quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

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 Bolsonaro, o filme

Assisti aqui (em Montreal), ontem, um documentário belga de 52 minutos – As flechas de prata: o orgulho de Hitler (Les flêches d’argent: l’orgueil de Hitler. Mais informações, em francês, em https://www.laliberte.ch/news/ces-firmes-qui-roulaient-pour-hitler-469913) - sobre a indústria automobilística e a evolução do espetáculo dos grands prix a partir da renovação geral na Alemanha com a ascensão do nazismo. 

O documentário é dinâmico, fluente, de fácil compreensão, sem abandonar um elevado e sério teor informativo e crítico. É uma combinação de muito material de arquivo e de análises – depoimentos – feitos por especialistas. Enfoca desde a formação da moderna indústria alemã, no quadro da superação das limitações impostas pelas potências vencedoras da Primeira Grande Guerra, o alinhamento dessa indústria (Audi, Mercedes, BMW, etc.) e do genial Ferdinand Porsche com o nazismo, suas ligações com os grandes fabricantes americanos, Ford e GM (ambos dirigidos por racistas financiadores do nazismo: Henri Ford e Alfred P. Sloan, respectivamente), até o uso dos grandes prêmios de velocidade para a divulgação das conquistas tecnológicas alemãs (base da fama que vem até nossos dias) e da “superioridade da raça”. É bem possível que a TV5 exiba, ou já tenha exibido, aí no Brasil.

Ao mesmo tempo, a televisão canadense trata há dias do aniversário de 75 anos da libertação, pelo Exército Vermelho, do campo de Auschwitz. Com outro registro, de reportagem, mas histórica, também esse tema traz para as telas bastante material de arquivo.

Mas nenhum desses é o assunto aqui. Esses dois exemplos me trouxeram à cachola o fato bem conhecido da valorização da propaganda e da publicidade pelo nazismo – e outros fascismos – para o qual constituíram um elemento central não apenas na sua divulgação, mas para a própria construção do conceito, e do aparato que revestiu não só sua imagem, mas seu dispositivo social e político. O próprio Hitler, Goebbels e outros nazistas foram mestres na construção dessa imagem e na sua manipulação.

O que eles não previram, certamente, é que a mesma capacidade de impressionar, de provocar interesse e admiração,  de incitar sentimentos e comportamentos, diante da queda da máscara espetacular – com a derrota na 2ª. Guerra - resulta no diametralmente oposto: as imagens de arquivo sobre o nazismo (principalmente) constituem um material incrível, riquíssimo, grandioso à sua maneira, sobretudo chocante, de denúncia das atrocidades, de demonstração da manipulação de consciências, da básica falsidade – e horror – dos pressupostos e das ações dessa ideologia, política e Estado. Daí é que pensei no Bolsonaro, meu tema aqui.

Imagino que não há nenhuma originalidade nesta minha reflexão, mas desconheço qualquer material sobre o advento do bolsonarismo e este primeiro ano do seu mito no poder. Bolsonaro, seus filhos raivosos, seus ministros impagáveis e seu ideólogo vigarista usam as mesmas técnicas bem retratadas no documentário a que me referi mais acima. Conseguem, assim, supostamente comover seus seguidores. Também atraem a atenção das mais diversas mídias institucionais, mas essas, geralmente, apenas destacam o evento: o ridículo, o chocante, até o horroroso de certas acões ou declarações. Apesar de se pretenderem “investigadoras” e “intérpretes” das notícias, praticamente nunca vão além de reprodução e descrição desse tipo de acontecimento. Nas equivocadamente chamadas mídias sociais, essas manifestações absurdas, repugnantes ou grotescas do aparato bolsonarista também são tratadas, no mais das vezes, com muita superficialidade, quase que numa espécie de simetria com os pretensos seguidores do nosso hitlerzinho de fancaria, repetindo apenas as críticas mais óbvias para um auditório já convencido, limitado nas e pelas bolhas da internet que, numa certa extensão, realimenta-se, afirma-se nesse processo.

Como se sabe, o material audiovisual sobre Bolsonaro, seu governo e seguidores já é farto, rico e atraente, e penso que na mesma linha que as fontes de arquivo do nazismo: se não há um evidente genocídio, o ódio racial está presente, assim como outras destruições maciças, como a dos recursos naturais. O racismo, que atinge indígenas, negros (visados pela promoção da violência policial) e vira homofobia e outras formas de preconceito – inclusive o incentivo à hostilidade sobre outras etnias importantes no Brasil, como os asiáticos. O nosso fascismo, claro, tem sua originalidade – como tudo em países que não conseguem desemvolver seus próprios projetos nacionais. Tem os militares e sua ideologia machista de honra corporativa, seu desprezo imenso pela vida e sua subserviência aos poderosos, daqui ou de mais ao Norte. Tem as milícias, manifestação “informal”, pelo crime, de uma cultura que bebe naquela outra. E tem os evangélicos e outros fanáticos religiosos, com sua própria simbologia de absurdos e pesado carregamento de intolerância e preconceito. Mas o importante aqui, é demonstrar que esse ajuntamento de interesses resulta, guardadas algumas proporções, no mesmo fenômeno simbólico produzido pelo nazismo.

