligado ao Estado, constituído pelo monopólio da força: judiciário, polícia, exército. Este seria, então, o terreno da função de domínio da sociedade.
Mas apenas a força não é suficiente para assegurar uma estabilidade permanente. Os regimes baseados exclusivamente neste elemento de coerção têm maior ou menor duração histórica, mas sempre acabam por se desintegrar. Assim, uma classe que pretende ocupar uma posição dominante na sociedade tem de ser capaz de apresentar a sua própria ideologia, a sua visão de mundo, como sendo universal, como sendo verdadeira para os demais setores da sociedade (e, portanto, como não sendo mais uma ideologia). No maior grau possível, sua visão de mundo e o projeto político que ela encerra, têm de representar uma espécie de consenso da nação. Assim ela exerce a direção das demais classes (ou da maioria, ao menos).
Uma classe é hegemônica quando reúne essas duas condições, domínio mais direção, já que, isoladamente, nenhuma delas é suficiente para assegurar a estabilidade da sua supremacia.
Além do poder de coerção, a estabilidade do sistema, o capitalismo, e das classes a que ele beneficia estão fundamentalmente baseados na sua capacidade de apresentar-se como o melhor regime possível, o sistema das liberdades individuais e da fartura de bens de consumo. Não importa que essas liberdades efetivamente não existam no grau em que são apresentadas; que elas sejam limitadas seja por um alto nível de fragilidade institucional, nos países ditos do Terceiro Mundo, ou pelo poder extraordinário dos grandes grupos econômicos, por trás de todas as instituições que produzem conhecimento - ou melhor, ideologia - como as escolas, a imprensa, a televisão, etc. Não importa, também, que à alegada fartura de bens de consumo corresponda na verdade uma enorme miséria, seja nos países espoliados pelo imperialismo ou mesmo nos enormes bolsões de pobreza absoluta que se encontram cada vez mais nos países mais avançados do capitalismo. Haveria exemplo mais eloqüente que o da a atual crise econômica, quando os prejuízos de uma elite limitadíssima são distribuídos para todo o mundo, numa escala absolutamente inédita? Em meio aos escândalos de lucros pessoais, de salários nababescos pagos aos piratas que provocaram e são beneficiados por esta crise, reconstrói-se o “consenso” em torno do capital e o dinheiro público é investido maciçamente para salvar o sistema que, mais adiante, se e quando saneado, será novamente privatizado, devolvido à mesma quadrilha que controla as finanças do planeta.
O que importa, no sentido de que a classe dominante consiga manter a sua hegemonia sobre as demais classes sociais, é a sua capacidade de apresentar e convencer estas últimas de que seu regime é o melhor possível. Importa é que o senso comum da população esteja impregnado e convencido dessa idéia; que, nos mínimos detalhes do cotidiano, o capitalismo esteja se reproduzindo diariamente, na "naturalidade" com que se encaram os atos da sua reprodução: as relações de trabalho, os valores, comportamentos, etc.
Isto é a capacidade de direção, isto é o complemento indispensável da força, para se dizer que o capitalismo e a burguesia são hegemônicos: sua ideologia é universalizante, fazendo parte, inclusive, do senso comum da (maioria) da população.
A ideologia é um conjunto de valores (hábitos, costumes, tradições, preconceitos, etc.). A capacidade de universalizar, de generalizar para as demais classes a sua ideologia é dada pelas instituições, que Gramsci chamou de instituições valorativas ou aparelhos de hegemonia, porque estão, justamente, ligadas à difusão de valores. E, se quase todas as instituições exercem esse papel de disseminar a ideologia da supremacia burguesa, em maior ou menor grau, é claro que algumas dentre elas saltam à vista pelo seu caráter mais "especializado", pela sua função mais imediata e obviamente ideológica: o sistema educacional, a imprensa e todas as organizações que compõem a chamada indústria cultural.
Então, se as classes sociais competem entre si pela supremacia na sociedade - a chamada luta de classes - é óbvio que as classes lutam não apenas pela capacidade de domínio, mas também pela possibilidade de direção da sociedade. E que, portanto, essa luta não se dá apenas no plano econômico e político - ou militar - mas também no plano ideológico. O terreno, a arena da luta de classes não é constituído apenas pelas frentes sindicais e partidárias mas, com igual importância, pela frente ideológica e ética e pelo campo cultural.
Na mesma medida em que as classes sociais concorrem entre si para se apropriar do Estado, também competem pela influência na sociedade civil (que inclui muitas instituições estatais). A disputa por ambas as funções - de domínio e de direção - é igualmente importante: é inseparável e concomitante.
Daí que as classes sociais subalternas, que disputam com a burguesia a supremacia na sociedade, sempre que organizem instituições valorativas sob sua direção, enfraquecem e até impedem a supremacia burguesa. Nesse processo, forjam as formas, as superestruturas do seu poder futuro. Isto é, vão construindo as instituições que serão o canal para o exercício da sua hegemonia, o que é, ao mesmo tempo, condição indispensável para o seu próprio triunfo[2].
Além disso, as instituições sociais não são todas originárias do domínio burguês, e é possível fazer uma extensa listagem de, digamos, contra-instituições, a serviço das classes subalternas, como certos partidos políticos, por exemplo. Mas também o são um teatro nacional popular, escolas ligadas à formação de quadros sindicais, o próprio sindicato autônomo do Estado e - onde queríamos chegar - os cineclubes.
Dessa maneira a gente pode chegar a uma compreensão do que seja cineclube. Uma definição não estreita nem sectária, que é capaz de compreender as inúmeras formas diferentes em que os cineclubes se constituem na realidade, sem reduzi-las a uma receita dogmática. E que comporta uma compreensão do papel estratégico que têm os cineclubes, sua função histórica, política, social e cultural.
Cineclube, portanto, é uma forma de organização do público que visa resgatar à ideologia dominante - organizada e expressa pela forma tradicional do cinema comercial - sua influência de dominação, constituindo-se como uma instituição valorativa, de hegemonia, a serviço das classes populares, forjando, desde já a democracia na organização do processo de comunicação. Construindo, desde já, uma nova relação entre o público e o cinema, e um novo cinema, que advém exatamente dessa nova relação do público com a arte.
A ideologia é um conjunto de valores (hábitos, costumes, tradições, preconceitos, etc.). A capacidade de universalizar, de generalizar para as demais classes a sua ideologia é dada pelas instituições, que Gramsci chamou de instituições valorativas ou aparelhos de hegemonia, porque estão, justamente, ligadas à difusão de valores. E, se quase todas as instituições exercem esse papel de disseminar a ideologia da supremacia burguesa, em maior ou menor grau, é claro que algumas dentre elas saltam à vista pelo seu caráter mais "especializado", pela sua função mais imediata e obviamente ideológica: o sistema educacional, a imprensa e todas as organizações que compõem a chamada indústria cultural.
