O velho e o novo[1]
(cinefilia, ideologia e transformação social –
parte 1)
Ideologia
Pleistoceno e Holoceno. Não
há quase certezas sobre aqueles tempos. A história, então, andava em centenas
ou mesmo milhares de anos. Hoje é incomparavelmente mais rápida. E mesmo
ameaçadoramente célere. Dito isso, é quase certo que a agricultura e a
domesticação de animais tenham se dado mais ou menos “ao mesmo tempo” – nesse
tempo distanciado, passagem de uma época para a outra, que se situa,
provavelmente, entre os últimos 20 e 10 mil anos. A primeira forma de
escravização, a dos bichos provavelmente, estaria ligada a essas formas de
sedentarização. É difícil dizer que as ideologias[2]
nascem então, mas parece bem possível que o domínio sobre outros animais tenha
sido uma base importante para uma forma dela: a noção de superioridade dos
humanos sobre os outros seres vivos. A escravidão, ainda que sob o eufemismo de
domesticação, é a base das primeiras formas de presunção de superioridade e de
racismo – no caso, “especismo”.
Outra vizinha histórica da
agricultura, da domesticação de animais e da sedentarização é a propriedade
privada. Depois dos outros animais, o ser humano começou a capturar e
escravizar outros seres humanos. Os primeiros casos conhecidos de escravização
datam de 11 mil anos[3].
E, tal como outros animais escravizados, a submissão dos de sua própria espécie
logo serviu – embora não em todos os casos - de base ideológica para uma nova
forma de presunção de superioridade, a do “homem livre” (nada a ver com a
categoria moderna, da liberdade no mercado). A propriedade privada também deu
origem à formação de outras diferenciações sociais: as classes, tal como e além
da escravidão, separadas segundo seus papéis na produção e na apropriação do
produto social. Da produção do conjunto do grupo social. É nessa gigantesca
transformação da organização social dos seres humanos que também se estabelece
o patriarcado, a subalternização das mulheres. Assim, também entre os seres
humanos livres, separados em classes, havia ainda os que ocupavam posições
supostamente superiores e inferiores. Além da manutenção dessas hierarquias
pela força foi indispensável que elas fossem naturalizadas e reproduzidas por
todos as pessoas envolvidas no processo e no grupo social. Uma forma básica,
estrutural de ideologia se estabelece aí: como justificação da organização
social, separando-a – isto é, a alienando – da sua base real no processo
produtivo, e procurando explicações fora da construção social, no universo
pretensamente natural ou com origem no plano do divino. As diversas formas de
presunção de superioridade constroem, historicamente, diferentes edifícios
hierárquicos de classes, estamentos, castas, etc. Além da submissão pela força,
suas justificações ideológicas vão dos preconceitos - e, em seu formato mais
abjeto, o racismo - aos elitismos. Todos os preconceitos, dos mais “suaves” aos
mais detestáveis, existem para sustentar a dominação de classe. Classe:
justamente da classificação hierárquica das “diferenças” entre os seres
humanos. Nesse sentido mais estrito, classe inclui gênero e etnia, já
que em seu caráter genérico, essas categorias sociais não apenas participam,
mas constituem parte indissociável da base social dominada e explorada: o conjunto
do proletariado, no caso do capitalismo. Marx, Engels, por exemplo, buscam justamente
o “ser humano genérico”, aquilo que nos identifica como espécie particular no
mundo e na história; eles partem do estudo do capitalismo como situação
concreta do homem concreto para encontrar as formas de superação dessa condição
de redução da nossa humanidade às peias da exploração econômica entre as
classes sociais. Para, de certa forma, reconstituir o ser humano
genérico no comunismo. O ser humano genérico não tem cor, não é homem nem
mulher.
Cinefilia e preconceito
A rigor, o racismo é
estrutural por definição. Usamos essa expressão para diferenciar, em nosso
cotidiano, as formas mais explícitas de preconceito racial daquelas de certa
forma menos evidentes, mas o adjetivo estrutural aponta justamente para o
caráter orgânico do racismo que, como outras presunções de diferenciação
interpessoal, suporta, escora, permeia todo o edifício social. Mas não da mesmo
forma em todo e qualquer edifício social. Se todas as formas de diferenciação
social têm origem na propriedade privada, elas se organizam de formas
diferentes conforme a estrutura do processo produtivo, segundo a evolução
histórica. A subordinação das mulheres e outros preconceitos, de classe ou de outro
tipo, são igualmente, às suas próprias maneiras, construções estruturais nas
relações sociais. Nos últimos séculos, as construções do modo de produção
capitalista. A principal forma de racismo que experimentamos no Brasil – e no
chamado mundo ocidental – é uma construção ideológica decorrente do ciclo de
escravização de povos africanos, entre os séculos 16 e 19, forma complementar da
exploração capitalista baseada essencialmente na exploração do trabalho
assalariado.