Análises originais e profundas também não faltam – embora apareçam pouco e comuniquem menos ainda. Mas existem. Exames instigantes, especialistas que sabem se comunicar. Questões fundamentais para o público estão ainda a se desenvolver e pedem pelo esclarecimento: os efeitos da destruição de direitos em vários níveis, a eliminação dos principais elementos de distribuição de renda, o desmate da educação, da cultura e da ciência, o ataque à Amazonia... E as imagens e discursos produzidos neste pequeno período de domínio também abundam: Bolsonaro ensinando “arminha” para uma criança; suas ligações (e fotos) de longa data com as milícias e o crime – inclusive o nexo lógico com a assassinato de Marielle Franco -; as patacoadas audiovisuais do ministro da Educação; as declarações da ministra de Direitos Humanos, do titular do Meio Ambiente, de Relações Exteriores, além, é claro, da trajetória intelectual do farsante Olavo de Carvalho, astrólogo kierkegaardiano e gramscista, mentor intelectual de grande parte dessa gente.

Um ano de Bolsonaro – ou mais, se contarmos a campanha sem debate, o “atentado”, o culto à tortura e os símbolos de violência, e ainda excertos de sua juventude irrefletida (isto é, as três décadas desde que foi expulso do Exército) – dá mais reflexão, dá mais cinema e talvez tenha produzido mais imagens interessantes que todos os protagonistas anteriores. Certamente minha ideia não é nada original, mas desconheço e gostaria de ver algo nesse sentido que tenha sido produzido. Pergunto aos meus tantos amigos realizadores, roteiristas, produtores: cadê o documentário que pode ganhar o próximo Oscar?

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020



Cineclubismo universitário:
esteticismo cinéfilo ou resistência política?
          
          Minha última postagem neste blogue anunciava a criação de um Seminário Brasileiro de Cineclubismo, iniciativa que já havia começado um pouco antes. Apesar de uma certa adesão inicial, a ideia acabou se mostrando inadequada e o debate não se instaurou. O Seminário morreu. Antes desse quadro se delinear, entretanto, um primeiro tema de debate havia sido proposto e decidido entre os participantes: o cineclubismo universitário. Para mim era um pouco distante: minha experiência, e de certa forma meu interesse maior no cineclubismo universitário, datam dos anos 70 do século passado. Por essa prática estar tão longe no tempo e na minha experiência, resolvi abordar o tema às avessas, começando pelas questões mais gerais antes de chegar à Universidade. Minha intenção era demonstrar que é possível, dentro de certos limites, trabalhar um tema segundo os interesses de cada um, conforme a abordagem que adotemos. Nesse sentido, como estímulo, não funcionou. Acabei sendo o único a escrever sobre o tema que, em princípio, nem me interessava muito. Mas é um tema importante, sem dúvida, e dialoga com múltiplas experiências cineclubistas em todo o País. Por isso resolvi publicar o texto aqui, na hipótese de que possa interessar a alguns. O tema, tal como expresso na votação do seminário, era: Cineclubismo universitário: esteticismo cinéfilo ou resistência política?
Esteticismo e cinefilia
          Numa primeira aproximação, esteticismo e cinefilia têm muito de redundância. Estética é um termo mais antigo – proposto, na acepção moderna, por Alexander Baungartem em meados do século 18. Cinefilia, não sei se tem uma primeira referência realmente documentada, mas o termo já era usado por volta de 1910, talvez em uma variante: cinematofilia. Creio que o termo cinefilia, com toda a imprecisão que o caracteriza, ainda mais complicada a partir de sua eleição como uma espécie de categoria da análise do cinema – especialmente a partir das repercussões do livro de Antoine de Baecque[i] – consiste, ressumidamente, na transposição do conteúdo e dos valores ideológicos associados à estética de Baungartem para os tempos do cinema.
            A estética, como sistematização de princípios que permitem estabelecer o valor de uma obra que impacte a sensibilidade humana permitindo-lhe a contemplação da beleza é, na verdade, num resumo quase grosseiro, a expressão ideológica da apropriação privada e mercadorização de obras que poderíamos compreender, numa perspectiva mais materialista, como meios de comunicação humana, veículos do diálogo social e intersubjetivo que incluem outras formas simbólicas além da palavra. De fato, ainda resumindo bastante, a ideia de arte sempre esteve associada a capacidades e talentos quase impessoais, habilidades sempre estreitamente ligadas à vida social, seja pelo compartilhamento do imaginário identitário, dos liames comunitários, das crenças religiosas e de outros laços sociais. As noções de originalidade e autoria, necessárias ao isolamento, à individuação de cada criação – base da sua valoração em termos de mercado – só se desenvolveram em concomitância com a reurbanização, o capitalismo mercantil e a Renascença, entre os séculos 13 e 17. A consolidação de exposições e salões, base de um mercado de arte para as novas formas de consumo suntuário da burguesia, no século 18, explica a necessidade de uma nova ideologia precificadora do “belo”. Se a arte – esse vago rótulo que agora inclui toda forma de expressão subjetiva que possa ser transformada em mercadoria – sempre foi apropriada pelas classes dominantes (desde que as classes se estabeleceram, porque essas formas de expressão acompanham toda a evolução da espécia humana), e sua posse por chefes, sacerdotes ou nobres, identificada como forma de prestígio e poder, só com o capítalismo ela se torna realmente mercadoria, de “livre” circulação no mercado, para quem puder adquiri-la.