Então, se as classes sociais competem entre si pela supremacia na sociedade - a chamada luta de classes - é óbvio que as classes lutam não apenas pela capacidade de domínio, mas também pela possibilidade de direção da sociedade. E que, portanto, essa luta não se dá apenas no plano econômico e político - ou militar - mas também no plano ideológico. O terreno, a arena da luta de classes não é constituído apenas pelas frentes sindicais e partidárias mas, com igual importância, pela frente ideológica e ética e pelo campo cultural.
Na mesma medida em que as classes sociais concorrem entre si para se apropriar do Estado, também competem pela influência na sociedade civil (que inclui muitas instituições estatais). A disputa por ambas as funções - de domínio e de direção - é igualmente importante: é inseparável e concomitante.
Daí que as classes sociais subalternas, que disputam com a burguesia a supremacia na sociedade, sempre que organizem instituições valorativas sob sua direção, enfraquecem e até impedem a supremacia burguesa. Nesse processo, forjam as formas, as superestruturas do seu poder futuro. Isto é, vão construindo as instituições que serão o canal para o exercício da sua hegemonia, o que é, ao mesmo tempo, condição indispensável para o seu próprio triunfo[2].
Além disso, as instituições sociais não são todas originárias do domínio burguês, e é possível fazer uma extensa listagem de, digamos, contra-instituições, a serviço das classes subalternas, como certos partidos políticos, por exemplo. Mas também o são um teatro nacional popular, escolas ligadas à formação de quadros sindicais, o próprio sindicato autônomo do Estado e - onde queríamos chegar - os cineclubes.
Dessa maneira a gente pode chegar a uma compreensão do que seja cineclube. Uma definição não estreita nem sectária, que é capaz de compreender as inúmeras formas diferentes em que os cineclubes se constituem na realidade, sem reduzi-las a uma receita dogmática. E que comporta uma compreensão do papel estratégico que têm os cineclubes, sua função histórica, política, social e cultural.
Cineclube, portanto, é uma forma de organização do público que visa resgatar à ideologia dominante - organizada e expressa pela forma tradicional do cinema comercial - sua influência de dominação, constituindo-se como uma instituição valorativa, de hegemonia, a serviço das classes populares, forjando, desde já a democracia na organização do processo de comunicação. Construindo, desde já, uma nova relação entre o público e o cinema, e um novo cinema, que advém exatamente dessa nova relação do público com a arte.
Compreender o cineclube, vale dizer, o cineclubismo, principalmente a partir da sua evolução histórica, é perceber que ele é também um movimento em devir dialético. Nesse sentido, mesmo hoje a gente pode observar muitas das formas de cineclube que foram, em outras épocas, as formas mais comuns, as formas dominantes daquele tempo. E desde as formas mais "primitivas", menos conscientes do seu papel histórico e cultural, os cineclubes já continham dentro de si as contradições que os fazem evoluir no sentido de realizar plenamente sua condição de contra-instituição, de aparato social não mais de dominação ideológica, mas de realização integral do conhecimento na relação democrática do público com a obra audiovisual.
Os primeiros cineclubes surgiram, no final da segunda década do século passado, como uma reação à excessiva padronização que a monopolização do cinema instituiu. Contudo, já nasceram como uma organização sem fins lucrativos - o que os separava radicalmente dos valores de mercado -, já nasceram baseados numa estrutura coletiva e democrática e já nasceram com uma clara disposição de se contrapor ao poder monopolizado e alienador do cinema comercial, valorizando as obras que não encontravam distribuição no mercado comercial ou que eram alijadas por motivos estéticos, políticos, etc. Os cineclubes nasceram como forma de organização do público.
Dessas características de todos os cineclubes: a econômica, que os distingue da iniciativa capitalista; a política, que os organiza de maneira democrática, e a ideológica, mais variável, mas que sempre os coloca fora ou contra os poderes econômicos ou políticos, decorre o caráter dialético da estrutura do cineclubismo, que sempre os impulsiona a resolver suas contradições. É claro que isso nem sempre acontece, que freqüentemente os cineclubes nem sequer consolidam a sua organização interna de maneira a consagrar essa característica democrática. Mas, no transcorrer da sua história, a maioria dos cineclubes - e o movimento cineclubista, enquanto tendência histórica e social - obedeceu a essa progressão, em que as formas mais avançadas foram superando as mais atrasadas. O cineclubismo se torna cada vez mais democrático e popular.
Por isso, hoje, quando o modelo mundial de cinema, determinado por Hollywwod, exclui a quase totalidade da população[3], ou relega ao novo proletariado do conhecimento um consumo de segunda classe, os cineclubes aparecem como a opção possível para a generalização do acesso ao audovisual e a democratização mais profunda da relação entre o público e o processo de comunicação de informação, conhecimento e cultura.
[1] Filippo M. De Sanctis, Fabio Masala e outros.
[2] Sobre a questão ver: Gruppi, Luciano – O Conceito de Hegemonmia em Gramsci – Edições Graal – Rio de Janeiro, 1978, ou Althusser, Louis – Aparelhos Ideológicos de Estado – Edições Graal – Rio de Janeiro, 1985
[3] No Brasil, como em outros países subdesenvolvidos, menos de 10% da população têm acesso ao cinema. Todos os indicadores sociais referentes à cultura são inferiores a esse percentual: teatros, bibliotecas, espetáculos, etc. Apenas a televisão chamada de “aberta” é acessível ao conjunto da população
Os primeiros cineclubes surgiram, no final da segunda década do século passado, como uma reação à excessiva padronização que a monopolização do cinema instituiu. Contudo, já nasceram como uma organização sem fins lucrativos - o que os separava radicalmente dos valores de mercado -, já nasceram baseados numa estrutura coletiva e democrática e já nasceram com uma clara disposição de se contrapor ao poder monopolizado e alienador do cinema comercial, valorizando as obras que não encontravam distribuição no mercado comercial ou que eram alijadas por motivos estéticos, políticos, etc. Os cineclubes nasceram como forma de organização do público.
Dessas características de todos os cineclubes: a econômica, que os distingue da iniciativa capitalista; a política, que os organiza de maneira democrática, e a ideológica, mais variável, mas que sempre os coloca fora ou contra os poderes econômicos ou políticos, decorre o caráter dialético da estrutura do cineclubismo, que sempre os impulsiona a resolver suas contradições. É claro que isso nem sempre acontece, que freqüentemente os cineclubes nem sequer consolidam a sua organização interna de maneira a consagrar essa característica democrática. Mas, no transcorrer da sua história, a maioria dos cineclubes - e o movimento cineclubista, enquanto tendência histórica e social - obedeceu a essa progressão, em que as formas mais avançadas foram superando as mais atrasadas. O cineclubismo se torna cada vez mais democrático e popular.
Por isso, hoje, quando o modelo mundial de cinema, determinado por Hollywwod, exclui a quase totalidade da população[3], ou relega ao novo proletariado do conhecimento um consumo de segunda classe, os cineclubes aparecem como a opção possível para a generalização do acesso ao audovisual e a democratização mais profunda da relação entre o público e o processo de comunicação de informação, conhecimento e cultura.