A construção de formas de
diferenciação social, ainda que se articule, em última instância, com as formas
básicas de organização da produção econômica, também se dá em outros níveis das
relações sociais. Historicamente, quem definia a importância, o interesse – em
suma: o valor de uso – dos produtos simbólicos eram os setores que a eles
tinham acesso: a comunidade inteira, nas formas sociais mais “primitivas”;
diferentes níveis de privilegiados, na Antiguidade ou na Idade Média. As massas
populares, contudo, sempre construíram espaços, produtos e instituições
próprias. No capitalismo é o mercado que
organiza o acesso, ou a falta dele. Para se enraizar no plano da cultura,
transformando em mercadorias as produções simbólicas (ou estéticas) e
construindo mercados para sua comercialização, o capitalismo teve que constituir
valores próprios, que servissem de base para essa diferenciação e negociação.
Entre outras instituições com esse fim, especialistas de vários tipos
foram se estabelecendo no processo de definição desses valores, que serviam – e
servem – para constituir mercados, produtos e consumidores diferenciados.
Muitas vezes, mais do que apenas baseadas no tempo e no tipo de trabalho
necessário para a sua produção, outros aspectos servem para definir a precificação
desses valores, em especial os do campo da cultura. A originalidade,
isto é, os elementos ligados à origem da obra: autoria, procedência e datação
passaram a ser estabelecidos por experts, quase sempre sem formação
específica. Eram amadores (apreciadores contumazes), diletantes (que se
deleitavam) desde então promovidos a novos papéis sociais. Esses especialistas,
cuja base de julgamento era fundamentalmente o gosto, já em si uma
categoria bem vaga, totalmente ideológica, ficaram conhecidos como
connoiseurs, uma variante da palavra que designa especialista em francês. Em
1760, o escritor inglês (e preconceituoso ele mesmo) Oliver Goldsmith, falando
de pintura, disse: “o título de connoisseur dessa arte é
atualmente o melhor passaporte para qualquer sociedade elegante: um trejeito
bem escolhido, uma atitude original e uma ou duas expressões exóticas já servem
de qualificação para homens de baixa condição obterem favores.”[4].
Essa base no gosto serviu para a extensão do título de conhecedor para
outras áreas, e hoje ela se aplica para a cozinha, com os gourmets e chefs,
ou o vinho, com os sommeliers – termo que também se usa para cerveja,
café e chá – entre outras.
E assim chegamos aos
especialistas em cinema. Todas as características mencionadas acima se adequam
perfeitamente aos cinéfilos: ajudam a estabelecer valores para
diferentes filmes; seu juízo é baseado no gosto, ligado às elites, isto é, às
classes dominantes, e a medida é a originalidade, principalmente a partir da autoria
– de onde vem a categoria estética de filme de autor. Mas, além de uma
base de valor estético e comercial, a cinefilia também estabeleceu um
pressuposto de diferenciação, que lhe é intrínseco, entre uma elite de
conhecedores - os cinéfilos - e o restante do público. Trato aqui esse
conceito, que tem várias leituras socialmente[5],
no sentido identificado com os critérios de apreciação do cinema “como arte”, a
partir dos anos 20 do século passado. Sentido esse estabelecido, por exemplo,
nos estatutos do Ciné-Club de France, publicados no primeiro número do mais
famoso que conhecido Journal du Ciné-club[6],
e diversas outras publicações da época[7].
Inicialmente dominante sobretudo na França e outras partes da Europa, essa
mesma ideia de cinefilia foi reforçada e internacionalizada depois da 2ª Guerra
Mundial, a partir dos frequentadores da Cinemateca francesa e de alguns
cineclubes e cinemas parisienses[8],
assim como das revistas a eles ligadas – como Cahiers de cinéma e Positif
– e dos cineastas a que se associou a prestigiosa marca de Nouvelle Vague. Essa
cinefilia, que cria categorias diferentes de espectatorialidade, reveste substancialmente um preconceito: o
elitismo.