          O cinema passou por um processo comparável, mas bem diferente, já que consistia numa nova forma de expressão - junto com a fotografia, a litografia e outras técnicas - não baseada na exclusividade e originalidade, mas reprodutível mecânicamente, como bem identificou Walter Benjamin[ii]. Seu desenvolvimento também só foi possível no âmbito do capitalismo. “Síntese de todas as artes”, como queria Ricciotto Canudo[iii], o cinema também foi tributário de todas elas, e sua primeira infância se caracteriza por uma busca de identidade em termos de mercadoria, a procura de um lugar e uma maneira para se desenvolver plenamente na economia capitalista. Visionário, ao mesmo tempo que elitista, Canudo visualizava e defendia a autonomia do cinema como forma de arte, isto é, como forma de expressão que podia integrar os cânones valorativos da estética. Canudo tinha uma visão idealista e elitista da arte – e do cinema -, que via como expressão sublime, metafísica da sensibilidade de seres especiais, os artistas. Sua postura precedia a valorização necessária para a reintrodução da aura[iv] como índice de valor estético e econômico no campo do cinema. E esse culto se apropriaria do termo cinefilia – que inicialmente procurava nomear o amor das massas pelo cinema – transformando-o numa prática esotérica de especialistas, connaisseurs[v] que, tal como os sommeliers, sabem apreciar e legitimar os melhores filmes, sobretudo pela individuação de seus autores.
         Canudo é o grande precursor; Louis Delluc[vi], o maior divulgador dessa apropriação do cinema pela ideologia hegemônica. Reconhecer e promover a legitimidade artística do cinema significava, simultaneamente, entregar esse juízo aos eleitos, e estabelecer uma nova forma de propriedade simbólica (ou intelectual) privada: a autoria. A cinefilia, de tantas possíveis interpretações, passou a ser compreendida, no âmbito da ideologia hegemônica, como uma capacidade seleta de apreciação – pelos cinéfilos – e um culto apaixonado das qualidades intangíveis produzidas pela sensibilidade única de um autor.
          Nos anos 20 do século passado, o público do cinema, mais ou menos recentemente formado – no processo de ampliação explosiva de sua extensão, a partir dos nickelodeons, seguida pelo seu completo enquadramento e controle pelo sistema comercial, entre 1905 e mais ou menos 1915 – foi alijado dessa função de legitimação da arte; de fato, passou a ser o índice principal do seu contrário, a vulgaridade. Embora fosse a base indispensável para a própria existência do cinema, o público de massas, expressão de uma cinefilia da pessoa comum[vii], se viu relegado, de certa forma como o trabalhador no sistema produtivo, a uma condição de irrelevância social, tornou-se um proletariado do cinema.
A instituição cineclube também se formou nesse processo[viii], inicialmente como uma forma de organização da resistência do público à implantação de um dispositivo econômico do cinema que lhe retirava todo protagonismo, consistindo mesmo numa nova forma, mais ampla e mais sutil, de alienação e de dominação.  As primeiras práticas que antecipavam a instituição cineclube, e depois as primeiras organizações a que podemos realmente dar esse nome – como o Workers Film Theatre (1911), de Los Angeles ou o Cinéma du Peuple (1913), de Paris – tinham como principal objetivo contrapor-se ao cinema comercial e lançar as bases de um novo cinema, que refletisse a vida, os interesses e expectativas dos trabalhadores. Já os cineclubes de Canudo, Delluc e outros, procuravam, ao contrário dos anteriores, promover o cinema – em que não viam ou reconheciam uma luta de interesses de classes, mas uma diferença de qualidade retórica, basicamente[ix] identificada na oposição entre o bom gosto e a vulgaridade. É nesses cineclubes que se forjou o conceito de cinefilia que, com amplo reforço institucional, se espalharia pelas elites de todo o mundo, tornando-se praticamente hegemônico na compreensão da própria atividade cineclubista.
A adoção do modelo elitista, cinéfilo, de cineclube, implicou outras características. A ideia de que o valor artístico da obra cinematográfica se assentava na sensibilidade e talento exclusivos de um autor, identificado na tradição europeia com o diretor, ou metteur-en-scène, reservava, automaticamente, numa divisão de funções que emula a divisão do trabalho social, a criação para esses autores, e o consumo, para o público. Este último já não tinha o objetivo de poder se expressar pelo cinema, ainda que conservasse, ao menos nos cineclubes, a possibilidade de apreciação crítica dos filmes. Ao mesmo tempo, a indústria cinematográficca lançava os pequenos formatos – 9,5 mm e 16 mm – que facilitavam a feitura de filmes. Um enorme investimento foi feito para criar uma nova categoria de cinema: o cinema amador[x], que deveria operar fora do cinema “profissional” e do espaço público, ficando restrito apenas à esfera privada, familiar. O público foi essencialmente separado da criação, do poder de se expressar, funções reservadas a pretensos especialistas (ironicamente formados, em sua maioria, nos cineclubes), ou a diletantes inofensivos, sob a direção do capital.