[1] Filippo M. De Sanctis, Fabio Masala e outros.
[2] Sobre a questão ver: Gruppi, Luciano – O Conceito de Hegemonmia em Gramsci – Edições Graal – Rio de Janeiro, 1978, ou Althusser, Louis – Aparelhos Ideológicos de Estado – Edições Graal – Rio de Janeiro, 1985
[3] No Brasil, como em outros países subdesenvolvidos, menos de 10% da população têm acesso ao cinema. Todos os indicadores sociais referentes à cultura são inferiores a esse percentual: teatros, bibliotecas, espetáculos, etc. Apenas a televisão chamada de “aberta” é acessível ao conjunto da população
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Consulta Pública
Queria deixar uma rápida reflexão, bem prática, a respeito da Consulta Pública sobre o Profic, com reflexos nas diversas outras iniciativas do governo e de sua base parlamentar quanto à legislação da cultura. Ainda não discutimos propostas propriamente cineclubistas para essas medidas.
Trata-se de uma batalha fundamental para a definição do quadro legal em que vão se situar as políticas públicas para a cultura nos próximos anos. Nessa mesma batalha se definirão as formas e os volumes de recursos aplicados na cultura e, especialmente, em que proporções, para cada setor, linguagem, etc. Para mim o mais importante de tudo, também se coloca nesta batalha a questão do público e do acesso da população à cultura, à informação, à comunicação.
É uma batalha em várias frentes, contrariamente ao que recomendam os melhores estrategistas, pois vários projetos - de lei (que depois levam a outros combates importantes, que são os decretos que as regulamentarã o), emendas constitucionais, etc - estão sendo apresentados simultaneamente: Profic, PEC 150, Plano Nacional de Cultura, entre outros. E tudo convergindo para um momento de início de campanha sucessória...
A questão que vem primeiro é a da Consulta Pública sobre o Profic. Até agora, em que pese as iniciativas de muitas entidades culturais, a maior parte das manifestações na Consulta Pública e a maior movimentação visível - graças ao comprometimento da grande imprensa na questão - têm sido as dos setores contrários à reforma da legislação. São a Globo, a Folha de São Paulo, os grandes institutos culturais de instituições bancárias, os grandes beneficiários e captadores dos mecanismos de fomento em seu formato atual.
É fundamental que cada cineclubista mande seus comentários, sugestões, críticas ou simplesmente manifestações de apoio para a Casa Civil, no mecanismo de consulta.
É preciso criar uma verdadeira barragem de fogo contra os setores elitistas e reacionários, que não querem mudança nenhuma, não querem debate. E estão ocupando muito espaço. Nós já demos esse exemplo na consulta pública da Instrução Normativa da Ancine sobre cineclubes, quando reunimos mais de 700 manifestações.
Para participar da Consulta Pública sobre o PROFIC, acesse o texto em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consulta_publica/programa_fomento.htm ou nos arquivos desta lista e envie suas sugestões para o endereço eletrônico http://br.mc321.mail.yahoo.com/mc/compose?to=profic@planalto.gov.br ou, por correio, para
Presidência da República,
Palácio do Planalto, 4o andar, sala 3
Brasília-DF
CEP 70.150-900.
Eu gostaria de ter feito e de poder disponibilizar um estudo mais aprofundado sobre essas questões todas, como fizemos na época da proposta de criação da Ancinav ( que ainda pode ser visto, como curiosidade, no velho saite: http://cineclube.utopia.com.br/, em "documentos e textos de cineclubismo" ). Haverá tempo, talvez, posteriormente, porque a fase de consulta pública desta lei é apenas um estágio do processo. A etapa decisiva será a discussão no Congresso.
Mas queria indicar, a título de contribuição, alguns temas muito importantes para os cineclubes considerarem e, eventualmente, se manifestarem:
1) O CNC já se posicionou junto com outras entidades da que está sendo chamada de "área cultural" do audiovisual, em favor de algumas modificações no projeto de lei do Profic. A proposta mais destacada dessa manifestação é a de "inserir no Art. 8º do Projeto de Lei a criação de um Fundo Setorial específico de Fomento e Desenvolvimento do Cinema Não Comercial" e uma alocação de recursos definida para o mesmo (ver mensagem da Secretaria do CNC nesta lista).
2) Importante: no projeto de lei, esses fundos não constituem apenas recursos financeiros. Em torno da sua constituição é que será composta a própria Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC, modificada por este projeto. Portanto, os fundos são também uma forma de participação dos setores na definição, gestão e controle das políticas públicas para a cultura.
3) Sem prejuízo do item 1 anterior, a lei já prevê um Fundo Setorial da Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural. Mas o texto não define sua composição, que será decidida mais provavelmente através de decreto específico: há muito que lutar. Talvez, enquanto "formas de organização do público" de base comunitária, considerando as questões de acessibilidade e de expressão das regiões, gêneros, etnias, etc, através dos cineclubes, nós nos enquadrássemos bem, também - ou até principalmente - neste setor. E aqui também não haveria uma disputa muito acirrada com a "produção", as verbas para produção - afetas ao outro fundo proposto.
O artigo 17 trata da distribuição de recursos do FNC entre os fundos que o constituem.
Ou seja, este tema, dos fundos, engloba representação, volume e distribuição de recursos, entre outros assuntos vitais para nós.
4) O artigo 15 fala da transferência para estados e municípios. É um volume inédito de recursos - especialmente se passar a PEC 150 - e um ponto muito importante para as organizações regionais dos cineclubes e para estes últimos, em suas cidades.
5) Há também o Fundo Global de Equalização, um nome engraçado para uma área importante em que também, creio, temos grande interesse: ações transversais. Os cineclubes e os espaços que utilizamos frequentemente estão associados a outras atividades, linguagens, vivências. Nossa relação coma Educação, com as escolas, que precisamos tanto desenvolver, seria, talvez, um dos grandes eixos de operação nessa rubrica de "ações transversais" .
6) O art. 21 fala da possibilidade de transferência de bens e equipamentos, o que é um dos grandes entraves da legislação e dos programas atuais.
7) O art. 23 trata dos percentuais de incentivo, entre outros, das pessoas físicas. A regulamentação desse tipo de ação pode ser muito importante para a captação de recursos dos cineclubes bem inseridos em suas comunidades: um mecanismo que facilitasse, descomplicasse realmente as doações de pessoas físicas poderia permitir a captação na comunidade, na vizinhança...
8) O artigo 32 fala da importância do critério de acessibilidade. Para quem está convencido da justeza da nossa Campanha pelos Direitos do Público, esta é a grande abertura para a discussão da importância do nosso tema, uma vez que o enfoque predominante em toda a política cultural tem sido sempre a produção e não a acessibilidade (sem a qual aquela não faz pleno sentido), ou seja, o público. Creio que este é um dos principais temas da discussão.
9) O artigo 49 fala da disponibilização (prazos de licenciamento) das produções realizadas com recursos públicos para fins educacionais e sem fins lucrativos. É fundamental para o acesso dos cineclubes às produções audiovisuais.