Nos anos 20, a cinefilia se
ancorava numa elite bem definida de artistas e jornalistas que criavam revistas
e atividades para atrair e fidelizar seus leitores, como galas e premières
de filmes: práticas que viriam a ser, progressivamente, identificadas como
cineclubes. Essa espécie de aristocracia instalava-se, contudo, num ambiente
cultural em que existiam vários outros segmentos de público e tipos de relação/organização
entre eles e o cinema. O maior desses segmentos (bem maior que as iniciativas cinéfilas
parisienses e de outras capitais europeias) era o do chamado cinema educativo,
disseminado principalmente pelo interior da França – mas igualmente importante
em vários outros países[9]
– junto a escolas e cidades relativamente pequenas, e em alguns bairros de
cidades mais importantes. Havia, também, os cineclubes ligados ao movimento
operário e de solidariedade com a Revolução Soviética[10].
E, no início da década, com o lançamento dos pequenos formatos – 9,5 mm e 16 mm
– também surgiu um espaço limítrofe entre a esfera exclusivamente privada,
familiar, incentivada como espaço de consumo pelas empresas comerciais, e
iniciativas de produção dita amadora, muitas vezes organizadas em torno de clubes
de cinema.
Creio que se deve ao Cercle
du cinéma, o cineclube fundado por Henri Langlois e Georges Franju em 1935
– onde, ironicamente, estava excluído o debate dos filmes – e que logo se
tornaria a Cinemateca Francesa, a transmissão dessa paixão pelo cinema,
retomada com os cinéfilos dos anos 50 e com os diversos movimentos de renovação
do cinema em várias partes do mundo. Mas, se essa cinefilia parisiense se
ligava ainda a críticos e realizadores - diferentes, já, daqueles que os
antecederam mais de 20 anos antes – sua reprodução ampliada mundialmente perdia
muita da sua especialização inicial, reproduzindo-se um pouco como mito, criando
diversas formas, entre imitação e até paródia, ou simples paternalismo[11].
Um
processo dialético
Não cabe uma aproximação
maniqueísta do fenômeno cinefilia. Mesmo reproduzindo à sua maneira a
influência elitista de origem, os cineclubes cinéfilos se espalharam por muitas
partes do mundo, principalmente entre as ex-colônias europeias – na América
Latina, no Oriente Médio, na África e até na Ásia - e tiveram um papel
fundamental na difusão de uma cultura cinematográfica até então estranha à
história daqueles povos e países. Essa era, também contraditoriamente,
essencialmente colonial e elitista, mas iria igualmente contribuir, alimentar,
enriquecer a cultura desses países. E sobretudo, em muitos casos, constituir um
grande estímulo para seus cinemas nacionais. Cinematografias essas que, por sua
vez, também na maioria dos casos, mesmo progressistas, anticoloniais, não
conseguiram estabelecer relações realmente sólidas e permanentes com as
maiorias de suas populações. Elemento fundamental nesse processo, também, foi o
controle dos parques exibidores de quase todo o mundo pela produção
estadunidense.
De fato, a relação entre o
cineclubismo e o cinema – especialmente aquele que se coloca, de alguma forma,
fora dos parâmetros estritamente comerciais – é, pelo menos desde o surgimento
dos cineclubes cinéfilos[12],
umbilical. Os outros tipos de cineclubes que mencionei antes não têm essa mesma
relação. Os jornalistas - “teóricos” préacadêmicos
de cinema - e os realizadores das vanguardas dos anos 20 foram os criadores dos
cineclubes cinéfilos. E, inversamente, esses cineclubes serviram de base para a
valorização desses cineastas. O mesmo se dá nos anos 50 e, de forma muito
semelhante, em todos os países onde o cineclubismo se disseminou como movimento
cinéfilo. Os cineastas nacionais e os movimentos de novos cinemas –
inclusive o brasileiro – formavam-se nos cineclubes, e os primeiros
constituíram, em grande número, importantes lideranças do movimento
cineclubista.