Mas hegemonia não significa domínio absoluto nem permanente. Muitos cineclubes continuaram – e isso vem até hoje – a vocação original de se constituírem como ferramentas completas de construção de outro cinema. Mesmo cada vez mais descaracterizados, cultuadores de um discurso independente da vida social, a grande maioria dos cineclubes conserva traços fundamentais da forma organizativa herdada de sua origem proletária: o associacionismo, a ausência de fins lucrativos e o debate - índice do papel crítico do público. Mas mesmo estes têm sido enfraquecidos, obliterados: o associativismo democrático controlado por formas de gestão comerciais, a autonomia trocada pela dependência do Estado ou de empresas, a programação feita por curadores e o debate substituído por palestras. 
Resistência política ou construção do novo?
Estamos muito acostumados com esse termo no Brasil: resistência. Talvez demais. Porque há uma dimensão essencialmente passiva na resistência, que constitui reação, mais que iniciativa. Conservar posições, mais que avançar. Responder, e não propor. De alguma maneira, o uso desse vocábulo demonstra o caráter geralmente subalterno em que nos encontramos – e pior, com que nos identificamos – todos que nos reconhecemos como parte da base da pirâmide social brasileira, formada pelos trabalhadores sem acesso aos meios de produção. Ou sem acesso aos meios de expressão e comunicação, para dialogar com o público audiovisual. Em boa medida, o uso acrítico do termo elude essa dimensão de subalternidade, de ausência de iniciativa.
Qual é a posição que queremos manter?  Qual a nossa referência? A legalidade institucional formal, o capitalismo liberal? Estamos nesse tipo de resistência há muito tempo: contra o Estado Novo, contra a ditadura militar; agora contra o golpe institucional e o bolsonarismo. É indiscutível que a “normalidade democrática” é preferível e superior a qualquer uma dessas alternativas e, nesse sentido, a resistência contra a perda de direitos de toda natureza – constitucionais, trabalhistas, humanos – é indispensável. Mas penso que nosso objetivo está além, e mesmo que a própria existência do público, dos trabalhadores[xi], enquanto classe social autoconsciente implica necessariamente em seu compromisso com a superação do modo de vida e de produção vigentes.
Mesmo que se colocasse a questão da resistência em termos de conter a hegemonia não apenas política, mas cultural, ideológica, do sistema, ainda assim temos uma conotação um tanto passiva: resistir não é atacar, não é avançar. Instalados na resistência, também criamos outros vícios. Prendemo-nos muito aos referenciais apresentados por aquilo a que queremos resistir; em vez de propor os nossos, ficamos muitas vezes na denúncia, na mera identificação da condição opressiva, sem proposição concreta para a sua superação. A denúncia tem seu papel, claro, ocasião e circunstância, mas não contribui muito para construir uma alternativa. Pensando no trabalho cineclubista – mas com equivalentes em outras práticas organizativas populares e democráticas -, a denúncia e mesmo, em boa medida, a agitação em geral, esgotam-se rapidamente e raramente propõem um trabalho de autoconstrução coletiva, como é o caso das instituições populares efetivamente transformadoras. A agitação é mais fácil: parente do evento, no plano cultural, não exige seguimento, compromisso, disciplina. Está mais para a catarse ou a epifania que para a consciência de classe, que é processo, não evento, instante ou momento. Na organização cultural – como o cineclube - que se caracteriza pelo enraizamento progressivo numa comunidade e na construção coletiva de sua consciência social, a denúncia tipicamente se esgota em um evento, e não raro dialoga apenas ou quase que somente com os já convertidos.
Outro aspecto dessa condição de resistência é um abandono significativo das instituições de hegemonia - na acepção de Gramsci -, que observamos na sociedade brasileira em geral e no cineclubismo em particular. Acredito que esse movimento de recuo antecede e, de certa forma, constitui uma das grandes condições para o fenômeno de radicalização à direita que precede e caracteriza o governo bolsonaro e o atual desmonte das instituições democráticas liberais no País.