10) Outra questão importante á a da criação do Vale Cultura, meio parecido com o vale refeição. Com estímulo do estado, os trabalhadores poderão ter acesso a ingressos para uma série de atividades culturais (o estado paga 30%, o empregador 50% e o empregado 20%). Creio que temos que nos colocar a questão de os cineclubes estarem previstos nesse tipo de procedimento, o que envolve considerar também se vamos manter alguma espécie de taxa de manutenção. Enfim, um assunto a pensar e onde podem caber sugestões também.
Queria deixar uma rápida reflexão, bem prática, a respeito da Consulta Pública sobre o Profic, com reflexos nas diversas outras iniciativas do governo e de sua base parlamentar quanto à legislação da cultura. Ainda não discutimos propostas propriamente cineclubistas para essas medidas.
Trata-se de uma batalha fundamental para a definição do quadro legal em que vão se situar as políticas públicas para a cultura nos próximos anos. Nessa mesma batalha se definirão as formas e os volumes de recursos aplicados na cultura e, especialmente, em que proporções, para cada setor, linguagem, etc. Para mim o mais importante de tudo, também se coloca nesta batalha a questão do público e do acesso da população à cultura, à informação, à comunicação.
É uma batalha em várias frentes, contrariamente ao que recomendam os melhores estrategistas, pois vários projetos - de lei (que depois levam a outros combates importantes, que são os decretos que as regulamentarã o), emendas constitucionais, etc - estão sendo apresentados simultaneamente: Profic, PEC 150, Plano Nacional de Cultura, entre outros. E tudo convergindo para um momento de início de campanha sucessória...
A questão que vem primeiro é a da Consulta Pública sobre o Profic. Até agora, em que pese as iniciativas de muitas entidades culturais, a maior parte das manifestações na Consulta Pública e a maior movimentação visível - graças ao comprometimento da grande imprensa na questão - têm sido as dos setores contrários à reforma da legislação. São a Globo, a Folha de São Paulo, os grandes institutos culturais de instituições bancárias, os grandes beneficiários e captadores dos mecanismos de fomento em seu formato atual.
É fundamental que cada cineclubista mande seus comentários, sugestões, críticas ou simplesmente manifestações de apoio para a Casa Civil, no mecanismo de consulta.
É preciso criar uma verdadeira barragem de fogo contra os setores elitistas e reacionários, que não querem mudança nenhuma, não querem debate. E estão ocupando muito espaço. Nós já demos esse exemplo na consulta pública da Instrução Normativa da Ancine sobre cineclubes, quando reunimos mais de 700 manifestações.
Para participar da Consulta Pública sobre o PROFIC, acesse o texto em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consulta_publica/programa_fomento.htm ou nos arquivos desta lista e envie suas sugestões para o endereço eletrônico http://br.mc321.mail.yahoo.com/mc/compose?to=profic@planalto.gov.br ou, por correio, para
Presidência da República,
Palácio do Planalto, 4o andar, sala 3
Brasília-DF
CEP 70.150-900.
Eu gostaria de ter feito e de poder disponibilizar um estudo mais aprofundado sobre essas questões todas, como fizemos na época da proposta de criação da Ancinav ( que ainda pode ser visto, como curiosidade, no velho saite: http://cineclube.utopia.com.br/, em "documentos e textos de cineclubismo" ). Haverá tempo, talvez, posteriormente, porque a fase de consulta pública desta lei é apenas um estágio do processo. A etapa decisiva será a discussão no Congresso.
Mas queria indicar, a título de contribuição, alguns temas muito importantes para os cineclubes considerarem e, eventualmente, se manifestarem:
1) O CNC já se posicionou junto com outras entidades da que está sendo chamada de "área cultural" do audiovisual, em favor de algumas modificações no projeto de lei do Profic. A proposta mais destacada dessa manifestação é a de "inserir no Art. 8º do Projeto de Lei a criação de um Fundo Setorial específico de Fomento e Desenvolvimento do Cinema Não Comercial" e uma alocação de recursos definida para o mesmo (ver mensagem da Secretaria do CNC nesta lista).
2) Importante: no projeto de lei, esses fundos não constituem apenas recursos financeiros. Em torno da sua constituição é que será composta a própria Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC, modificada por este projeto. Portanto, os fundos são também uma forma de participação dos setores na definição, gestão e controle das políticas públicas para a cultura.
3) Sem prejuízo do item 1 anterior, a lei já prevê um Fundo Setorial da Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural. Mas o texto não define sua composição, que será decidida mais provavelmente através de decreto específico: há muito que lutar. Talvez, enquanto "formas de organização do público" de base comunitária, considerando as questões de acessibilidade e de expressão das regiões, gêneros, etnias, etc, através dos cineclubes, nós nos enquadrássemos bem, também - ou até principalmente - neste setor. E aqui também não haveria uma disputa muito acirrada com a "produção", as verbas para produção - afetas ao outro fundo proposto.
O artigo 17 trata da distribuição de recursos do FNC entre os fundos que o constituem.
Ou seja, este tema, dos fundos, engloba representação, volume e distribuição de recursos, entre outros assuntos vitais para nós.
4) O artigo 15 fala da transferência para estados e municípios. É um volume inédito de recursos - especialmente se passar a PEC 150 - e um ponto muito importante para as organizações regionais dos cineclubes e para estes últimos, em suas cidades.
5) Há também o Fundo Global de Equalização, um nome engraçado para uma área importante em que também, creio, temos grande interesse: ações transversais. Os cineclubes e os espaços que utilizamos frequentemente estão associados a outras atividades, linguagens, vivências. Nossa relação coma Educação, com as escolas, que precisamos tanto desenvolver, seria, talvez, um dos grandes eixos de operação nessa rubrica de "ações transversais" .
6) O art. 21 fala da possibilidade de transferência de bens e equipamentos, o que é um dos grandes entraves da legislação e dos programas atuais.
7) O art. 23 trata dos percentuais de incentivo, entre outros, das pessoas físicas. A regulamentação desse tipo de ação pode ser muito importante para a captação de recursos dos cineclubes bem inseridos em suas comunidades: um mecanismo que facilitasse, descomplicasse realmente as doações de pessoas físicas poderia permitir a captação na comunidade, na vizinhança...
8) O artigo 32 fala da importância do critério de acessibilidade. Para quem está convencido da justeza da nossa Campanha pelos Direitos do Público, esta é a grande abertura para a discussão da importância do nosso tema, uma vez que o enfoque predominante em toda a política cultural tem sido sempre a produção e não a acessibilidade (sem a qual aquela não faz pleno sentido), ou seja, o público. Creio que este é um dos principais temas da discussão.
9) O artigo 49 fala da disponibilização (prazos de licenciamento) das produções realizadas com recursos públicos para fins educacionais e sem fins lucrativos. É fundamental para o acesso dos cineclubes às produções audiovisuais.