No entanto, como já foi
dito, essa relação, tanto dos realizadores como dos cineclubes, nunca superou
os círculos dos setores médios – a chamada pequena burguesia. Ainda que, sobretudo
em países de passado colonial, muitas vezes houvesse uma busca de identificação
e reconhecimento pelas grandes maiorias das respectivas populações. As lutas
anticoloniais e os movimentos populares dos anos 60, especialmente, marcam essa
procura. Que depois foi paulatinamente enfraquecida, descaracterizada com a
crescente hegemonia neoliberal do final do século passado, que se estende até a
atualidade. Produzido fora do “sistema” comercial dominante – seja quanto aos
valores estéticos como pela falta de acesso ao mercado – essas cinematografias
ficaram, em grande medida, distantes dos povos, das maiorias, cuja cultura
deveriam e muitas vezes almejavam expressar.
A cinefilia, e seu grande
subproduto, o cinema de autor, tiveram possivelmente um papel essencial nessa
disjunção. A procura de uma identidade imanente da linguagem cinematográfica e
o impulso de valorização da iniciativa individual– além das barreiras
econômicas de mercado - têm sido, a meu ver, os maiores obstáculos para a
identificação entre o cinema, e outras mídias audiovisuais, e a maioria da
população, ou seja, o conjunto da classe trabalhadora.
Acima, o que resumi muito
como hegemonia neoliberal coincide com a progressiva superação do dispositivo
social do cinema, a partir inicialmente da supremacia da televisão, e da
evolução e, finalmente, predomínio, das mídias digitais audiovisuais. Trata-se
do re-estabelecimento da supremacia ideológica das classes dominantes num
contexto de revolução tecnológica, de reorganização das forças produtivas e das
relações sociais. Junto à crise do cinema há uma crise do cineclubismo cinéfilo,
que se enfraquece em todo o mundo a partir dos anos 70. Salas de cinema chegam a
desaparecer em muitos países, assim como em grandes áreas de outros – como no
Brasil. O mesmo acontece, em escala própria, claro, com os cineclubes. Ambos se
estabilizarão, de certa maneira, em outros patamares – em comparação com os
anos 50 e 60, por exemplo. No Brasil, um caso com muitas especificidades, o
cineclubismo tradicional, de caráter associativo, praticamente desapareceu nos
últimos 20 anos. Subsiste, no entanto, uma influência fundamental da cinefilia
- talvez uma etapa terminal de descaracterização do modelo inspirador.
Sobrevivem a ideia do cinema de autor, os mitos do cinema “não comercial” e do “cinema nacional”: este, uma categoria
genérica e opaca que confunde e constrange a paradoxal busca do popular entre
pequenos círculos acadêmicos ou de amigos.
Por outro lado, os
ambientes, movimentos e organizações populares também não empregam de maneira
consciente – ou seja, de maneira crítica e com formas próprias e inovadoras de
organização – os recursos, técnicas e espaços de comunicação audiovisual
digital. Daí a epígrafe cinematográfica deste texto. Muitas vezes o que existe
é uma contaminação meio inconsequente dos modelos burgueses – principalmente do
cinema de autor - no cinema “militante”. A mais ou menos rara produção ligada
de alguma forma a movimentos sociais recai sobretudo na apresentação/justificação
dos mesmos movimentos populares para as classes médias, ou na mera constatação
inarticulada com as práticas que paradoxalmente procura documentar. Não existem
claras indicações que apontem para a apropriação e reorganização do cinema,
ou das mídias digitais audiovisuais pelas comunidades, movimentos e
organizações sociais populares.
As práticas, as esferas
públicas constituídas sob influência da cinefilia são hoje principalmente os
muitos festivais de cinema – que descendem, igualmente, dos cineclubes -,
principal espaço que resta para o cinema brasileiro, igualmente circunscrito
aos setores médios da população. E as “exibições seguidas de debate”, a maioria
de forma irregular – a maior exceção são os cineclubes universitários – ainda
que relativamente disseminadas pelo País. Separados das maiorias, e sem o
caráter renovador que teve a cinefilia nas conjunturas nacionais dos anos 50,
muitas de caráter anticolonial, os cineclubes – ou as práticas cineclubistas
que os substituíram – tornaram-se formas culturais residuais, como
descreve Raymond Williams[13],
que não superam seu espaço e conteúdo de classe, mas sobrevivem em escalas e
ambientes limitados.
O cinema, como qualquer
outro meio ou linguagem de comunicação, em regime de alienação – isto é,
sem contato orgânico com as parcelas da população que podem transformar a
realidade social – também fica nessa condição decorativa, ultrapassada. E, no
mesmo sentido e ambientes, as mídias digitais audiovisuais, sem integração real
com as práticas sociais e políticas dessa maioria, não superam a condição de formas
culturais emergentes, ainda não plenamente assimiladas[14].