Enquanto a sociedade civil avançava, nos anos 70, lentamente construindo uma alternativa à ditadura, que culminaria na Constituição de 1988, o neopentecostalismo, caracterizado pela postura sectária, pela adesão aos valores econômicos neoliberais e pelo avanço sobre os meios eletrônicos de comunicação, ocupava espaços essenciais no plano da hegemonia ideológica. Com o fim da ditadura e o grande acordo de anistia aos crimes do governo militar, também desse meio veio uma forte reação contra as denúncias de impunidade do terrorismo de Estado. É nesse momento que se organizam os intelectuais fardados, que em seguida “descobrem” Gramsci, Paulo Freire e outros teóricos da organização da sociedade civil, construindo sua própria leitura do conceito de hegemonia e seus desdobramentos. O general Coutinho, o projeto ORVIL, Olavo de Carvalho[xii] e outros filósofos de igual profundidade também entram nesse processo de construção de um discurso ideológico profundamente reacionário. Essas duas correntes, militar e neopentescostal – às quais vieram se somar mais recentemente setores do crime organizado - embasam a atuação do campo filofascista brasileiro, hoje no poder.
Ao avanço dessa direita extremista e sectária correspondeu, de certa forma, um importante recuo na inserção social de vários setores progressistas e sua ausência na ocupação dos novos espaços criados pelos avanços tecnológicos nas comunicações. Ambos esses espaços têm sido ocupados principalmente pelo neopentecostalismo, presente de forma avassaladora nas emissoras de televisão, mas também nas comunidades populares, com templos, muitas vezes informais, em todos os espaços sociais do País. Os setores progressistas, em especial os partidos políticos com esse tipo de orientação e que tinham fortes tradições de ação e inserção social, foram incapazes de se organizar proporcionalmente nos espaços midiáticos, e recuaram nas organizações comunitárias, de trabalhadores, de soldados e da cultura. Agravante paradoxal é que o Estado, quando administrado por setores mais à esquerda, sobretudo nos governos Lula, contribuiu – pela cooptação e substituição da iniciativa popular - para o enfraquecimento do movimento sindical e a desarticulação das organizações culturais comunitárias.
O movimento cineclubista brasileiro – certamente identificável com um segmento progressista da sociedade e, mais que isso, como um setor composto de instituições de hegemonia, os cineclubes - experimentou de forma muito marcante e própria esse processo, cujo melhor entendimento é vital para a superação do domínio pela reação e o fascismo. No final dos anos 80, com a redemocratização do País, os cineclubes se desorganizaram rapidamente, e grande parte de seus quadros abandonou o movimento para participar de movimentos mais diretamente envolvidos com a política institucional, no movimento estudantil e nos partidos políticos, especialmente no PT. Como ocorreu historicamente em diversas outras situações, essa absorção de cineclubistas em outros segmentos implicou de forma bem generalizada na sua total descaracterização. Em outras palavras: como em outras situações, ou em outros países, os cineclubistas que passam ao Estado, ao comércio (isto é, à atividade “profissional”), à Universidade, perdem completamente suas características e mesmo memória de cineclubistas, papel com que não mais se identificam. Assim, a reestruturação do cineclubismo brasileiro, quase 20 anos depois, foi iniciativa de militantes partidários e gestores do governo, mais identificados com a produção que com a organização do público. Passado esse impulso em boa medida artificial, com a falta de investimento governamental, o movimento voltou a se desarticular. O paralelo com outros movimentos sociais, inclusive com o sindicalismo, não é imediato nem simétrico, mas é certamente real.
O cineclubismo universitário
Até aqui, procurei questionar a formulação do problema, expresssa no próprio título do tema a discutir. Ao mesmo tempo, a articulação dos conceitos no enunciado me parece, justamente, particularmente rica para desenvolver a discussão. Então, finalizando pelo início, o que significam os opostos cinefilia e resistência localizados na fórmula cineclubismo universitário?
Numa abordagem mais superficial, poderíamos pensar numa contraposição entre a atividade de discussão formal do discurso cinematográfico e uma prática mais diretamente política de questionamento não apenas do filme, mas da própria realidade que ele refrata e em que o público está inserido. Mas, na verdade, essa aparente contradição não existe. O filme é sempre um discurso ideológico que se pode examinar e, nesse sentido, remete também sempre a uma situação social – ou mesmo mais de uma, já que se aplica à coisa narrada e à condição social de sua própria criação. A alienação reside, pois, mais na forma de conceber e organizar esse debate, essa crítica, pelo público, do que a uma polarização conceitual entre filme e realidade. É fato que o que identificamos com a cinefilia, tal como a critiquei anteriormente, está bastante ligado à ideia de prevalência e autonomia do filme, ou seja, de que o sentido do discurso audiovisual se expressa e se esgota exclusivamente no plano do texto fílmico ou, eventualmente, que isso pode ser melhor contextualizado colocando o filme na perspectiva da obra de seu autor. A meu ver, no entanto, o sentido é um espaço conflituoso, continuamente construído socialmente: a heteroglossia[xiii] de Bakhtin. Mesmo no discurso interior, no sonho, em todas as formas de representação simbólica, o sentido é produzido no processo social, cultural, intersubjetivo. Se o acento dessa relação cai, em última instância, na recepção, não se pode excluir também o fato de que o filme é que suscita as interpretações. Este, contudo, também é produzido a partir do ambiente social: uma questionável autoria está igualmente imersa no público. O público é, portanto, em última instância, o “autor”.