10) Outra questão importante á a da criação do Vale Cultura, meio parecido com o vale refeição. Com estímulo do estado, os trabalhadores poderão ter acesso a ingressos para uma série de atividades culturais (o estado paga 30%, o empregador 50% e o empregado 20%). Creio que temos que nos colocar a questão de os cineclubes estarem previstos nesse tipo de procedimento, o que envolve considerar também se vamos manter alguma espécie de taxa de manutenção. Enfim, um assunto a pensar e onde podem caber sugestões também.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
quinta-feira, 23 de abril de 2009
Entrevista dada a Katiane Rodrigues, estudante do curso de pós graduação em Mídia, Informação e Cultura do Celacc, núcleo de pesquisa da ECA/USP.
Há quanto tempo está envolvido com o movimento cineclubista?
Como tudo começou?
Desde 1972. A Cinemateca Brasileira estava praticamente abandonada por causa da repressão do governo militar. A maioria dos intelectuais envolvidos com a Cinemateca estava sendo perseguida, exilada. A Lucilla Ribeiro Bernardet foi a mentora, então, de um grupo de jovens que resolveu colaborar voluntariamente para impedir o abandono total daquele acervo tão importante. Quem me levou para lá foi o Alain Fresnot, que já estudava e fazia cinema. Eu fui me envolvendo e, na verdade, fiquei lá até 1975. Como a Cinemateca tinha um acervo em 16 mm, emprestávamos esses filmes para os frágeis cineclubes que atuavam semi-clandestinamente na época. Um início de movimento foi se constituindo em torno dessa atividade, com a qual eu me envolvi cada vez mais, e disso resultou a reorganização do movimento cineclubista em São Paulo, e depois no Brasil (o movimento e as grandes entidades cineclubistas haviam sido destruídas logo após o AI-5, em 1968), entre 73 e 74. Saí da Cinemateca em 1975, assumindo a direção da Federação Paulista de Cineclubes, que fundamos. Em seguida, com aquele mesmo acervo 16mm, cedido pelo Paulo Emílio Salles Gomes, ajudei a organizar a Dinafilme, distribuidora de filmes para o chamado circuito alternativo, que foi a coluna vertebral de um amplo movimento cultural e de resistência, até a redemocratização do País nos anos 80.
O que significa ser cineclubista?
Creio que há mais de um sentido para a palavra. Em primeiro lugar, acho que cineclubista é quem freqüenta cineclubes com uma certa consciência de que isso representa uma relação diferente com os filmes, com o cinema. Implica uma adesão, um certo engajamento. Mas que está ligado fundamentalmente à curiosidade e ao prazer de conhecer mais e melhor o cinema; não é à toa que a cinefilia é um fenômeno cineclubista. Desse amor que também é engajamento resulta que os cineclubes, e particularmente os cineclubistas, estejam na origem de tantas instituições de estudo, divulgação, preservação do cinema, como a crítica e as publicações críticas, as cinematecas, os festivais de cinema.
Mas cineclubista também é usado no sentido de militante cineclubista, falando dos que se envolvem nos trabalhos de manutenção dos cineclubes e/ou na batalha pela sustentação e desenvolvimento do cineclubismo como um movimento cultural e social. O que é, enfim, um desdobramento da acepção anterior, não é?
Mais a fundo, podemos aceitar que o cineclubista também se defina num plano mais ideológico, como contraposição ao “espectador”, no sentido daquele que apenas assiste, sem participar, como objeto e não como sujeito do processo cultural ou comunicacional. Neste último sentido você pode encontrar exemplos históricos como o do cineclubismo católico, comunista ou operário, entre outros.
Qual é a função dos cineclubes?
Varia bastante histórica e geograficamente. Mas essa variação gira em torno de um eixo básico e comum: a organização do público. Os cineclubes nasceram exatamente no momento em que se consolidava um modelo dominante e dominador de cinema, no final da segunda década do século passado. Os cineclubes surgiram como reação à imposição de um modelo estético e de um discurso ideológico, consubstanciados no que chamamos de cinema clássico hollywoodiano. Os cineclubes nasceram como formas de organização do público para participar do processo cinematográfico. Louis Delluc, fundador de um dos primeiros cineclubes, responsável pela aplicação do termo cineclube a esse tipo de atividade (a palavra parece ter surgido bem antes, em 1907), foi também o criador da palavra cineasta, que tinha o sentido de “espectador integral”, que vê, estuda e faz cinema. Outro “pai do cineclubismo”, Ricciotto Canudo, também defendia essa “integralidade”, vendo no cinema a somatória ideal das expressões artísticas.
Então, eu diria que os cineclubes têm como função mais essencial superar a alienação do espectador, entendendo o público e a criação como um processo único e integral, apenas separados historicamente por um modelo de cinema que organizou o processo criativo e cultural em torno do lucro.
Nos diferentes momentos e situações, nos vários países em que os cineclubes existiram e existem, essa definição mais geral encontra manifestações bem concretas: os cineclubes têm funções educativas, de resistência política e cultural, de democratização do acesso ao cinema, entre muitas outras.
No Brasil, por exemplo, os cineclubes são os maiores responsáveis pelo surgimento e disseminação da cultura cinematográfica. É o Chaplin Club que traz para o Brasil os grandes temas do cinema discutidos na Europa dos anos 20. Depois do Clube de Cinema de São Paulo, em 45, espalham-se cineclubes pelos estados, dando origem à cultura cinematográfica e à crítica local e, posteriormente, às novas gerações, como a do Cinema Novo, formada naqueles cineclubes.
Nos anos 70 os cineclubes criaram um amplo movimento de resistência à ditadura, que atingiu mais de 2.000 pontos de exibição (é o tamanho do circuito exibidor comercial hoje) em todo o território nacional.
E hoje, ainda sem grande efetividade, é só nos cineclubes que se discute uma alternativa para um modelo de cinema completamente superado - em que menos de 10% da população têm acesso ao cinema em geral e, destes, um décimo logra ver algum filme brasileiro, ao mesmo tempo em que a produção se sustenta artificialmente no subsídio estatal e não chega a ser exibida.
Além de tentar propor uma alternativa, os cineclubes a estão construindo, promovendo exibições e organização do público lá onde o cinema comercial não chega.
Nos países subdesenvolvidos, a promoção do acesso ao cinema é corolário obrigatório de outras funções que os cineclubes exercem.
De que maneira os cineclubes contribuem para o desenvolvimento do espírito crítico e o desenvolvimento cultural das pessoas que o freqüentam e da comunidade local?
Como você definiria a experiência de ir ao cinema tradicional e a experiência de ir a um cineclube?
Durante muito tempo – especialmente a partir das diretrizes da Igreja Católica, nos anos 30, e também de significativos setores da esquerda – pensou-se que o público podia e devia ser influenciado na “boa” direção, com “bons” filmes e mensagens edificantes. Certamente esse também é o pressuposto do cinema hollywoodiano que, além de procurar responder a “instintos” e gostos subjetivos que seriam aferidos pelo mercado (“nós damos o que eles querem”), também tem a intenção bem definida de exportar valores e comportamentos: “Aonde for o nosso cinema irão os nossos produtos e o nosso modo de vida” – citando aproximadamente o discurso de Woodrow Wilson no Congresso Mundial de Vendedores de Detroit, em 1916. Assim, uns e outros pretende(ra)m fazer a cabeça dos espectadores, em diferentes direções.