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e
o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de
sintomas mórbidos aparecem.”[15].
Montreal, junho de 2023.
Este texto constitui uma
primeira parte, mais analítica, de tratamento do tema proposto no título. Uma
segunda parte se seguirá em breve, onde buscarei fundamentar uma argumentação
propositiva.
[1] A referência/homenagem ao
filme homônimo de Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov (1929) tem a ver com este
texto sob múltiplos aspectos, que o leitor poderá desenvolver... Parece haver
duas versões no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=UEDed0o7FYs e https://www.youtube.com/watch?v=PspEQ9iEjXs . A própria produção do filme foi
interrompida, num momento de muita disputa política após a morte de Lênin, e
depois retomada.
[2] Na verdade, os próprios signos,
consolidados principalmente na fala – segundo Bakhtin {Bakhtin, Mikhail (ou
Volochinov). 2014. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec}
– são ideológicos e, assim, possivelmente precedem até mesmo o gênero Homo,
e certamente o Homo Sapiens.
[3] “Slavery”,
verbete na Encyclopaedia Britannica, apud “History of Slavery”, Wikipedia.
[4] Referência encontrada nas
versões em inglês, em espanhol e em galego do verbete Connoisseur (não
existe versão em português) da Wikipedia.
[5] Emprega-se cinéfilo,
coloquialmente, simplesmente para quem gosta de cinema, vai bastante ao cinema
ou vê bastante na televisão e outras mídias, praticamente indiferenciado de
todos os que acessam esse meio. De que todos, afinal, gostam ou
assistem. Há, indiscutivelmente, uma cinefilia da pessoa comum, do público.
[7] Ver, a respeito, Abel,
Richard. 1984. French Cinema. The First Wave, 1915-1929. Princeton
University Press; Gauthier, Christophe. 1999, La Passion du cinéma. Cinéphiles, ciné-clubs et salles
spécialisées à Paris de 1920 à 1929. Paris : AFRHC.
[8] De Baecque, Antoine. 2010. Cinefilia.
São Paulo: Cosac & Naify; Jullier, Laurent e Leveratto, Jean-Marc. 2010. Cinéphiles et cinéphilies. Paris: Armand Colin.
[9] De fato, depois de alguns
congressos internacionais, o primeiro Instituto Internacional do Cinematógrafo
Educativo foi instalado em Roma em 1927, sob a égide da Sociedade das Nações.
[10] Como o cineclube Amigos de
Spartacus ou as várias Ligas de Cinema dos Trabalhadores organizadas em muitos
países, até mesmo o Japão. Isso sem mencionar as iniciativas cineclubistas
criadas nos milhares de clubes de trabalhadores da União Soviética.
[11] Creio que paternalismo é uma
categoria diferente da de preconceito, embora seja construída, igualmente, no
quadro de organização diferenciada da espectatorialidade. Neste caso, nos
cineclubes, se estabelece como método: a instrução – hoje alguns dizem
alfabetização – do público para o “entendimento correto” dos filmes. De certa
forma, um método de transmissão do gosto cinéfilo. Mais diretamente foi uma
contribuição da organização mais que elitista, até hierárquica, dos cineclubes
ligados à Igreja Católica, presença importante em toda a história do
cineclubismo. Sem se confundir enquanto conceitos, elitismo e paternalismo
muito frequentemente se articulam e se completam.
[12] Ao contrário da maioria dos
autores, considero que a instituição cineclube se desenvolve – como outras
instituições essenciais do cinema – concomitantemente com o cinema. Os
primeiros cineclubes plenamente estruturados se constituem por volta dos anos
10 (ver “Ainda a epistemologia do cineclubismo” em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2021/05/o-texto-abaixo-e-parte-de-um-dialogo.html), mas esse conceito de cinefilia
lhes era absolutamente estranho. Antes, eles se organizavam e mobilizavam contra
o cinema, identificado como alienante e opressor, e se propunham a construir outro
cinema, da classe trabalhadora.
[13] Williams, Raymond. 2011. Cultura
e Materialismo, p. 56-59. São Paulo: UNESP
[14] Ibid.
[15] Gramsci, Antonio. 1999. Cadernos
do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.