Gramsci, principalmente, demonstrou que certos espaços sociais, certas instituições, têm um papel especial na produção de sentidos éticos, estéticos, políticos. Chamou esses espaços de instituições criadoras de valores ou aparelhos de hegemonia; como Bakhtin, ele compreendia que, embora em permanente conflito, os sentidos ligados ao interesses das classes dominantes tendiam a prevalecer, a assumir uma significação mais estável. Hegemonia significa isso: a capacidade de uma classe social estabelecer seus sentidos como dominantes, aceitos e reproduzidos pelas demais classes sociais como se fossem delas.
O cineclube é, essencialmente, uma instituição de hegemonia. Ou melhor, uma contra-instituição, que se opõe ao dispositivo econômico e social do cinema. O cineclube propõe um modelo antitético ao sistema de criação, produção, distribuição e recepção do cinema. Constitui o embrião de outra forma de organização desse dispositivo, reunindo todas essas funções numa única instituição audiovisual vocacionada a superar as múltiplas instituições criadas pelo capital. O cineclube é um aparelho de hegemonia do público, do povo, dos oprimidos, do proletariado contemporâneo – conforme os diferentes tratamentos dados por inúmeros pensadores da questão social. É a instituição do público no campo do audiovisual.
Mas como se localiza esse público, em que base ele se organiza para formar um cineclube? Ele responde às exigências, aos interesses e à necessidade  de expressão audiovisual de comunidades. Recentemente tem-se empregado esse último termo como uma espécie de sinônimo de bairro mas, justamente, apoiando-se no sentido subjacente de identidade ou união. Uso a palavra em seu sentido original, de grupo de pessoas organizado conscientemente com um sentido de união. Uma comunidade pode ter uma base geográfica comum, como um bairro ou uma cidade não muito diferenciada, mas pode indicar igualmente um conjunto de traços comuns econômicos, culturais, de gênero, de posições ideológicas e até de gosto. E, eventualmente, combinar diversos desses casos. Os cineclubes se organizam e, portanto, em grande medida se identificam, a partir de suas comunidades, que potencialmente defendem, fortalecem, aperfeiçoam e representam no campos do cinema e dos outros meios audiovisuais.
Desde suas mais remotas origens, mesmo no tempos das projeções de lanternas mágicas, uma das primeiras atividades nesse terreno da organização audiovisual comunitária esteve ligada à emancipação dos setores populares através da educação. Um dos berços do cineclubismo foram as ações educativas de organizações operárias e as iniciativas de alfabetização independentes das igrejas – que também as desenvolviam. Desde o final do século 19 usava-se o cinematógrafo como ferramenta pedagógica[xiv]; por volta do fim da primeirra Guerra Mundial essas práticas se expandiram enormemente, com a realização de congressos internacionais e a constituição de grandes redes de cinema educador, por exemplo na França. Entre organizações operárias, promoção do ensino informal e laico e suas contrapartidas dirigidas por igrejas e organizações patronais, a educação com o cinema e a formação do público no sentido da cidadania sempre estiveram entre as principais atividades praticadas pelos cineclubes e que, em boa medida, os identificavam. Mas, quais eram essas comunidades? Na maioria dos casos eram bairros ou distritos dos grandes centros urbanos, cidades menores pelo interior dos países, locais de reunião de trabalhadores (tanto os organizados por eles como os criados pelos donos de empresas), paróquias e outros espaços de diferentes igrejas. Embora em muitos casos - principalmente na França, onde a educação laica e o cinema educador fazem parte de uma tradição fortíssima – essas atividades fossem conduzidas por professores, só mais tarde passariam a ocupar espaços estritamente escolares, e a trabalhar exclusivamente com um público estudantil.
O cineclubismo universitário é em parte tributário dessas velhas tradições. Por outro lado, tem muito a ver com a consolidação da cinefilia, sobretudo no sentido da legitimação do cinema como forma de arte, e da crítica como prática culta. Os primeiros cineclubes universitários, organizados em campi acadêmicos pelos próprios estudantes, aparecem nos anos 30. Mas, como todos os cineclubes que mais ou menos adotam o modelo de Delluc, seu ápice seria o período pós-guerra, prolongando-se até as grandes mobilizações estudantis no fim dos anos 60 e início dos anos 70. Nos países subdesenvolvidos em geral, incluindo a América Latina, o meio universitário sempre foi fundamental para a proposição de atividades independentes do cinema comercial, de divulgação e crítica de filmes – até pela ausência de uma verdadeira tradição e capacidade propositiva no campo da cultura por parte dos setores populares mais organizados, como os sindicatos. Desde os anos 40, com o Clube de Cinema da Faculdade de Filosofia de São Paulo – depois Clube de Cinema de São Paulo – já se mostra essa dependência da existência de intelectuais tradicionais para a formação de um posicionamento quanto ao cinema. Os anos 50 confirmarão essa condição e irão, de certa forma, “atualizar” o cineclubismo brasileiro com os dos países centrais, tornando-o o grande celeiro da crítica de cinema – dando realmente um caráter nacional a essa cultura cinematográfica culta -, formador de uma nova geração de realizadores e, mais ou menos indiretamente, já em plena ditadura militar, organizador dos primeiros cursos de cinema do País. Os cineclubes universitários dos anos 50 também se constituíram como contraposição do cineclubismo católico, talvez o mais influente do período.