Por incrível que pareça, é apenas por volta dos anos 70 que se vai “descobrir”, no mundo acadêmico, que o público reage de forma diferente às mensagens – da literatura ao cinema – segundo sua história e experiência de vida, classe social, gênero, etc. Não se faz a cabeça das pessoas, interage-se com elas.
Ou como o Paulo Emílio Salles Gomes dizia: “Transmissão de conhecimento é uma besteira. O conhecimento é uma conquista, uma experiência, a ligação de uma série de coisas que acontecem. O que o sujeito pode tentar é criar uma atmosfera para que as coisas surjam e que as pessoas aprendam”.
Os cineclubes, portanto, contribuem para esse desenvolvimento crítico fundamentalmente por propiciarem a experiência de um cinema diferente do monolitismo de Hollywood e adjacências - e/ou do audiovisual televisivo. Idealmente, um cinema plural, de todo o mundo, do Brasil, com diferentes abordagens e perspectivas de linguagem, temática, etc. Tudo aquilo que o nosso cinema comercial não traz, nem mesmo para a elite reduzida que a ele tem acesso.
A diferença na experiência de ir ao cinema tradicional (e aqui há uma dúvida, pois há um cinema de arte tradicional, além do estritamente comercial – mas, aquele é até mais elitista do que este) ou ao cineclube reside, então, fundamentalmente nessa orientação: o cinema comercial é essencialmente (não simplesmente) alienante. E as condições de sua apresentação, desde os tempos dos palácios de cinema até os modernos IMAX ou 3Ds, estão bastante ligadas à descontração e fuga que colaboram para esse fim último.
Mas não sejamos simplistas: espírito crítico não é fruto de desconforto. De fato, penso que todo o aparato das salas brasileiras de hoje, além da barreira econômica óbvia, que afasta a quase totalidade da população, também geram uma outra barreira de incomodidade, de classe e de raça, constrangendo quem não dispõe das indumentárias ou de outros códigos necessários ao trânsito confortável nos xópins da vida...
A precariedade de recursos a que têm estado sujeitos os cineclubes, por não contarem com praticamente nenhum apoio público ou privado, não é, portanto, uma qualidade, mas um impedimento muito concreto para o desenvolvimento e disseminação do seu trabalho. O que contribui como “atmosfera crítica”, na sessão do cineclube, além da programação diferenciada, é a informalidade, a visível produção em equipe, o compromisso com a comunidade, etc.
Nos cineclubes os freqüentadores são estimulados a criar seu próprio filme utilizando as novas tecnologias?
Como eu disse mais acima, o cineclube nasceu na perspectiva da unidade e integralidade do artista e do espectador. Parafraseando Gramsci, “todo homem é artista, mas só alguns exercem essa função na sociedade”. Idealmente, então, a perspectiva do cineclubismo não é nem o cinema do capital, do produtor, nem o “cinema de autor” (que ironicamente surgiu nos cineclubes): é o público como autor. É a proposta do cinema como obra coletiva, integrada à experiência e vivência do público – ou da comunidade, do povo... – na perspectiva de integração do particular com o universal.
As novas tecnologias cada vez mais nos aproximam dessa possibilidade, simplificando, barateando, democratizando o acesso aos meios de criação, de expressão audiovisual – em que pese os esforços poderosos e ininterruptos das grandes corporações de comunicação para controlar e restringir esse processo.
Na realidade imediata, uma das características do movimento cineclubista contemporâneo, especialmente o brasileiro (que é um dos mais importantes do mundo), é justamente a existência de cineclubes formados a partir de iniciativas de realização, pequenas produtoras ou coletivos que passaram a organizar projeções mais ou menos sistemáticas, chegando dessa forma ao formato de cineclube – ao invés de serem, como seria mais “tradicional”, iniciativas coletivas para ver filmes que, eventualmente, levam à produção.
Quais as perspectivas para o cineclubismo no Brasil e em São Paulo nos próximos anos?
Indiscutivelmente o movimento cineclubista brasileiro vive seu melhor momento desde sua reorganização, em 2003. No plano federal, algumas medidas governamentais (distribuição de equipamentos de projeção, disponibilização de filmes e oferta de oficinas de formação) apontam para um crescimento significativo de cineclubes em todo o País. Ainda são programas com poucos recursos e que necessitam de muitos aperfeiçoamentos, mas reafirmam uma trajetória de crescente reconhecimento da importância do cineclubismo. E os cineclubes têm demonstrado fartamente que conseguem fazer muito com muito pouco. Dialeticamente, o crescimento dos cineclubes e a consolidação de suas entidades – federações estaduais e Conselho Nacional de Cineclubes – reforçam a perspectiva de melhor diálogo com o governo. No entanto, os valores alocados são ainda muito pouco significativos (inclusive comparados a qualquer outros programas semelhantes) e o nível de institucionalização desses programas é muito pequeno, sujeitando-os à descontinuidade com as mudanças comuns na administração pública brasileira. Acredito que o melhor fiel dessa balança futurológica será o crescimento do movimento cineclubista e sua capacidade de organização e representatividade em relação às necessidades do público.
O mesmo raciocínio se aplica a São Paulo onde a equação é um pouco diferente. O Estado não tem política para o cineclubismo e não estimula, em geral, o diálogo com a sociedade civil. No entanto, tal como no plano nacional, os cineclubes paulistas estão em crescimento. A federação paulista, reorganizada em 2007, reúne mais de 70 entidades e vive um momento de bastante atividade. Se não tem espaço no plano estadual nem na capital, tem criado condições de diálogo com diversos municípios, com outras entidades e com os legislativos.
Uma característica muito atual dos cineclubes – e da ação cultural em geral – tanto em nosso estado como no País, me parece prejudicar bastante a perspectiva de fortalecimento do movimento cineclubista de forma independente em relação ao Estado. Há um hábito bastante generalizado de entender que a atividade sem fins lucrativos deve ser necessariamente gratuita. Isto coloca toda ação desse tipo numa situação de dependência estrutural e permanente em relação a um patrocinador, geralmente estatal. Poucos cineclubes arrecadam alguma forma de contribuição do público – de forma a serem sustentados por suas comunidades, de maneira independente – e praticamente se extinguiu a associação, como forma de participação e sustentação consciente dos aderentes às entidades.
Haveria, talvez, uma terceira variável nessa equação: a chamada iniciativa privada – especialmente através das diversas formas de renúncia fiscal. Não acredito muito nessa via. As empresas têm preferido investir em eventos e outras atividades pontuais, pouco ou nada alocando em ações mais permanentes e sistemáticas, que se enraízem nas comunidades. No plano da exibição audiovisual, o padrão é o investimento em exibições itinerantes, que dão um retorno mais imediato e mais visível: exibir filmes muito esporadicamente em praças públicas de comunidades carentes, como no caso dos circos, sempre mobiliza o pessoal e garante uma grande assistência. Mas não tem continuidade, não deixa saldo, não deita raízes.
Há quanto tempo está envolvido com o movimento cineclubista?
Como tudo começou?
Desde 1972. A Cinemateca Brasileira estava praticamente abandonada por causa da repressão do governo militar. A maioria dos intelectuais envolvidos com a Cinemateca estava sendo perseguida, exilada. A Lucilla Ribeiro Bernardet foi a mentora, então, de um grupo de jovens que resolveu colaborar voluntariamente para impedir o abandono total daquele acervo tão importante. Quem me levou para lá foi o Alain Fresnot, que já estudava e fazia cinema. Eu fui me envolvendo e, na verdade, fiquei lá até 1975. Como a Cinemateca tinha um acervo em 16 mm, emprestávamos esses filmes para os frágeis cineclubes que atuavam semi-clandestinamente na época. Um início de movimento foi se constituindo em torno dessa atividade, com a qual eu me envolvi cada vez mais, e disso resultou a reorganização do movimento cineclubista em São Paulo, e depois no Brasil (o movimento e as grandes entidades cineclubistas haviam sido destruídas logo após o AI-5, em 1968), entre 73 e 74. Saí da Cinemateca em 1975, assumindo a direção da Federação Paulista de Cineclubes, que fundamos. Em seguida, com aquele mesmo acervo 16mm, cedido pelo Paulo Emílio Salles Gomes, ajudei a organizar a Dinafilme, distribuidora de filmes para o chamado circuito alternativo, que foi a coluna vertebral de um amplo movimento cultural e de resistência, até a redemocratização do País nos anos 80.
O que significa ser cineclubista?
Creio que há mais de um sentido para a palavra. Em primeiro lugar, acho que cineclubista é quem freqüenta cineclubes com uma certa consciência de que isso representa uma relação diferente com os filmes, com o cinema. Implica uma adesão, um certo engajamento. Mas que está ligado fundamentalmente à curiosidade e ao prazer de conhecer mais e melhor o cinema; não é à toa que a cinefilia é um fenômeno cineclubista. Desse amor que também é engajamento resulta que os cineclubes, e particularmente os cineclubistas, estejam na origem de tantas instituições de estudo, divulgação, preservação do cinema, como a crítica e as publicações críticas, as cinematecas, os festivais de cinema.
Mas cineclubista também é usado no sentido de militante cineclubista, falando dos que se envolvem nos trabalhos de manutenção dos cineclubes e/ou na batalha pela sustentação e desenvolvimento do cineclubismo como um movimento cultural e social. O que é, enfim, um desdobramento da acepção anterior, não é?
Mais a fundo, podemos aceitar que o cineclubista também se defina num plano mais ideológico, como contraposição ao “espectador”, no sentido daquele que apenas assiste, sem participar, como objeto e não como sujeito do processo cultural ou comunicacional. Neste último sentido você pode encontrar exemplos históricos como o do cineclubismo católico, comunista ou operário, entre outros.
Qual é a função dos cineclubes?
Varia bastante histórica e geograficamente. Mas essa variação gira em torno de um eixo básico e comum: a organização do público. Os cineclubes nasceram exatamente no momento em que se consolidava um modelo dominante e dominador de cinema, no final da segunda década do século passado. Os cineclubes surgiram como reação à imposição de um modelo estético e de um discurso ideológico, consubstanciados no que chamamos de cinema clássico hollywoodiano. Os cineclubes nasceram como formas de organização do público para participar do processo cinematográfico. Louis Delluc, fundador de um dos primeiros cineclubes, responsável pela aplicação do termo cineclube a esse tipo de atividade (a palavra parece ter surgido bem antes, em 1907), foi também o criador da palavra cineasta, que tinha o sentido de “espectador integral”, que vê, estuda e faz cinema. Outro “pai do cineclubismo”, Ricciotto Canudo, também defendia essa “integralidade”, vendo no cinema a somatória ideal das expressões artísticas.
Então, eu diria que os cineclubes têm como função mais essencial superar a alienação do espectador, entendendo o público e a criação como um processo único e integral, apenas separados historicamente por um modelo de cinema que organizou o processo criativo e cultural em torno do lucro.
Nos diferentes momentos e situações, nos vários países em que os cineclubes existiram e existem, essa definição mais geral encontra manifestações bem concretas: os cineclubes têm funções educativas, de resistência política e cultural, de democratização do acesso ao cinema, entre muitas outras.
No Brasil, por exemplo, os cineclubes são os maiores responsáveis pelo surgimento e disseminação da cultura cinematográfica. É o Chaplin Club que traz para o Brasil os grandes temas do cinema discutidos na Europa dos anos 20. Depois do Clube de Cinema de São Paulo, em 45, espalham-se cineclubes pelos estados, dando origem à cultura cinematográfica e à crítica local e, posteriormente, às novas gerações, como a do Cinema Novo, formada naqueles cineclubes.
Nos anos 70 os cineclubes criaram um amplo movimento de resistência à ditadura, que atingiu mais de 2.000 pontos de exibição (é o tamanho do circuito exibidor comercial hoje) em todo o território nacional.
E hoje, ainda sem grande efetividade, é só nos cineclubes que se discute uma alternativa para um modelo de cinema completamente superado - em que menos de 10% da população têm acesso ao cinema em geral e, destes, um décimo logra ver algum filme brasileiro, ao mesmo tempo em que a produção se sustenta artificialmente no subsídio estatal e não chega a ser exibida.
Além de tentar propor uma alternativa, os cineclubes a estão construindo, promovendo exibições e organização do público lá onde o cinema comercial não chega.
Nos países subdesenvolvidos, a promoção do acesso ao cinema é corolário obrigatório de outras funções que os cineclubes exercem.
De que maneira os cineclubes contribuem para o desenvolvimento do espírito crítico e o desenvolvimento cultural das pessoas que o freqüentam e da comunidade local?
Como você definiria a experiência de ir ao cinema tradicional e a experiência de ir a um cineclube?
Durante muito tempo – especialmente a partir das diretrizes da Igreja Católica, nos anos 30, e também de significativos setores da esquerda – pensou-se que o público podia e devia ser influenciado na “boa” direção, com “bons” filmes e mensagens edificantes. Certamente esse também é o pressuposto do cinema hollywoodiano que, além de procurar responder a “instintos” e gostos subjetivos que seriam aferidos pelo mercado (“nós damos o que eles querem”), também tem a intenção bem definida de exportar valores e comportamentos: “Aonde for o nosso cinema irão os nossos produtos e o nosso modo de vida” – citando aproximadamente o discurso de Woodrow Wilson no Congresso Mundial de Vendedores de Detroit, em 1916. Assim, uns e outros pretende(ra)m fazer a cabeça dos espectadores, em diferentes direções.