Penso que uma explicação para a quebra dessa inserção – ainda que “pelo alto”, elitista – desse cineclubismo na cultura brasileira vem da ditadura militar: ela quebrou a rica mas incipiente relação cultural do movimento estudantil com alguns movimentos e comunidades populares, como no caso dos Centros Populares de Cultura, da União Nacional dos Estudantes e da produção de filmes ligados ao cineclubismo universitário, como Cinco Vezes Favela, Liberdade de Imprensa e outros. Um certo vínculo entre o cineclubismo universitário e outros segmentos da população só seria criado pela intermediação do movimento cineclubista organizado, na segunda metade da década de 70. Mas que seria novamente quebrado com a desarticulação do movimento nos final dos anos 80. Já a remobilização dos cineclubes no início deste século foi em grande parte orientada pelo governo federal, sobretudo na gestão de Juca Ferreira[xv]. Um de seus condicionamentos era o apoio exclusivo a comunidades mais ou menos vulneráveis, o que não ajudou na retomada de um cineclubismo tipicamente universitário.
Esse distanciamento ou isolamento dos cineclubes universitários em seu ambiente imediato, isto é, as instituições acadêmicas, a partir da ditadura, foi também acompanhado por uma certa especialização dentro dessa comunidade. Em parte devido ao controle e perseguição sobre o corpo docente, em parte pelo próprio impulso democratizador e participativo dos estudantes, na resistência ao regime autoritário, os cineclubes universitários tornaram-se sobretudo cineclubes estudantis, sem uma participação mais significativa do conjunto da comunidade acadêmica, composta por três vértices: estudantes, professores e funcionários. De fato, essas comunidades podem ser consideradas de maneira mais ampla, incluindo familiares nos três segmentos, o entorno imediato dos campi, e os diversos setores sociais que interagem de alguma forma com os múltiplos campos de pesquisa e ensino da Universidade. Essa relação – a propalada relação escola/comunidade - é claramente problematizada quanto a cineclubes de escolas de outros níveis, mas raramente na Universidade. Uma parte importante das atividades audiovisuais envolvendo a comunidade – em qualquer um dos recortes mencionados acima – já não é organizada como cineclube, mas sim como uma espécie de atividade funcional da Universidade, com um ou mais responsáveis remunerados. Ou seja, agora – em muitos casos – os estudantes foram substituídos por um quadro particularmente restrito: a administração. Apoiado exclusivamente sobre o corpo discente, o cineclube enfrenta direta e constantemente o problema da renovação e permanência de seu quadro associativo. Tocado pelo aparelho pedagógico administrativo, vulnera sua representatividade e autonomia. A comunidade em que se apoia o cineclube universitário é, hoje, uma questão aberta e em crise.
Mas há ainda uma crise mais profunda no cineclubismo universitário – mas que não lhe é exclusiva - e que também tangencia a dicotomia do nosso tema: qual é, ou quais são os meios de comunicação que constituem a prática desses cineclubes, e em que medida isso influencia, ou compromete, sua finalidade cultural e social?
O cinema firmou-se como um dispositivo ótico de reprodução do movimento sobre uma fita de celulóide. Essa base material determinava um modelo social de recepção: projeção sobre tela em um espaço escurecido, de forma retangular. Desde a criação da rede mundial de computadores e a consolidação das formas digitais de suporte e visionamento da imagem, esse paradigma, que durou praticamente todo o século 20, foi não apenas substituído por outro, mas essencialmente modificado. As salas de cinema já não são nem a forma mais importante de consumo dos produtos audiovisuais nem ocupam o centro econômico do fenômeno comunicacional. O filme, mais que o cinema, ainda é o paradigma das formas de expressão audiovisual, mas sua recepção alterou-se quantitativa e qualitativamente. As mídias – termo que descreve essa ampliação e modificação do paradigma cinematográfico – tornaram-se mais que uma nova forma de comunicação: são a configuração dominante, omnipresente, uma esfera pública múltipla, hegemônica numa escala que engloba instituições como a imprensa e supera outras – como a Escola e até a Família - na função de mediação das relações sociais.
As mídias ampliam e modificam a recepção, criando um público em nova dimensão, que não é apenas o espectador do entretenimento ou mesmo da educação, mas é agora objeto  da própria socialização e, cada vez mais, da política. O público, que engloba a totalidade da população, constitui os famosos 99% da população, o grande proletariado moderno, destituído não apenas do acesso aos bens de produção de sua vida material, mas também da sua representação subjetiva e simbólica, subtraída a partir de sua participação em todas as relações midiáticas que estabelece com o mundo.