Por incrível que pareça, é apenas por volta dos anos 70 que se vai “descobrir”, no mundo acadêmico, que o público reage de forma diferente às mensagens – da literatura ao cinema – segundo sua história e experiência de vida, classe social, gênero, etc. Não se faz a cabeça das pessoas, interage-se com elas.
Ou como o Paulo Emílio Salles Gomes dizia: “Transmissão de conhecimento é uma besteira. O conhecimento é uma conquista, uma experiência, a ligação de uma série de coisas que acontecem. O que o sujeito pode tentar é criar uma atmosfera para que as coisas surjam e que as pessoas aprendam”.
Os cineclubes, portanto, contribuem para esse desenvolvimento crítico fundamentalmente por propiciarem a experiência de um cinema diferente do monolitismo de Hollywood e adjacências - e/ou do audiovisual televisivo. Idealmente, um cinema plural, de todo o mundo, do Brasil, com diferentes abordagens e perspectivas de linguagem, temática, etc. Tudo aquilo que o nosso cinema comercial não traz, nem mesmo para a elite reduzida que a ele tem acesso.
A diferença na experiência de ir ao cinema tradicional (e aqui há uma dúvida, pois há um cinema de arte tradicional, além do estritamente comercial – mas, aquele é até mais elitista do que este) ou ao cineclube reside, então, fundamentalmente nessa orientação: o cinema comercial é essencialmente (não simplesmente) alienante. E as condições de sua apresentação, desde os tempos dos palácios de cinema até os modernos IMAX ou 3Ds, estão bastante ligadas à descontração e fuga que colaboram para esse fim último.
Mas não sejamos simplistas: espírito crítico não é fruto de desconforto. De fato, penso que todo o aparato das salas brasileiras de hoje, além da barreira econômica óbvia, que afasta a quase totalidade da população, também geram uma outra barreira de incomodidade, de classe e de raça, constrangendo quem não dispõe das indumentárias ou de outros códigos necessários ao trânsito confortável nos xópins da vida...
A precariedade de recursos a que têm estado sujeitos os cineclubes, por não contarem com praticamente nenhum apoio público ou privado, não é, portanto, uma qualidade, mas um impedimento muito concreto para o desenvolvimento e disseminação do seu trabalho. O que contribui como “atmosfera crítica”, na sessão do cineclube, além da programação diferenciada, é a informalidade, a visível produção em equipe, o compromisso com a comunidade, etc.
Nos cineclubes os freqüentadores são estimulados a criar seu próprio filme utilizando as novas tecnologias?
Como eu disse mais acima, o cineclube nasceu na perspectiva da unidade e integralidade do artista e do espectador. Parafraseando Gramsci, “todo homem é artista, mas só alguns exercem essa função na sociedade”. Idealmente, então, a perspectiva do cineclubismo não é nem o cinema do capital, do produtor, nem o “cinema de autor” (que ironicamente surgiu nos cineclubes): é o público como autor. É a proposta do cinema como obra coletiva, integrada à experiência e vivência do público – ou da comunidade, do povo... – na perspectiva de integração do particular com o universal.
As novas tecnologias cada vez mais nos aproximam dessa possibilidade, simplificando, barateando, democratizando o acesso aos meios de criação, de expressão audiovisual – em que pese os esforços poderosos e ininterruptos das grandes corporações de comunicação para controlar e restringir esse processo.
Na realidade imediata, uma das características do movimento cineclubista contemporâneo, especialmente o brasileiro (que é um dos mais importantes do mundo), é justamente a existência de cineclubes formados a partir de iniciativas de realização, pequenas produtoras ou coletivos que passaram a organizar projeções mais ou menos sistemáticas, chegando dessa forma ao formato de cineclube – ao invés de serem, como seria mais “tradicional”, iniciativas coletivas para ver filmes que, eventualmente, levam à produção.
Quais as perspectivas para o cineclubismo no Brasil e em São Paulo nos próximos anos?
Indiscutivelmente o movimento cineclubista brasileiro vive seu melhor momento desde sua reorganização, em 2003. No plano federal, algumas medidas governamentais (distribuição de equipamentos de projeção, disponibilização de filmes e oferta de oficinas de formação) apontam para um crescimento significativo de cineclubes em todo o País. Ainda são programas com poucos recursos e que necessitam de muitos aperfeiçoamentos, mas reafirmam uma trajetória de crescente reconhecimento da importância do cineclubismo. E os cineclubes têm demonstrado fartamente que conseguem fazer muito com muito pouco. Dialeticamente, o crescimento dos cineclubes e a consolidação de suas entidades – federações estaduais e Conselho Nacional de Cineclubes – reforçam a perspectiva de melhor diálogo com o governo. No entanto, os valores alocados são ainda muito pouco significativos (inclusive comparados a qualquer outros programas semelhantes) e o nível de institucionalização desses programas é muito pequeno, sujeitando-os à descontinuidade com as mudanças comuns na administração pública brasileira. Acredito que o melhor fiel dessa balança futurológica será o crescimento do movimento cineclubista e sua capacidade de organização e representatividade em relação às necessidades do público.
O mesmo raciocínio se aplica a São Paulo onde a equação é um pouco diferente. O Estado não tem política para o cineclubismo e não estimula, em geral, o diálogo com a sociedade civil. No entanto, tal como no plano nacional, os cineclubes paulistas estão em crescimento. A federação paulista, reorganizada em 2007, reúne mais de 70 entidades e vive um momento de bastante atividade. Se não tem espaço no plano estadual nem na capital, tem criado condições de diálogo com diversos municípios, com outras entidades e com os legislativos.
Uma característica muito atual dos cineclubes – e da ação cultural em geral – tanto em nosso estado como no País, me parece prejudicar bastante a perspectiva de fortalecimento do movimento cineclubista de forma independente em relação ao Estado. Há um hábito bastante generalizado de entender que a atividade sem fins lucrativos deve ser necessariamente gratuita. Isto coloca toda ação desse tipo numa situação de dependência estrutural e permanente em relação a um patrocinador, geralmente estatal. Poucos cineclubes arrecadam alguma forma de contribuição do público – de forma a serem sustentados por suas comunidades, de maneira independente – e praticamente se extinguiu a associação, como forma de participação e sustentação consciente dos aderentes às entidades.
Haveria, talvez, uma terceira variável nessa equação: a chamada iniciativa privada – especialmente através das diversas formas de renúncia fiscal. Não acredito muito nessa via. As empresas têm preferido investir em eventos e outras atividades pontuais, pouco ou nada alocando em ações mais permanentes e sistemáticas, que se enraízem nas comunidades. No plano da exibição audiovisual, o padrão é o investimento em exibições itinerantes, que dão um retorno mais imediato e mais visível: exibir filmes muito esporadicamente em praças públicas de comunidades carentes, como no caso dos circos, sempre mobiliza o pessoal e garante uma grande assistência. Mas não tem continuidade, não deixa saldo, não deita raízes.
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