Os cineclubes, porém, ficaram estacionados na relação tradicional do público com o cinema: na forma retangular de disposição do público diante da tela, nas formas narrativas – ou eventualmente experimentais – mais consagradas e, de maneira geral, restritos ao visionamento dos produtos audiovisuais, ainda que acompanhados de palestras e até de debates, mas sem outras atividades de documentação, informação e mesmo entretenimento de suas comunidades. Muito poucos produzem e, quando o fazem, geralmente adotam uma postura autoral que distancia essa produção da base comunitária do cineclube. Reproduzimos sem cessar os cineclubes de 50 ou mais anos atrás: essencialmente o modelo cinéfilo.
Os cineclubes instalados em universidades apresentam, portanto, problemas de identificação e representação de suas comunidades que, em última instância, podem ser entendidos como uma forma ampliada de alienação cinéfila. No entanto, o conceito de resistência também tem, nessas entidades, um conteúdo conservador: elas não têm sido capazes de atender às novas necessidades de seus públicos, de contribuir para o reconhecimento e preservação da identidade da comunidade, de expressar seus interesses, reivindicações e desejos. Como o cineclubismo em geral, de outras comunidades, esses cineclubes precisam de uma profunda reavaliação e atualização de suas práticas e objetivos em consonância com nosso século, nossa sociedade, nosso audiovisual.



[i] Baecque, Antoine de. 2010. Cinefilia. São Paulo: Cosac & Naify
[ii] Benjamin, Walter. 1936. A obra de arte na era da sua reprodutibidade técnica, disponível em https://www.marxists.org/portugues/benjamin/1936/mes/obra-arte.htm
[iii] Morel, Jean-Paul (org.) 1995. Usine aux images - Ricciotto Canudo. Paris : Séguier
[iv] A aura, para Walter Benjamin, é decorrente do culto à obra de arte pelo seu caráter de exclusividade e originalidade. Essa aura deixa de existir nesses termos com a introdução de técnicas de reprodução. No cinema não existe um original, mas cópias de um negativo.
[v] Ginzburg, Carlo. 1989. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, em Mitos, emblemas, sinais, p. 145-181. São Paulo: Companhia das Letras.
[vi] Burch. Noel. 2007. De la beauté des latrines - Pour réhabiliter le sens au cinéma et ailleurs. Paris : L’Harmattan.
[vii] A paixão das massas pelo cinema é uma das causas essenciais da sua existência. Em 1910, um terço da população dos EUA ia ao cinema pelo menos uma vez por semana; em 1920 esse número já alcançava a metade dos habitantes daquele país. Essa mesma paixão, guardadas as características de cada país, se manifestava em todo o mundo.
[viii] Diversos autores, desde Noel Burch (El Tragaluz del infinito - contribución a la genealogía del lenguaje cinematográfico. 2006. Madrid: Ediciones Catedra), descrevem o período entre 1905 (ou 1907) e algo entre 1915 e 1917, como sendo de institucionalização do cinema, isto é, o processo de consolidação de todas as principais práticas e instituições que definiriam, a partir de então, todo o dispositivo social do cinema: sua linguagem, seus modos de produção, de recepção, etc.
[ix] A questão de classe é base essencial dos primeiros cineclubes, surgidos no meio operário e popular, sob a liderança de anarquistas, socialistas e feministas. Canudo tinha uma postura bastante anti-comercial, que convivia com seu elitismo (seu cineclube consistia em banquetes com a nata intelectual parisiense em que se discutia filmes e o cinema); Delluc tem uma atitude mais marcadamente reacionária, até mesmo com palavras de desprezo pelo público mais popular
[x] Note-se como cinema amador, de amadores de cinema, é  semânticamente comparável a cinéfilo. Aqui o termo amador denota, separa, contrapõe essa produção àquela que visa a produção de resultados financeiros, reservada para a “indústria”, isto é, para o capital.
[xi] Tenho trabalhado  e retomo aqui a equivalência destes conceitos: o público como proletariado contemporâneo ou audiovisual.
[xii] Coutinho, Sérgio Augusto de Avelar (General) – A Revolução Gramscista no Ocidente (2002). O projeto ORVIL (LIVRO ao contrário) foi um relatório elaborado pelos setores de inteligência do Exército em resposta ao documento Tortura Nunca Mais. Olavo de Carvalho é uma liderança de extrema direita com forte influência institucional no governo atual e na internet.
[xiii] Heteroglossia, do grego heteros - diferente, do outro, e glôssa - língua, ilustra para Bakhtin a virtual existência de incontáveis significados nas palavras, ou melhor enunciados, a cada vez que são usados, dependendo da entonação, que nunca é a mesma. Os significados estão determinados pelo processo interpessoal de comunicação entre as pessoas. Nos ambientes mais amplos, e mesmo nas línguas nacionais, significados mais estáveis ou permanentes expressam influências de grupos, classes, culturas, etc. A interpretação mais corrente tende a ser a que se identifica com as classes dominantes.
[xiv] Vale notar que para os movimentos anarquistas, importante senão principal vanguarda dos movimentos operários, educação e propaganda política não se distinguiam. Divulgar seu ideário e formar “o novo ser humano” eram a mesma coisa.
[xv] Discuto essa questão mais longamente em outros artigos. Por exemplo em: https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2015/07/teses-para-uma-jornada-de-cineclubes-e_7.html.